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Raquel Lyra enfrenta deboche e ironia de estudantes nas redes sociais

Jeniffer Oliveira / 07/04/2025
A imagem mostra um grupo de estudantes em protesto, segurando cartazes com mensagens em defesa da educação pública. Os jovens vestem fardamento escolar do estado de Pernambuco. Entre os cartazes, destacam-se frases como A crise na educação brasileira não é uma crise, é um projeto e Defenda a escola climatizada. A manifestação parece acontecer em ambiente urbano, em frente a uma escola ou prédio público. O clima é ensolarado, e os manifestantes demonstram engajamento e preocupação com a qualidade da educação.

Crédito: Guilherme Camilo/Sintepe

Não é de hoje que a governadora Raquel Lyra é alvo dos estudantes das escolas da rede pública estadual. Os protestos dos últimos dias, que culminaram com uma audiência pública na Assembleia Legislativa convocada por deputados de oposição, levaram para a realidade física o que, desde os primeiros dias de aula de 2023, é uma rotina nas redes sociais: críticas repletas de sarcasmo e deboche à condução da educação de Pernambuco.

São quase 500 mil adolescentes nas escolas estaduais de ensino médio, a maioria com idade para o primeiro voto e intimidade com o Instagram e, principalmente, o TikTok, apontando com bom humor os problemas que enfrentam no dia a dia das salas de aula.

Na semana dos protestos, uma postagem com mais de 62 mil visualizações na página do Instagram do Grêmio Estudantil Dandara Pedrita, da Escola Técnica Estadual Miguel Batista, mostrou alunos reunidos em sala de aula para mostrar o material escolar que a “titia Lyra” mandou. Em suas bancas, os estudantes balançam suas bolsas vazias e ainda disparam que ao final do ano a governadora deseja ver os “resultados”.

Não demorou muito para que estudantes de outras escolas manifestassem insatisfação nos comentários, em um deles uma jovem dispara: “e disse que iríamos ganhar um vale pra comprar sapato, nem farda eu tenho”. As proporções foram ainda maiores quando uma página de memes reproduziu o vídeo e atingiu quase 600 mil visualizações.

Esse é um dos diversos conteúdos que circulam nas redes sociais mostrando como os jovens têm se mobilizado para reivindicar as faltas da gestão estadual com as escolas públicas. No TikTok, os vídeos com as denúncia são repletos de humor ácido.

Os primeiros conteúdos críticos na plataforma de vídeos foram postados por estudantes já em abril de 2023, três meses após a posse da governadora, como neste exemplo aqui: Reage, mulher!🤡 Não tem kir, não tem merenda, não tem farda… nao tem … | TikTok. Os problemas vão de atrasos de kit escolares e fardamentos, falta de qualidade das merendas até calor nas salas de aula. Como mostra neste vídeo com a legenda “se tá ruim pra você, imagina pra gente que na de aula tem quatro ventiladores e só pega um”.

Já os estudantes da EREM Senador João Cleofas de Oliveira, de Vitória de Santo Antão, se reuniram em frente à instituição em protesto para reivindicar o que ainda não haviam recebido. Entre as falas, uma jovem pergunta: “Raquel Lyra, cadê os kits dos estudantes? Cadê os kits dos professores? Cadê o compromisso com os alunos do governo?”.

Esse movimento dos alunos expõem a contradição da governadora. Em cinco de janeiro deste ano, Lyra fez uma publicação na sua conta oficial do TikTok garantindo que o ano letivo iniciaria com 500 mil kits escolares entregues para todos os alunos. “Através do programa Juntos pela Educação, a gente já vai garantir que cada aluno, em cada escola de Pernambuco, possa receber o seu kit”, ressaltou no vídeo.

Quando se fala em merenda, os alunos também se posicionam. Meninos e meninas se queixam da qualidade da comida, a variedade e até a quantidade de óleo no tradicional macarrão com sardinha, como aponta esse vídeo do primeiro ano de gestão de Raquel. No texto da legenda, a ironia: “Eis que a fábrica de óleo resolve patrocinar o governo de PE”.

O programa Ganhe o Mundo tem sido outro motivo de angústia para aproximadamente 900 estudantes aprovados para fazerem um intercâmbio internacional para o Canadá e os Estados Unidos, com tudo pago pelo Governo do Estado. Contudo, o embarque que deveria ter ocorrido até o mês passado, não tem nenhuma previsão para acontecer. É possível ver a frustração desses jovens aprovados na publicação em que a governadora acompanha o embarque de estudantes que foram para o Chile.

