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Sem corredor de ônibus e com ciclovia de 1 m de largura, ponte Cordeiro-Casa Forte é alvo de denúncia ao MPPE

Maria Carolina Santos / 23/12/2025
A foto mostra dois lados muito diferentes de uma cidade separados por um rio: na frente, há uma área com casas pequenas e muito próximas umas das outras, feitas com materiais simples como telhas de metal, mostrando sinais de pobreza; ao fundo, do outro lado do rio, aparecem prédios altos e modernos, indicando uma região mais rica; entre os dois lados, há uma faixa de vegetação verde que acompanha o rio, marcando a divisão entre esses espaços urbanos tão contrastantes.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

A ponte que vai ligar o bairro do Cordeiro, na zona oeste do Recife, à Casa Forte, na zona norte, está ainda em fase de licitação, mas utiliza parâmetros de leis municipais de mais de dez anos atrás. Além disso, é mais uma ponte no Recife que privilegia o automóvel individual, em detrimento do transporte público, do pedestre e da bicicleta. No projeto da nova ponte, a ciclovia possui apenas um metro de largura. As denúncias são da Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife (Ameciclo) ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE).

A Ameciclo fez um amplo levantamento do projeto da ponte elaborado pela Autarquia de Urbanização do Recife (URB) para a elaboração de um parecer técnico e, depois, de representação junto ao MPPE. Nos documentos, a associação afirma que a prefeitura do Recife utiliza como base técnica para o projeto da ponte o Plano de Mobilidade do Recife de 2011 e o Plano Diretor de Transporte Urbano do Recife de 2008. Ambos os planos contam com versões mais recentes, atualizadas em 2021.

Uma ponte projetada para carros

As dimensões da estrutura do projeto da ponte Cordeiro-Casa Forte:

  • Ciclovia: 1 metro de largura.
  • Calçadas (Passeios): 1,2 metro de largura.

No sistema viário de apoio e requalificação das ruas do entorno, o projeto apresenta os seguintes perfis:

  • Infraestrutura cicloviária: Existem trechos unidirecionais com larguras de 1 m e 1,5 m. Na única ciclovia bidirecional prevista (Rua Souza Bandeira), a largura é de 2,5 m.
  • Calçadas nas ruas adjacentes: O padrão adotado em diversos trechos (como na avenida General San Martin e Rua Joaquim Alheiros) é de 2,12 m. Em locais com paradas de ônibus, essa largura de 2,12 m é considerada crítica, pois os abrigos ocupam 1,8 m, restando pouco espaço para a circulação.

Os parâmetros mínimos recomendados pelo Manual de Desenho de Ruas do Recife (MDR) para garantir a segurança e o conforto dos usuários:

  • Ciclovias: O MDR recomenda 2 m para unidirecionais e 3 m para bidirecionais, sempre acompanhados de um buffer de proteção de 1 m (inexistente no projeto atual).
  • Calçadas: Para áreas residenciais, o manual indica uma faixa livre de 2,4 m somada a uma faixa de serviço de 1,5 m (totalizando 3,90 m), enquanto áreas comerciais deveriam ter calçadas de até 7,1 m.

Mais espaço para automóveis

As faixas de rolamento para automóveis na ponte, no entanto, são superdimensionadas no projeto: variam de 3,2 a 3,3 m e chegam a 3,8 m em ruas do sistema viário da ponte, valores que excedem o limite de 3 m recomendado para vias urbanas.

Pelo projeto, as ciclovias apresentam diferentes perfis, incluindo trechos unidirecionais com larguras de 1m e 1,5 m, além de um trecho bidirecional de 2,5 m na rua Souza Bandeira. O desenho do sistema viário para a nova ponte revela ainda pontos de descontinuidade, como na avenida Professor Estevão Francisco da Costa, onde a ciclofaixa é interrompida para a instalação de vagas de estacionamento, e uma falta de conexão com a malha cicloviária já existente na região.

O sistema viário favorece os automóveis, trazendo faixas de rolagem mais largas do que está estabelecido no Manual de Desenho de Ruas do Recife (MDR), que recomenda larguras entre 2,70 m e 3,00 m para áreas urbanas. Na avenida Professor Estevão Francisco da Costa, por exemplo, a média das faixas é de até 3,80 m, valor 41% mais largo do que a normativa. Estudos apontam que quanto mais larga a faixa de rolagem, maior é a velocidade que os carros tendem a desenvolver e mais acidentes acontecem.

