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Estado nutricional era preocupante em Pernambuco mesmo antes da pandemia

Marco Zero Conteúdo / 05/09/2022

4,1% das meninas e 19,6% dos meninos, de 2 a 5 anos, apresentaram déficit de peso para idade, indicativo de desnutrição, no levantamento do Atlas da Situação Alimentar e Nutricional de Pernambuco, em 2019 . Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo.

* Por Verônica Almeida

A professora Fernanda Cristina de Lima Pinto Tavares, do Departamento de Nutrição da UFPE, confirma a carência alimentar de crianças pernambucanas antes mesmo de 2022. Segundo a pesquisadora, nos últimos cinco anos o cenário já preocupava. Atlas da Situação Alimentar e Nutricional de Pernambuco, documento que Fernanda ajudou a elaborar, aponta que no ano de 2019, na Região Metropolitana do Recife, só 28% das famílias estavam vivendo em segurança alimentar.

Conforme o Atlas, outras 14,4% viviam insegurança alimentar grave (passavam fome), 24,9% enfrentavam insegurança moderada (quando há necessidade de reduzir a quantidade de alimentos por falta de condições de obtê-los) e 32% estavam submetidas à insegurança leve (quando há incerteza quanto à condição de obter alimentação e/ou uma redução na qualidade e variedade dos alimentos consumidos pela família).

Considerando dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), alimentados pela atenção básica do SUS nos municípios, o Atlas revelou ainda alguns aspectos do consumo de alimentos em Pernambuco no ano de 2019. Entre eles, 66% das crianças com 2 a 4 anos comendo doces, biscoitos recheados e outras guloseimas. Alimentos ultraprocessados nessa faixa etária estavam tão presentes como o feijão: 87% e 88%, respectivamente. Bebês de 6 meses a menos de 2 anos, de acordo com o levantamento, também tinham acesso a biscoitos recheados (29%), bebidas adoçadas (30%) e alimentos ultraprocessados (49%).

“Na pré-pandemia de Covid-19, os dados sobre o estado nutricional em Pernambuco também eram preocupantes tanto pelo déficit de altura e de peso para idade em crianças, quanto pelos resultados de excesso de peso em todas as faixas etárias, de bebês a idosos”, afirma Fernanda Tavares. As informações presentes no Atlas mostram que, em 2019, “o déficit de altura para idade no Estado variou de 9,4% em meninas de 5 a 10 anos a 21,5% em meninos de 0 a 2 anos, refletindo uma desnutrição ou subnutrição crônica”.

De acordo com a pesquisadora, no levantamento, 4,1% das meninas de 2 a 5 anos apresentaram déficit de peso para idade, enquanto entre os meninos da mesma faixa etária o problema atingiu 19,6%, indicativo de desnutrição no momento em que foi medida. As informações se referem a um universo de 587.207 crianças acompanhadas pela atenção básica do SUS, sendo 310.190 menores de 5 anos e 277.017 de 5 a 10 anos.

Avaliando um período mais longo, Fernanda Tavares afirma que Pernambuco segue a tendência nacional em insegurança alimentar, com melhora da situação entre 2004 e 2013, e piora identificada a partir de 2018. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do período 2017-2018, do IBGE, apontou que o percentual de domicílios com grau de insegurança alimentar no Estado quase dobrou em cinco anos, passando de 25,9% em 2013 para 48,3% no período 2017-2018.

“Os dados da 1ª Vigisan (de 2020), pesquisa realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) para monitoramento da situação de insegurança alimentar durante a pandemia de Covid-19, já mostravam um retrocesso para patamares equivalentes a 2004, com 19 milhões de pessoas no Brasil em insegurança alimentar grave”, afirma a pesquisadora. Esse levantamento, observa, não teve amostra suficiente para fazer estimativas para estados, só por regiões.