Essa imagem captura um momento em que uma pessoa está segurando uma sacola de papel marrom. Na sacola, há um adesivo com a bandeira do estado de Pernambuco. Atrás dela, há uma pessoa vestindo uma camisa azul com o logotipo do governo de Pernambuco e a palavra MUNDO. Outras pessoas também estão ao fundo, provavelmente participantes ou observadores de um evento. Na parte superior da imagem, há um texto que diz Deixa com a gente, Governadora!. Já na parte direita da imagem, há uma captura de tela de uma postagem no Instagram da conta raquellyraoficial. A postagem tem 5630 curtidas e foi feita há 6 dias. Alguns comentários fazem perguntas sobre kits ou tratam da demora para atender demandas de quem está nos EUA e Canadá.
Crédito: Reprodução/Instagram

A descoberta do direito de lutar

“A gente olha para o governo dela e não enxerga aquela mulher enquanto governadora, porque as atitudes, os pensamentos e as ações não condizem com o cargo político que ela está. A gente acaba se prejudicando muito, porque ficamos em situações insalubres”, relata Luana Rêgo, de 17 anos, estudante do 3º ano da Escola de Referência em Ensino Médio Augusto Severo, localizada em Piedade, Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife.

A jovem começou sua jornada no ensino médio junto com o início da gestão de Lyra e afirma que os problemas enfrentados acontecem desde o primeiro ano. “A falta de climatização, a infraestrutura básica da escola que não é fornecida direito, a merenda também. Então, são coisas básicas que não são garantidas para nós estudantes”, afirma. Ano passado, os alunos receberam o fardamento no mês de abril e o kit escolar em junho.

Os últimos dias do mês de março foram marcados por reivindicações de alunos e professores de diversas escolas da rede estadual. Na última segunda-feira (31), os estudantes da Augusto Severo se reuniram em frente à escola reforçando as denúncias feitas na internet, com um agravante: a acusação de coação da Gerência Regional de Educação (GRE) Metro Sul para evitar a mobilização e o tratamento agressivo da nutricionista responsável.

“O gestor e a presidente da GRE Metro Sul foram lá na escola tentar nos calar, começaram a coagir os alunos a não fazer a mobilização, mandaram mensagem para os pais, até para os professores, mas, mesmo assim, a gente teve coragem de ir para o meio da rua e fazer o máximo que a gente conseguiu. Acabou dando certo”, reforça a jovem.

Coincidentemente, após o ato e a presença na audiência pública que aconteceu na Assembleia Legislativa de Pernambuco na última terça-feira (10), os jovens desta escola receberam os kits escolares. No entanto, segundo a adolescente, o material entregue não atendeu a todos os alunos, pois o número de kits foi insuficiente para o total de estudantes, além de não condizerem com a quantidade de itens informados no QR Code da embalagem.

Apesar desses problemas, foi com essa cobrança que obtiveram alguma resposta do Governo do Estado. “A gente percebeu que os estudantes têm voz, sim, e a gente pode sim ir atrás dos nossos direitos, porque eles tentaram todo esse tempo, há três anos, fazer com que a gente engolisse a seco todas as falhas deles”, discursa Luana.

O presidente da União Metropolitana de Estudantes Eecundaristas de Pernambuco (Umes), Kleyton Pimentel, aponta que a entidade recebe diversas denúncias desde o início da gestão, mas não há diálogo com a secretaria “A gente se preocupa muito, porque o governo de Pernambuco não dialoga com os movimentos estudantis. Não dialoga com a classe estudantil, com a classe dos professores e trabalhadores da educação. Então, é um grande tiro no escuro. A gente fica, inclusive, sempre esperando a próxima bala que vai atingir os estudantes’, compara. Só após muita insistência, a UMES conseguiu uma reunião com o secretário de educação.

As respostas do secretário de Educação

O secretário de Educação do Estado, Gilson Monteiro, esteve na audiência pública, no dia primeiro de abril, convocada pela Comissão de Administração Pública, da Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE), para responder os principais questionamentos da comunidade escolar, que lotou o Auditório Senador Sérgio Guerra. Estudantes e deputados reforçaram denúncias que vêm sendo feitas nos últimos meses.

