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Propaganda de armas de fogo é ilegal, mas Governo Federal reduziu verbas de fiscalização

Maria Carolina Santos / 05/11/2021
Propaganda de armas

Crédito: Maria Carolina Santos/MZ Conteúdo

Quem vem de Caruaru para Gravatá pela BR-232, no Agreste pernambucano, é recebido com um outdoor que exibe uma imensa arma. “A pistola mais vendida do Brasil com 45% de desconto em espécie”, diz o anúncio da loja Caça e Pesca, de Caruaru. As informações das redes sociais, telefone e site do anunciante estão todas lá. Abaixo, em letras ilegíveis para quem passa por ali de carro, há duas linhas sobre a necessidade de registro para a compra. O outdoor está ali há meses. É ilegal.

“O Estatuto do Desarmamento proíbe a publicidade de armas e munições fora de publicações especializadas”, alerta Felippe Angeli, gerente de relações institucionais do instituto Sou da Paz, ONG dedicada à segurança pública e aos direitos humanos. Mesmo antes do estatuto, já havia proibição de publicidade desse tipo de comércio para o público em geral. Nas redes sociais da loja Caça e Pesca, mais propagandas e anúncios de descontos.

No governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2000, houve o decreto 3.665/2000 que restringiu ainda mais esse tipo de propaganda e delegou ao Exército a fiscalização. Vinte anos antes, em 1980, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) já havia deliberado uma série de regras sobre esse tipo de propaganda, proibindo “facilidades ou brindes para aquisição do produto” e veiculação em publicação dirigida ao público infanto-juvenil.

Com o aumento de lojas de armas e clubes de tiro, a propaganda ilegal também tem sido mais comum, principalmente no interior, onde há fiscalização é menor. Em uma análise dos casos que são levados para o Conar, a MZ não encontrou denúncias em 2017 nem 2018. Já com Bolsonaro no poder, e os mais de 30 decretos que ele assinou para facilitar e ampliar o acesso às armas de fogo, foram quatros casos em 2019 e três em 2020. Em todas as decisões que envolviam lojas e fabricantes de armas e clubes de tiro, o Conar optou pela sustação ou alteração das propagandas.

Uma delas, julgada em 2019, era bem parecida com a hoje exibida na BR-232. Foi um anúncio da fabricante Taurus que oferecia 20% de desconto. O Conar votou pela sustação da propaganda porque a “oferta de desconto na compra contraria recomendação da ética publicitária ao apregoar facilidade de pagamento”. Publicidade de armas em outdoors também são proibidas pelo Conar, já que não há como controlar se o público infanto-juvenil vai ver ou não.

A fiscalização do Conar é frágil no interior do país. Apenas na sede, em São Paulo, há fiscalização ativa, com monitoramento das publicações nacionais. Em nota, a assessoria de imprensa do órgão afirmou que 70% das representações abertas pelo Conar decorrem de denúncias recebidas de consumidores. Com a publicidade digital esse tipo de denúncia se tornou ainda mais importante, já que os anúncios são direcionados para públicos específicos. O órgão não aceita denúncias anônimas, mas afirma que as informações sobre o consumidor são protegidas pela Lei Geral de Proteção de Dados.

Como é um órgão de classe, sem poder de polícia, a principal punição que o Conar pode aplicar é a recomendação de sustação de exibição, “que deve ser posta em prática no menor prazo possível pelo veículo de comunicação. Há também a penalidade de alteração, caso apenas trechos do anúncio forem considerados antiéticos, e a advertência ao anunciante, à agência e, se for o caso, ao influenciador”, diz a nota. De acordo com a assessoria, desde a fundação, em 1978, o Conar nunca teve uma recomendação sua desrespeitada por veículos, agências e anunciantes. As denúncias podem ser feitas pelo site do Conar.

Exército com orçamento curto para fiscalização

É o Exército Brasileiro o responsável por fiscalizar, no âmbito federal, a publicidade ilegal de armas e munições. É uma função que foi atribuída em 2000 e ainda permanece. O decreto 9.847, de 25 de junho de 2019, que regulamenta o Estatuto do Desarmamento, estabelece uma multa de R$ 100 mil para a prática. É o mesmo valor de quando o estatuto foi aprovado, em 2008. A Marco Zero questionou o Exército sobre como é feita essa fiscalização e quantas multas haviam sido aplicados nos últimos cinco anos, mas não obteve resposta.

O Exército também é responsável por conceder licenças para a abertura de clubes de tiro, fábricas e lojas de armas e munições, além de realizar as fiscalizações nesses estabelecimentos. pela fiscalização de fabricantes e lojas que vendem armas e munições. “São atribuições que datam da Era Vargas. Naquela época poderia fazer algum sentido, mas hoje a sociedade civil questiona isso. Poderia ser da Polícia Federal, que já é responsável pelos registros, ou até de um novo órgão”, afirma Angeli.


Informações conseguidas pelo Sou da Paz, Instituto Igarapé e jornal O Globo, por meio da Lei de Acesso à Informação, mostram que o orçamento e o efetivo para as ações de fiscalização do Exército em fabricantes e lojas de armas e munições vem caindo, enquanto os números de estabelecimentos e de armas no Brasil seguem aumentando.

Em 2020, o Exército contou com apenas R$ 3 milhões para essas ações, 15% a menos do que em 2018 e 8% a menos do que em 2019. A diminuição contrasta com o período anterior ao governo Bolsonaro: de 2016 a 2018, a verba cresceu 18%.

Boletim divulgado pelo Igarapé também mostra que, em 2020, 2.121 militares atuaram em operações de fiscalização, número 28% menor que em 2018 e 54% menor que em 2019. Apenas 2,3% do total de acervos privados de armas e munições foram fiscalizados pelo Exército em 2020.

Enquanto isso, o armamento em poder de civis aumentou 65% em dois anos, de 2018 a 2020. Os dados da LAI apontam que há 1,151 milhão de armas nas mãos de cidadãos civis no Brasil. A média de diária do registro de armas feito por pessoas físicas na Polícia Federal foi de 378. Em 2017, essa média era de 43 pedidos, apontam os dados.

Um projeto de lei do deputado federal Ivan Valente, do Psol, quer retirar as funções de fiscalização do Exército e repassá-las para a Polícia Federal, que já é a responsável por aprovar registro de armas. Também está em tramitação na Câmara um projeto de lei para punir empresas de comunicação que veiculam anúncios irregulares. O Estatuto do Desarmamento prevê apenas punição para os anunciantes.

Na esteira do projeto governamental de facilitar o acesso às armas, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) apresentou o projeto de Lei 5.417/20 que permite a fabricantes e comerciantes de armas de fogo e munições fazer publicidade em veículos de comunicação e na internet para o público em geral. O projeto, que segue em tramitação na Câmara, ainda abarca outras categorias, como clubes e instrutores de tiro, colecionadores e até publicidade para caçadores.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org