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Redução da mortalidade infantil desacelera

Marco Zero Conteúdo / 05/09/2022

Crédito: Breno Esaki/Agência Saúde-DF

* Por Verônica Almeida

O pesquisador Cristiano Boccolini, do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-RJ), estudioso da epidemiologia social e da saúde materno-infantil, afirma que a taxa de mortalidade em crianças de até um ano de vida teve sua redução paralisada nos anos mais recentes no Brasil. “Desde 2016 e 2017 a velocidade de redução tem diminuído ou ficado estagnada. Nos dois anos da pandemia de Covid-19 em alguns casos até aumentou a mortalidade infantil. O Norte e o Nordeste apresentam taxas de 50% a 70% maiores que as da região Sul, expondo um Brasil continental desigual”, afirma. No país são pelo menos vinte mil mortes evitáveis anuais de crianças com até 1 ano de vida, incluindo as causadas por diarreia e pneumonia.

Em números absolutos, a quantidade de menores de 1 ano que morrem nessa fase da infância significa menos da metade dos óbitos registrados em 2000 (ver quadro com dados do Observatório da Saúde na Infância). Ocorre que a queda na taxa de mortalidade infantil, que foi acelerada até 2015, já não se comporta assim. Em 2000, a mortalidade infantil no Brasil era de 21,23 mortos por mil nascidos vivos. Depois de uma década, havia caído mais de sete pontos, chegando a 13,93 em 2010. Já em 2015, caiu mais um pouco para 12,42. Em 2016, voltou a subir, atingindo 12,71. Manteve-se na casa dos 12 óbitos por mil nascimentos até 2019. No ano seguinte, caiu discretamente para 11,49 e, em 2021, voltou a crescer um pouco, atingindo 11,87 mortes por mil nascidos vivos. No quadro, é possível observar que nos anos de 2019 e 2021, no Brasil, o número absoluto de óbitos foi menor que o de anos anteriores, mas a taxa de mortalidade mostrou-se superior. É que o cálculo, esclarece Cristiano Boccolini, considera a quantidade de nascidos vivos no período, ou seja, nesses anos houve menos nascimentos e mais mortes.


Evolução da mortalidade infantil no Brasil e Região Nordeste de Marco Zero

No Recife, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde, em 2020 foi registrada mortalidade infantil de 11,2. Os dados de 2021 apurados até o momento indicam 10,2 óbitos por mil nascidos vivos. Por local de moradia das mães, observam-se diferenças para mais e para menos da média na capital. Em 2020, nos distritos um (área central), quatro (bairros ao longo da Avenida Caxangá), sete (morros da Zona Norte) e oito (morros da Zona Sul), a mortalidade foi de 11,7, 15, 13,8 e 12,2 óbitos por mil nascidos vivos, respectivamente. As informações sobre mortalidade infantil em 2021 apontam taxas maiores que a média da capital mais uma vez nos distritos um (14,2 mortes por mil nascidos vivos), quatro (11,1), oito (11) e também no cinco (11,9), que é formado por bairros da Zona Oeste, de Afogados ao Totó.

Com o avanço da pobreza e da fome no país, os prognósticos não são positivos. “É uma situação grave, com consequências nutricionais e biológicas. A má alimentação leva à anemia, desnutrição e até à obesidade. Na impossibilidade de comprar alimentos saudáveis, as famílias tendem a buscar os ultraprocessados, mais calóricos e que aparentemente seriam mais baratos, mas sem qualidade nutricional adequada, como biscoitos e macarrão instantâneo. A deficiência de nutrientes tem implicações no desenvolvimento cognitivo e até mesmo físico, com consequências a longo prazo como o retardo na aprendizagem”, explica.

Repercussão na vida adulta dos sobreviventes

A privação de direitos sociais mais básicos durante a infância reflete na vida adulta. Segundo Boccolini, um estudo realizado na Holanda, no pós Segunda Guerra Mundial, mostrou que crianças submetidas à fome tornaram-se adultos com baixa estatura e com mais propensão a doenças crônicas, como a pressão alta e diabetes. Os determinantes sociais, afirma, condicionam a qualidade de vida, o acesso à moradia, saneamento, escola e a serviços de saúde. “São fundamentais para o pleno desenvolvimento das crianças do zero aos 6 anos um ambiente social seguro, com saneamento básico, os bens úteis como geladeira para preservar alimentos, educação e assistência à saúde”, diz, incluindo a garantia de comida saudável, atendimento de qualidade nos serviços do SUS, o que vai além do acesso, considerando também a forma como o usuário é abordado, se a linguagem dos profissionais é compreensível, se são ofertados os recursos para tratamento e promoção da saúde.

Para o pesquisador Cristiano Boccolini, segurança alimentar e um ambiente social seguro, com acesso a saúde e educação de qualidade, são condições para o desenvolvimento saudável de crianças entre zero e seis anos de idade. Crédito: Raquel Portugal - Icict/Fiocruz

De acordo com o pesquisador, que estudou determinantes sociais no aleitamento, embora as mães nordestinas amamentem seus filhos por um período mais longo que as de outras regiões, elas não conseguem manter o aleitamento materno exclusivo por seis meses quando expostas ao subemprego ou ao trabalho doméstico.

Ir atás de comida ou no posto vacinar?

Cristiano Boccolini é um dos coordenadores do Observatório de Saúde na Infância (Observa Infância), que avalia bases de dados nacionais para medir impactos na mortalidade infantil. Patrícia Boccolini, outra coordenadora do Observatório, pesquisadora da Faculdade de Medicina de Petrópolis do Centro Universitário Arthur de Sá Earp Neto (Unifase), afirma que o aumento da insegurança alimentar durante a pandemia de Covid-19 traz mais um desafio, que é o de ampliar a cobertura vacinal para todas as doenças imunopreveníveis.

“Num contexto de pandemia, aumento de desemprego e da fome, o que eu vou comer é mais imediato do que vacinar”, diz. A campanha de vacinação contra sarampo e influenza, realizada em maio no Brasil, teve baixa cobertura. Antes da pandemia, lembra Patrícia, estudos apontavam que mães com escolaridade e renda menores vacinavam mais seus filhos. “Elas exibiam os cartões de vacina com orgulho e procuram mais a atenção primária do SUS”.

Além do desestímulo oficial à vacinação nos últimos dois anos, as mulheres ficaram sobrecarregadas com a pandemia e, como foi retardada a imunização de crianças contra a Covid-19, muitas também evitaram levar seus filhos aos postos, preocupadas com a exposição ao coronavírus.

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* Este conteúdo integra a série Eleições 2022: Escolha pelas Mulheres e pelas Crianças. Uma ação do Nós, Mulheres da Periferia, Alma Preta Jornalismo, Amazônia Real e Marco Zero Conteúdo, apoiada pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal

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