Confira o que o secretário disse:
  • Sobre os kits escolares, o secretário informou que a gestão precisou realizar as compras por meio de atas de preços definidas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Governo Federal. Isso aconteceu por causa de problemas no processo licitatório e por medidas cautelares do Tribunal de Contas do Estado (TCE). O secretário ainda garantiu que, até o dia 20 deste mês, os kits serão entregues para toda a comunidade escolar.
  • Em relação ao fardamento, entendendo como parte do fardamento não só as camisas, mas a mochila e o tênis prometidos pela gestão estadual, houve uma série de atrasos. Este ano, o governo fez uma parceria com o Polo Têxtil para que as camisas fossem produzidas aqui no estado, no entanto, o secretário afirmou que o atraso aconteceu devido ao processo de adesão das empresas, capacitação, discussão e convencimento da efetividade da parceria. De toda forma, até o momento foram entregues 566 mil fardas e, até meados de abril, serão entregues mais duas fardas por aluno. A secretaria se comprometeu em checar com as escolas que possuem alunos que ainda não receberam.

    Para viabilizar as mochilas, o caminho é ainda mais complexo: o secretário chamou o processo para a produção das mochilas de “traumático”, pois apenas dez empresas se cadastraram no chamamento público para a produção. Então, houve um atraso pelo tempo maior entre o chamamento, credenciamento, capacitação e fornecimento. Quem está à frente da produção é o Polo de Cupira, mas o secretário não sabe quando as mochilas vão ser entregues.

    E os tão esperados tênis parece que ainda vão demorar. A SEE está aguardando propostas dos bancos públicos para efetivar a contratação dos cartões pré-pagos no valor de R$ 150. Além disso, eles precisam de condições para limitar o valor e identificar as lojas específicas de calçados, além de acompanhar e prestar contas dos valores fornecidos. Também não há previsão de quando isso será resolvido.
  • Sobre a merenda, o secretário afirmou que a rede pública de ensino possui 878 escolas com a produção da merenda e 191 escolas, 18% do total, com a merenda terceirizada. Seriam estas com problemas no processo licitatório, sofrendo também medidas cautelares do TCE e causando os transtornos na distribuição. Segundo Monteiro, a ideia é produzir a merenda em todas as escolas, com seus próprios insumos, equipamentos e funcionários.

    No que diz respeito à quantidade de proteínas, o gestor afirmou que o contrato em vigor com a Ceasa estava defasado e foi necessário fazer um aditivo. Também houve dificuldades junto aos fornecedores, de recebimento, reprodução e de distribuição, mas que a distribuição vem sendo normalizada.

    Monteiro também falou sobre o tapurus (larvas de insetos) encontrados na merenda de diversas escolas. Segundo ele, houve uma troca de empresa de logística, assumindo um novo contrato. O que ele avalia que tem facilitado a distribuição e o armazenamento com mais qualidade.
  • Em relação à climatização nas escolas, o secretário informou que o grande gargalo nesse momento é o sistema elétrico dos imóveis, que não comportam o número de aparelhos de ar-condicionado necessários e, muitas vezes, nem mesmo de ventiladores. Por esse motivo, a SEE está em contato com a Neoenergia desde 2023 para a instalação de subestações que comportem os equipamentos. A expectativa é que mais de 360 subestações sejam entregues entre 60 e 90 dias e, até 2026, as 1.069 escolas da rede estejam climatizadas.
  • Sobre o Programa Ganhe o Mundo, que leva alunos de escolas públicas para intercâmbios internacionais, foram apontados problemas com a licitação, envolvendo incertezas jurídicas com relação à única empresa que foi contratada para viabilizar o intercâmbio. Aproximadamente 200 alunos já embarcaram para o Chile, mas os que aguardam para viajar ao Canadá e aos Estados Unidos, seguem sem garantias de quando vão acontecer. A expectativa do secretário é que ocorra ainda nesse primeiro semestre.
  • Já as denúncias de coação levadas pelos estudantes à deputada estadual Dani Portela, Monteiro afirmou que “Qualquer medida tomada por gestor, gerente regional ou secretários-executivos que não estejam atreladas ao que a comunidade escolar precisa e a construção coletiva que pensamos, está fora do padrão. Está registrado, vamos apurar para abrir os processos administrativos e disciplinares, escutar o gestor e os estudantes que tiveram esse cerceamento”.
AUTOR
Foto Jeniffer Oliveira
Jeniffer Oliveira

Jornalista formada pelo Centro Universitário Aeso Barros Melo – UNIAESO. Contato: jeniffer@marcozero.org.