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“Querem transformar meu filho no demônio e Sarí em santa”, diz Mirtes

Débora Britto / 03/12/2020

Crédito: Rafaella Gomes

“Querem transformar meu filho no demônio e Sarí em santa”, disse Mirtes ao falar com os jornalistas após as mais de sete horas da primeira audiência instrução do julgamento de Sarí Corte Real, acusada da morte de Miguel. Ela fez questão de lembrar que o filho era apenas uma criança de 5 anos, saudável e educada. “Na audiência de hoje quiseram transformar ele na pior criança do mundo e Sari numa pessoa delicada. Querem passar ela por doida. Uma mãe de família, empresária, e não tem percepção do perigo?”.

Segundo o advogado Rodrigo Almendra, o que ocorreu hoje no Centro Integrado da Criança e do Adolescente (CICA), onde funciona a 1ª Vara de Crimes Contra a Criança e o Adolescente, foi um processo “adultização” da vitima e de infantilização da acusada, “narrada como uma pessoa psicologicamente incapaz de prever, de diagnosticar um mal que poderia causar a uma criança ao deixá-la sozinha no elevador”.

Para a mãe de Miguel, o que mais a revoltou diante de tudo que viu na audiência foi algo que ela vinha negando desde o começo do caso: o racismo. “Ele não teve o direito de ser criança, de ser protegido. Isso ficou bem claro, bem explícito, na audiência de hoje. Eu vou mover céus e terras para que a condenação aconteça”.

A audiência de instrução não foi finalizada na quinta (3) porque algumas testemunhas não compareceram. A acusada Sarí Corte Real também não foi ouvida. Ainda há data definida para continuação da audiência.

Miguel morreu, no dia 2 de junho, depois de cair do nono andar de um prédio de luxo no Recife. Ele ficou sob a responsabilidade de Sari, enquanto sua mãe passeava com o cachorro da família. Sarí deixou a criança sozinha no elevador do prédio onde morava. O menino subiu até o nono andar e, ao sair do elevador para a parte externa do prédio, caiu de uma altura de aproximadamente 35 metros.

O MPPE denunciou Sarí por abandono de incapaz com resultado em morte, com as agravantes de cometimento de crime contra criança e em ocasião de calamidade pública (art. 133, § 2º, do CPB, com as agravantes do art. 61. inciso II, alíneas “h” e “j”, do CPB).

Mobilização social por justiça

Ativistas somaram forças à família da criança em ato, organizado pela Articulação Negra de Pernambuco, pelo GAJOP e pelo Instituto Menino Miguel, que vêm apoiando a luta de Mirtes e sua família ao longo do processo, em frente ao local da audiência.

“Fizemos nossa manifestação de protesto e de pedido de justiça. Está se comprovando aquilo que nós temos dito desde o início desse caso: é a demarcação do racismo na sociedade brasileira”, conta Mônica Oliveira, da Articulação Negra de Pernambuco que acompanha Mirtes e a família.

Nas redes sociais, a mobilização foi para “subir” as hashtags #JustiçaPorMiguel e #Abandonoécrime.

Em entrevista à Marco Zero em agosto Mirtes disse: “defendia meu filho em vida, vou defender na morte também”. Em 2021, voltará a estudar. “Decidi voltar a estudar e escolhi o curso de direito para ajudar outras pessoas, acredito que foi uma missão que meu filho me deu”.

Entenda a audiência e o trâmite judicial

Segundo o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), a audiência tem como objetivo efetuar o interrogatório da acusada e a escuta de testemunhas que foram indicadas pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e pela Defesa. A audiência foi conduzida pelo juiz José Renato Bizerra.

Ainda segundo o Tribunal, o juízo da 1ª Vara de Crimes contra a Criança e o Adolescente da Capital não repassa informações sobre o rol com nomes das testemunhas arroladas pela Acusação e Defesa para preservar a identidade e a privacidade das pessoas que vão testemunhar.

Testemunhas de defesa e de acusação ficaram em salas separadas. Foram ouvidas todas as arroladas pela acusação e todas indicadas pela defensa que residem no Recife. Ainda precisam ser ouvidas as testemunhas que moram fora da capital. Sarí não foi ouvida nesta primeira audiência e não há uma data para isso.

Depois de finalizada a fase de Instrução e Julgamento do processo, o MPPE e a Defesa deverão apresentar as alegações finais, e só então o Juízo da 1ª Vara de Crimes contra a Criança e o Adolescente da Capital deverá proferir a decisão.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.