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Sigilo não é a solução

Marco Zero Conteúdo / 09/03/2023

Crédito: Hesídio Goes/SECOM

Por Maria Isabel Couto e Ana Maria Franca*

O ano mal começou e as notícias já são ruins para uma sociedade ávida por democracia e participação social. Após um longo período de políticas públicas pautadas pelo sigilo e pela falta de embasamento em evidências, foram eleitos novos governantes que, ao menos na campanha, sinalizaram sua preocupação com a transparência e o diálogo com a sociedade.

Eleita governadora em Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB) garantiu que transparência seria um ponto central do seu plano de governo, uma ferramenta essencial para garantir a participação social no controle do uso de recursos públicos. Na esfera da segurança pública, a promessa era da criação de um Observatório da Segurança Pública de Pernambuco, que aumentaria a disponibilidade de informações sobre esse tema. Mas nos primeiros dois meses de gestão, as ações do governo vão na contramão do que foi prometido.

A pasta da segurança foi pivô de duas polêmicas neste início de ano. Primeiro, a não publicação das estatísticas criminais do período do carnaval, prática utilizada pela gestão anterior. Depois, a determinação do sigilo de cinco anos para as informações sobre a distribuição dos efetivos da Polícia Militar no estado. Lamentavelmente, oposição e situação caminham juntas na falta de transparência: ainda que tenha sido eleita como oposição ao governo anterior, as duas medidas de Raquel Lyra podem ser consideradas alinhadas às práticas da última gestão, responsável por uma série de retrocessos na transparência sobre segurança pública, incluindo nove decretos de sigilo em oito anos.

As medidas decepcionaram aqueles que sonharam com a retomada do protagonismo do estado pernambucano nesse campo. Ainda na primeira década dos anos 2000, Pernambuco tornou-se referência nacional com o Pacto Pela Vida, conhecido pela divulgação de indicadores e pelo diálogo próximo entre governo, universidades e sociedade civil. Para pesquisadores de outros estados, o boletim diário de crimes violentos intencionais era uma meta a ser alcançada. No entanto, os avanços tiveram vida curta. De 2017 para cá, a tendência do governo estadual é ser pautado pela restrição: de estatísticas criminais por bairros, de informações detalhadas sobre as vítimas de homicídios, de informações sobre armas roubadas e furtadas, entre outros aspectos que embaçam a visão de uma boa política de segurança pública.

É verdade que o estado segue dentre aqueles que possuem os dados de homicídios de melhor qualidade. Segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2021, Pernambuco era o terceiro estado do país com a melhor qualidade do registro de mortes violentas intencionais, atrás apenas de Alagoas e Piauí. Mas cabe aqui perguntar: de que adianta ter dados excelentes, se a sociedade não tem acesso aos mesmos? A comparação entre a avaliação demonstrada no Anuário e os dados hoje divulgados pela Secretaria de Defesa Social de Pernambuco não deixam dúvidas: há capacidade técnica. O que falta é vontade política para compartilhar com a população o tamanho dos problemas e, desta forma, expor-se à pressão popular para aplicar os recursos públicos de forma profissional, eficiente e democrática.

Mas, se por um lado, ainda em 2023, os estados se esforçam para esconder informações importantes dos seus eleitores, por outro lado, há uma sociedade civil cansada da ineficiência e da corrupção que políticas públicas tratadas com sigilo ajudam a perpetuar. É com o intuito de tornar visível a todos o que os governos tentam esconder que surgiram iniciativas como o Instituto Fogo Cruzado, que mapeia episódios de disparos de arma de fogo em Pernambuco desde 2018 e publica os dados na íntegra para todos os cidadãos.

Foi assim, que em 2019, chamamos atenção para o inacreditável número de 8 tiroteios em presídios que resultaram em 21 pessoas baleadas. Em 2021, no auge da pandemia, registramos o número mais alto de pessoas baleadas em casa (247). E, em 2022, denunciamos a explosão de casos de balas perdidas (68): um claro indicador do descontrole da violência armada.

São estes alguns dos problemas que o governo tem para resolver. Se os últimos anos serviram de algum aprendizado, foi para evidenciar que a solução não se encontra no sigilo, mas sim na abertura dos dados e no trabalho conjunto com a sociedade. Cabe ao governo do estado fazer a sua parte: arregaçar as mangas e se abrir ao diálogo para construir uma gestão, de fato, transparente e democrática, guiada pelo compromisso com a preservação da vida.

* Maria Isabel Couto é diretora de dados e transparência do Instituto Fogo Cruzado
* Ana Maria Franca é coordenadora regional do Instituto Fogo Cruzado em PE

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