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Lara Leticia Morais (Republicanos), 24, é artesã e graduanda em medicina veterinária e tenta pela primeira vez uma vaga na Câmara de Lagoa dos Gatos.
Layane Lima*
Em 2020, o Brasil continua distante de uma realidade política em que o número de candidatas represente proporcionalmente a população de mulheres. A quantidade de candidaturas femininas na disputa para as eleições municipais ainda é baixa, apesar das mulheres serem a maioria, somando 52,49% do eleitorado, elas compõem apenas 33,6% do número de candidatos. De acordo com dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), este ano as eleições tiveram um recorde de mulheres candidatas no Brasil, mas a diferença ainda é grande. Do total de 537.999 candidaturas, 187.009 são de mulheres contra 370.359 de homens.
Com a mudança da legislação eleitoral, a instituição da cota por gênero e o fim das coligações, cada partido deverá, obrigatoriamente, indicar o mínimo de 30% e o máximo de 70% de candidaturas de cada sexo para concorrer nas eleições. Ao contrário do que muitos congressistas afirmam, o texto legal não define que o percentual mínimo de 30% seja exclusivamente para as mulheres. Mas, na prática, é isso o que acontece, com os homens ocupando a maioria das vagas para concorrer ao poder legislativo.
Os casos de fraudes pipocaram: basta lembrar das denúncias envolvendo o PSL de Minas e Pernambuco nas eleições de 2018, que lançaram “candidaturas laranjas” na intenção de ocultar o descumprimento do exigido pela lei, uma vez que os recursos supostamente destinados às mulheres eram repassados para candidatos homens.
Em Lagoa dos Gatos, a 132 quilômetros do Recife, os mandatos eletivos na prefeitura e na câmara municipal estão todos na mãos de homens. Prefeito, vice-prefeito e nove vereadores. As dificuldades de as mulheres acessarem esses espaços saltam aos olhos.
Em 2020, segundo dados do TSE, 33 homens e 21 mulheres concorrem a mandatos eletivos no município. Apesar do número relativamente expressivo de candidatas, elas não são vistas nas ruas nem nas redes sociais fazendo campanha. Assim, acende-se novamente o alerta para um possível uso das mulheres para reforçar candidaturas masculinas.
Mas, apesar de lento, o processo do protagonismo político feminino vem ganhando força. As mulheres também têm se destacado como líderes na organização de movimentos e luta pela conquista de direitos, embora reconheçam que muito ainda precisa ser feito. É preciso que mulheres incentivem cada vez mais outras mulheres a participar da política.
A candidata a prefeita pelo PCdoB Josemile Pontes De Menezes, 55 anos, é graduada em administração com especialização em gestão de pessoas e liderança. A necessidade de administrar pelo coletivo, diz, a levou para a disputa eleitoral.
Mile, como é conhecida, foi voluntária no Conselho da Criança e do Adolescente e também participou da criação do conselho tutelar em Lagoa dos Gatos, no ano de 2004. Fez parte da Câmara Setorial Temática (CST) da Mulher do Agreste, da Secretaria da Juventude e se tornou técnica em planejamento.
Para ela, o maior desafio político no município de Lagoa dos Gatos é fazer com que os homens — e mesmo outras mulheres — levem a sério as propostas femininas. “É muito complicado para uma mulher apresentar um projeto. A política ainda não é um espaço acolhedor para nós, precisamos votar cada vez mais em mulheres, precisamos de uma câmara mais representativa”.
Para incentivar a entrada de outras mulheres na política, ela traz propostas como a realização de cursos de formação para que possam participar dos espaços de poder e a oferta de subsídios às candidaturas femininas.
Lara Leticia Morais Torres (Republicanos), 24, é artesã e graduanda em medicina veterinária. Também está se candidatando ao cargo de vereadora — será sua primeira vez. As suas principais bandeiras envolvem as mulheres, crianças, turismo local, jovens, emprego e a criação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência Veterinária (SamuVet), além de serviços para crianças deficientes com a implementação da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).
Lara enxerga a inserção das mulheres na política do município como uma oportunidade para que outras também possam se inserir e quebrar barreiras existentes no município, como a falta de mulheres na câmara. “Esse paradigma foi quebrado há oito anos quando a primeira prefeita foi eleita em nossa cidade. Em 92 anos do município, apenas uma foi prefeita. Estamos lutando para que outras também sejam eleitas”.