A 2ª Vigisan, divulgada este ano, identificou um retrocesso ainda maior, “com 33 milhões de brasileiros em insegurança grave, mais próximo do que tínhamos nos anos de 1990”, afirma Fernanda. Ela destaca a proporção maior de insegurança alimentar grave (fome) no Norte (25,7%) e no Nordeste (21%), quando a média nacional é de 15,5%. “Essa é a situação mais crítica, mas a insegurança alimentar moderada e a leve (15,2% e 28%, respectivamente no Brasil) também têm impactos na saúde e bem-estar das crianças e de suas famílias. Geralmente o prejuízo na alimentação vem junto com a violação de outros direitos, como o de ter uma moradia adequada, por exemplo”, destaca.

Secretarias de saúde

No Recife, a Secretaria Municipal de Saúde informa que “entre os meses de janeiro e abril de 2021 foram registrados 818 casos de desnutrição entre crianças de 0 a 10 anos”. No mesmo período de 2022, houve uma redução de 47,9%, com 426 crianças desnutridas nessa faixa etária. Adverte, entretanto, que “tais dados são provisórios, uma vez que os sistemas de informação ainda não estão fechados e podem sofrer alteração”.

Baseada em informações municipais, também por meio do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, a Secretaria de Saúde de Pernambuco informa que a análise do estado nutricional de crianças menores de 5 anos, nos anos de 2020 e 2021, indicou 2,27% apresentando muito baixo peso para idade e 2,86% de baixo peso para idade. Os dados consideram o universo de 236.671 (2020) e 281.701 (2021) crianças acompanhadas pela atenção básica do SUS.

Alimentação ideal

De acordo com a pesquisadora Fernanda Tavares, o aleitamento materno deve ser alimento exclusivo até os 6 meses de vida e complementar até os 2 anos ou mais da criança. “A partir dos 6 meses, a criança passa a receber os alimentos da família, ao longo do dia, que deve incluir frutas, verduras, cereais, raízes/tubérculos, leguminosas, carnes, ovos, leite e derivados, evitando adição de açúcar, excesso de sal, gorduras, óleos e ultraprocessados”. É importante, acrescenta, que a família trabalhe seus hábitos alimentares, “pois a criança aprende com o seu ambiente, com o que está disponível e o que observa dos hábitos dos adultos”, ensina.

Omissão e retrocesso

O Brasil tem instrumentos para auxiliar o enfrentamento da fome, embora não estejam sendo levados em conta nos últimos seis anos. “Temos a Política de Segurança Alimentar e Nutricional desde 2006. Essa é uma política intersetorial, com programas na esfera da saúde, educação, assistência social, agricultura, meio ambiente e outros setores. Infelizmente essa política vem sendo negligenciada com os cortes nas áreas sociais que começaram intensivamente em 2016, corroborados com a aprovação do Teto dos Gastos. E, em, 2019, com a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) – muito importante na construção da política, criação e ajustes dos programas relacionados”, critica a pesquisadora.

Ela também observa a baixa atuação da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), espaço de planejamento intersetorial do governo federal para a área. “Alguns programas deixaram de existir e outros ficaram com uma existência residual, após cortes drásticos no orçamento. É importante a recomposição do Consea, do orçamento para a área e do trabalho intersetorial e articulado entreos níveis de governo (municipal, estadual e federal), enfim, do fortalecimento da Política e Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional, para enfrentar o retrocesso que tivemos noaumento absurdo da fome, para que nos mantenhamos livres desse mal e na promoção da alimentação adequada e saudável para todos”.

Destaca como estratégico ainda as ações/programas públicos no acompanhamento pré-natal, incentivo ao aleitamento materno e orientação da alimentação adequada para os menores de 2 anos, transferência de renda para famílias vulneráveis e atualização do orçamento do Programa Nacional de Alimentação Escolar, assim como reforço de restaurantes populares, cozinhas comunitárias, bancos de alimentos, distribuição de cestas básicas e apoio à agricultura familiar.

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* Este conteúdo integra a série Eleições 2022: Escolha pelas Mulheres e pelas Crianças. Uma ação do Nós, Mulheres da Periferia, Alma Preta Jornalismo, Amazônia Real e Marco Zero Conteúdo, apoiada pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal

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