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A ponte que vai ligar o bairro do Cordeiro, na zona oeste do Recife, à Casa Forte, na zona norte, está ainda em fase de licitação, mas utiliza parâmetros de leis municipais de mais de dez anos atrás. Além disso, é mais uma ponte no Recife que privilegia o automóvel individual, em detrimento do transporte público, do pedestre e da bicicleta. No projeto da nova ponte, a ciclovia possui apenas um metro de largura. As denúncias são da Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife (Ameciclo) ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
A Ameciclo fez um amplo levantamento do projeto da ponte elaborado pela Autarquia de Urbanização do Recife (URB) para a elaboração de um parecer técnico e, depois, de representação junto ao MPPE. Nos documentos, a associação afirma que a prefeitura do Recife utiliza como base técnica para o projeto da ponte o Plano de Mobilidade do Recife de 2011 e o Plano Diretor de Transporte Urbano do Recife de 2008. Ambos os planos contam com versões mais recentes, atualizadas em 2021.
As dimensões da estrutura do projeto da ponte Cordeiro-Casa Forte:
No sistema viário de apoio e requalificação das ruas do entorno, o projeto apresenta os seguintes perfis:
Os parâmetros mínimos recomendados pelo Manual de Desenho de Ruas do Recife (MDR) para garantir a segurança e o conforto dos usuários:
Mais espaço para automóveis
As faixas de rolamento para automóveis na ponte, no entanto, são superdimensionadas no projeto: variam de 3,2 a 3,3 m e chegam a 3,8 m em ruas do sistema viário da ponte, valores que excedem o limite de 3 m recomendado para vias urbanas.
Pelo projeto, as ciclovias apresentam diferentes perfis, incluindo trechos unidirecionais com larguras de 1m e 1,5 m, além de um trecho bidirecional de 2,5 m na rua Souza Bandeira. O desenho do sistema viário para a nova ponte revela ainda pontos de descontinuidade, como na avenida Professor Estevão Francisco da Costa, onde a ciclofaixa é interrompida para a instalação de vagas de estacionamento, e uma falta de conexão com a malha cicloviária já existente na região.
O sistema viário favorece os automóveis, trazendo faixas de rolagem mais largas do que está estabelecido no Manual de Desenho de Ruas do Recife (MDR), que recomenda larguras entre 2,70 m e 3,00 m para áreas urbanas. Na avenida Professor Estevão Francisco da Costa, por exemplo, a média das faixas é de até 3,80 m, valor 41% mais largo do que a normativa. Estudos apontam que quanto mais larga a faixa de rolagem, maior é a velocidade que os carros tendem a desenvolver e mais acidentes acontecem.
“A avenida General San Martin vai passar a ser de mão única, mas, apesar dessa mudança de fluxo, não há previsão para a instalação de ciclovias nem de faixas exclusivas para ônibus na via”, critica Daniel. “O documento da prefeitura começa justificando a ponte sob a necessidade de um novo corredor de transporte público, mas, quando você vai ver, não tem nada de transporte público lá no projeto, a não ser três paradas de ônibus. Não tem nenhum corredor exclusivo para transporte público”, denuncia.
O coordenador da Ameciclo ressalta ainda que a justificativa técnica para a ponte utiliza dados de tráfego de 2013. “No próprio estudo, a prefeitura admite que os níveis de serviço viário em avenidas importantes, como a Caxangá e a 17 de Agosto, irão piorar após a implementação da ponte”, afirma.
Com 380 metros de extensão e aproximadamente 11 metros de altura, a nova ponte, que será estaiada, deixa espaço mínimo para calçada e ciclovia.
Crédito: URB/Prefeitura do RecifeOrçada em mais de R$ 236 milhões, a futura ponte Cordeiro-Casa Forte é apresentada pelo prefeito João Campos (PSB) como um “feito histórico para o Recife”, mas, para a Ameciclo, viola as leis municipais de mobilidade. “Parece que não adianta a sociedade civil e o poder público desenvolverem planos como o Parque Capibaribe e o Recife 500 anos, passar um tempão projetando uma cidade bonita – que não é a que eu sonho, mas é a possível –, para na hora de construir chegar a URB e a prefeitura e tacarem carros em cima das pessoas, como uma ciclovia de 1 metro de largura. Deliberadamente, a URB e a CCTU (Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife) não seguem as próprias leis municipais do Recife”, avalia Daniel Valença.
Outro ponto da denúncia ao MPPE é a falta de transparência e a exclusão da participação popular no projeto, como tem sido reportado em várias reportagens da Marco Zero. Daniel Valença ressalta que o Conselho da Cidade não foi consultado e que audiências públicas obrigatórias sobre o projeto não foram realizadas. Há também erros grosseiros na licença de instalação, que cita o bairro de Casa Amarela em vez de Santana.
O MPPE vai fazer uma audiência virtual no dia 9 de janeiro de 2026, às 10h, com a participação da Ameciclo e da Autarquia de Urbanização do Recife (URB). A Ameciclo também entrou com uma ação na Justiça contra a Prefeitura do Recife em que solicita o cancelamento ou o adiamento da licitação. A MZ questionou a URB sobre o motivo do projeto da ponte não seguir a legislação vigente, mas não obtivemos resposta até o fechamento desta reportagem.
1. Descumprimento de normas técnicas: o projeto subdimensiona as infraestruturas de mobilidade ativa, prevendo calçadas de 1,2 m e ciclovias de 1 m, valores que violam os parâmetros mínimos estabelecidos pelo Manual de Desenho de Ruas do Recife.
2. Ausência de corredores de ônibus: embora o título da licitação mencione a implantação de corredores exclusivos de ônibus, as peças técnicas do projeto não preveem tais estruturas, focando apenas no escoamento de veículos particulares sob a justificativa de “aliviar o trânsito”.
3. Priorização do transporte individual motorizado: a proposta privilegia o fluxo de automóveis com faixas de rolamento superdimensionadas, contrariando a Política Municipal de Mobilidade Urbana, que determina a prioridade para pedestres, ciclistas e do transporte público.
4. Falta de transparência e participação popular: o documento de representação ao MPPE aponta que o Conselho da Cidade do Recife não foi consultado, não houve nenhuma audiência pública prévia e a prefeitura do Recife omitiu-se em responder aos pedidos de acesso à informação realizados pela comunidade de Santana.
5. Impacto negativo sobre as comunidades: o projeto ameaça o território da comunidade de Santana, que vai ter suas ruas transformadas com a instalação do sistema viário da ponte. O parecer aponta também riscos de gentrificação e expulsão indireta dos moradores. Como outras reportagens da Marco Zero apontam, do outro lado da ponte a comunidade de Cocheira, no Cordeiro, vai ser praticamente toda expulsa.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org