Lara também é cordelista e termina a sua fala com um trecho do seu cordel. “Que a lei seja para todos, independente de status, que o povo aprenda a escolher melhor os seus candidatos, que o exemplo seja de casa, e que o voto não seja comprado”.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) permitiu em 2020 o uso dos nomes sociais por pessoas transexuais. Foram registradas 165 candidaturas, 135 se identificam com o gênero feminino e 30 com o gênero masculino — todos concorrem a cargos de vereadores. O partido com maior número de candidatos trans é o Partido dos Trabalhadores (PT), com 23 inscrições, seguido do PDT com 14 candidaturas inscritas e do PSB com 11 candidaturas. Os partidos DEM, PSDB, PSD e PC do B lançaram em torno de dez candidaturas cada um.
Pela primeira vez em Lagoa dos Gatos, uma mulher transexual está concorrendo ao mandato de vereadora. Júlia Paes da Silva (PSD), 27 anos, tenta a sua primeira candidatura em defesa da educação, da mulher e do público LGBTQI+. A candidata é técnica em segurança do trabalho, conferencista e ativista política. Apesar de ser minoria, Júlia aponta um novo cenário para o público LGBTQI+ no município.
A jovem é natural de Cupira (a 10 quilômetros de Lagoa dos Gatos), mas reside no município desde os oito anos. Em todo esse tempo, Julia tem observado a falta de propostas para a educação e a saúde no município, mas ela quer mais: políticas públicas em prol da população trans e da representatividade LGBTQI+.
Ela é a primeira transexual de Lagoa dos Gatos, isso torna a busca por direitos no município ainda mais difícil. O que mais incomoda Júlia é a falta de políticas públicas que levantem a bandeira da diversidade, o que reforça a vulnerabilidade na garantia de direitos. “Temos o processo transexualizador pelo SUS, é preciso fortalecer essa questão e ofertar Cirurgias de Redesignação Sexual (CRS), que é conhecida como mudança de sexo. Temos parceria com o Hospital das Clínicas no Recife, mas aqui em Lagoa dos Gatos ainda não temos um espaço especializado para trans, nem um ambulatório clinico ou psicológico”, desabafa.
Ao ser questionada sobre quais motivos a levaram para a disputa eleitoral, ela é direta: “pretendo me eleger nessas eleições com o intuito de solucionar problemas estruturais da nossa sociedade, como a violência contra a mulher, oportunidade de ensino superior para os jovens, políticas públicas aplicadas para as pessoas do campo e para a comunidade trans”. Júlia já possui experiência em gestão pública, ela fez parte do Conselho Municipal de Saúde, em 2018, e atualmente trabalha junto ao Conselho Municipal de Assistência Social. “É lá onde posso fiscalizar as ações dos nossos gestores municipais”.
A falta de políticas públicas que incentivem a inserção de pessoas LGBTQI+ no mercado de trabalho também é um problema, se tornou comum estas pessoas não conseguirem concluir os estudos por diversos fatores como a violência nas escolas, e a incompreensão e rejeição familiar, perdendo assim a oportunidade de uma especialização.
“Quero trazer propostas para o público trans que são mais vulneráveis no sentido de não ter uma educação especializada, quero ajudar na não desistência da escola, que na maioria das vezes é o caminho que os leva a prostituição. Eu defendo educação pública de qualidade, onde o jovem termine o ensino médio e possa ingressar em um ensino superior, tendo consigo a assistência estudantil”. Júlia ainda defende pautas para os moradores da zona rural do município. “Trago pautas como o auxílio emergencial para aquicultores, também para aqueles que dependem da agricultura familiar, quero trazer propostas para toda a comunidade”.
Em um país onde o tempo médio de vida de uma pessoa trans é de apenas 35 anos, enquanto a expectativa de vida da população em geral é de 75,5 anos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ser trans é um desafio, mas a luta por direitos iguais, por políticas públicas que representem uma comunidade LGBTQI+ fala mais alto. É preciso superar a falta de informação, e as barreiras que impedem o exercício pleno de direitos dos transexuais.
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* Especial produzido pela equipe de reportagem do Observatório da Vida Agreste (OVA), parceiro da Marco Zero Conteúdo, conta histórias e propostas de candidaturas de mulheres no interior de Pernambuco.
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