“A avenida General San Martin vai passar a ser de mão única, mas, apesar dessa mudança de fluxo, não há previsão para a instalação de ciclovias nem de faixas exclusivas para ônibus na via”, critica Daniel. “O documento da prefeitura começa justificando a ponte sob a necessidade de um novo corredor de transporte público, mas, quando você vai ver, não tem nada de transporte público lá no projeto, a não ser três paradas de ônibus. Não tem nenhum corredor exclusivo para transporte público”, denuncia.

O coordenador da Ameciclo ressalta ainda que a justificativa técnica para a ponte utiliza dados de tráfego de 2013. “No próprio estudo, a prefeitura admite que os níveis de serviço viário em avenidas importantes, como a Caxangá e a 17 de Agosto, irão piorar após a implementação da ponte”, afirma.

A imagem apresenta um corte transversal de uma avenida com 23,60 m de largura total, organizada para acomodar diferentes modos de transporte e circulação; nas extremidades há calçadas de 120 cm para pedestres, seguidas por ciclovias de 100 cm com faixas de proteção de 40 cm, depois vêm faixas de segurança e quatro pistas de tráfego misto para veículos, com larguras entre 320 e 330 cm, separadas por um canteiro central de 308 cm; o desenho também indica inclinações de 1,0%, 2,0% e 2,5% para drenagem, e inclui representações visuais de pessoas caminhando, ciclistas e automóveis, ilustrando como cada espaço é utilizado.

Com 380 metros de extensão e aproximadamente 11 metros de altura, a nova ponte, que será estaiada, deixa espaço mínimo para calçada e ciclovia.

Crédito: URB/Prefeitura do Recife

Orçada em mais de R$ 236 milhões, a futura ponte Cordeiro-Casa Forte é apresentada pelo prefeito João Campos (PSB) como um “feito histórico para o Recife”, mas, para a Ameciclo, viola as leis municipais de mobilidade. “Parece que não adianta a sociedade civil e o poder público desenvolverem planos como o Parque Capibaribe e o Recife 500 anos, passar um tempão projetando uma cidade bonita – que não é a que eu sonho, mas é a possível –, para na hora de construir chegar a URB e a prefeitura e tacarem carros em cima das pessoas, como uma ciclovia de 1 metro de largura. Deliberadamente, a URB e a CCTU (Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife) não seguem as próprias leis municipais do Recife”, avalia Daniel Valença.

MPPE marca audiência para janeiro

Outro ponto da denúncia ao MPPE é a falta de transparência e a exclusão da participação popular no projeto, como tem sido reportado em várias reportagens da Marco Zero. Daniel Valença ressalta que o Conselho da Cidade não foi consultado e que audiências públicas obrigatórias sobre o projeto não foram realizadas. Há também erros grosseiros na licença de instalação, que cita o bairro de Casa Amarela em vez de Santana.

O MPPE vai fazer uma audiência virtual no dia 9 de janeiro de 2026, às 10h, com a participação da Ameciclo e da Autarquia de Urbanização do Recife (URB). A Ameciclo também entrou com uma ação na Justiça contra a Prefeitura do Recife em que solicita o cancelamento ou o adiamento da licitação. A MZ questionou a URB sobre o motivo do projeto da ponte não seguir a legislação vigente, mas não obtivemos resposta até o fechamento desta reportagem.

Cinco pontos da denúncia entregue ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE):

1. Descumprimento de normas técnicas: o projeto subdimensiona as infraestruturas de mobilidade ativa, prevendo calçadas de 1,2 m e ciclovias de 1 m, valores que violam os parâmetros mínimos estabelecidos pelo Manual de Desenho de Ruas do Recife.

2. Ausência de corredores de ônibus: embora o título da licitação mencione a implantação de corredores exclusivos de ônibus, as peças técnicas do projeto não preveem tais estruturas, focando apenas no escoamento de veículos particulares sob a justificativa de “aliviar o trânsito”.

3. Priorização do transporte individual motorizado: a proposta privilegia o fluxo de automóveis com faixas de rolamento superdimensionadas, contrariando a Política Municipal de Mobilidade Urbana, que determina a prioridade para pedestres, ciclistas e do transporte público.

4. Falta de transparência e participação popular: o documento de representação ao MPPE aponta que o Conselho da Cidade do Recife não foi consultado, não houve nenhuma audiência pública prévia e a prefeitura do Recife omitiu-se em responder aos pedidos de acesso à informação realizados pela comunidade de Santana.

5. Impacto negativo sobre as comunidades: o projeto ameaça o território da comunidade de Santana, que vai ter suas ruas transformadas com a instalação do sistema viário da ponte. O parecer aponta também riscos de gentrificação e expulsão indireta dos moradores. Como outras reportagens da Marco Zero apontam, do outro lado da ponte a comunidade de Cocheira, no Cordeiro, vai ser praticamente toda expulsa.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org