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Surfe muda a vida de crianças e mulheres em Maracaípe

Giovanna Carneiro / 18/08/2022
Mulher negra de costas, segurando prancha de surfe sob o braço direito, vestindo camiseta branca sem mangas e short amarelo entrando no mar agitado, com muita espuma. Ao lado dela, criança negra usando camiseta branca, que também caminha em direção ao mar.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Surfista profissional e natural da praia de Maracaípe, município de Ipojuca, Nuala Costa encontrou no esporte uma maneira de transformar aquilo que sempre foi motivo de preocupação e inquietude para ela: o contexto econômico e social das crianças e mulheres no território em que nasceu. “A ideia da TPM veio de um insight que eu tive dentro do mar em fazer algo pelas mulheres surfistas, pelas mulheres invisíveis, só que com o passar do tempo eu percebi que o problema é muito mais profundo, era algo social, não é algo que acontece só com surfistas, acontece com toda a comunidade periférica”.

A TPM, citada por Nuala, é a sigla do projeto Todas Para o Mar, criado em 2016 em parceria com outras mulheres do surfe e da sua comunidade.

Inicialmente pensado para aumentar a participação de meninas e mulheres negras no surfe, através do ensino do esporte, o Todas Para o Mar se expandiu até tornar-se uma organização não governamental que atende 68 crianças e adolescentes, entre 8 e 16 anos, moradoras de Maracaípe. Além das aulas de surfe, a entidade também realiza formações técnicas e educacionais em diversas áreas, que são ofertadas para os alunos, alunas e suas mães.

“As pessoas costumam ver Porto de Galinhas e Maracaípe como paraísos, mas é o paraíso para os turistas. Para as pessoas que moram aqui não é assim que funciona. Nossas crianças, e as pessoas no geral, não têm acesso à educação, à arte, à cultura, nem ao esporte. Então, a gente vê que começam a aparecer hotéis, pousadas, grandes empreendimentos onde os nativos não conseguem trabalho porque não têm uma educação de base, não têm uma base que possa fornecer um futuro onde eles possam escolher uma profissão, uma carreira”, pontuou Nuala.

A surfista afirmou ainda que essa falta de acesso acaba sendo responsável por “empurrar as crianças e a juventude para a criminalidade que não é uma escolha, mas sim a única opção”.

Apoio para as mães

Manicure e técnica de enfermagem, Cristiane Maria mora em Maracaípe há um ano e seis meses. Logo depois de chegar no novo endereço, encontrou na TPM um lugar de apoio para exercer uma maternidade mais participativa e afastar seu filho da criminalidade. “Eu queria tirar o meu filho da rua e não estava vendo uma oportunidade, porém, quando eu conheci Nuala e ela me explicou sobre o projeto eu coloquei os meus filhos na TPM e, hoje, ele é outra pessoa”, admitiu Cristiane, mãe de Alejandro, de 14 anos, e Paola, de 9, ambos no projeto.

Vizinho da manicure, Maria Daniele da Silva, que também é mãe de duas crianças, vive na comunidade há mais tempo. Ela contou que, antes do surgimento da TPM, as mães mantinham seus filhos dentro de casa sempre que possível, por temerem que eles “se envolvessem com coisas erradas”.

Daniele recorda que “os meninos eram todos jogado na rua, viviam todo mundo na rua, muitas mães preservavam os filhos dentro de casa. Com a TPM os meninos tiveram mais liberdade para sair e voltar e a gente sabe que eles estão em segurança, mudou não só a vida dos meus filhos mas da comunidade em geral”

As tais “coisas erradas” citadas por Daniele estão relacionadas à incidência do tráfico no município de Ipojuca.

De acordo com o relatório semestral do Instituto Fogo Cruzado, no primeiro semestre de 2022 houve um aumento de 47% no número de adolescentes assassinados por disparos de arma de fogo na Região Metropolitana do Recife, em comparação ao mesmo período de 2021.

Ainda de acordo com o levantamento, só no primeiro semestre de 2022, Ipojuca registrou 24 tiroteios e 22 mortes causadas por ferimentos a bala. A análise do relatório indica que “os crimes acontecem frequentemente por acertos de contas e disputas por áreas do tráfico de drogas”.

Para Nuala Costa, a participação da juventude no tráfico está diretamente ligada à falta de uma formação educacional de qualidade que deixa crianças e adolescentes sem opções profissionais. “O que a TPM faz é dar opções, eles (alunos e alunas do projeto) escolhem ser o que eles quiserem. Se tem alguma criança que quer ser jornalista, a gente vai correr atrás disso de algum jeito, a gente vai fazer cursos, oficinas, vai fazer com que aquela criança siga o que ela quer. Como a gente sabe que a educação de base, não só aqui em Ipojuca, mas também em Pernambuco e no Brasil, é desqualificada, a gente não pode exigir que as crianças almejem ir para a universidade, não são todos que conseguiriam ir, mas a gente vai conseguir com que eles façam cursos técnicos, se formem e sejam os melhores em qualquer área que escolham ser”, disse a surfista.

As atividades pedagógicas e formativas acontecem na sede da TPM. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

Além de ser um espaço de acolhimento afetivo para as crianças de Maracaípe, o projeto Todas Para o Mar desempenha um papel importante no preenchimento dessa lacuna educacional vivenciada pelos jovens moradores da praia. “Tem o surfe, tem o cinema, tem os cursos e tem a responsabilidade que o projeto busca desenvolver na criança”, relatou Cristiane Maria. “Os meninos tiveram mais liberdade para sair e voltar e a gente sabe que eles estão em segurança”, reforçou Daniele.

E não é apenas cuidando dos filhos que oTodas Para o Mar ajuda as mães de Maracaípe. Os cursos técnicos realizados pela ONG também são destinados às mães, que recebem certificação profissional para o mercado de trabalho. Além disso, a organização foi responsável por criar a primeira feira de artesanato da cidade, que acontece há cinco anos e gera renda para dezenas de artesãs. A TPM também foi responsável por reunir as marisqueiras de Maracaípe em um movimento de formação política junto com o Fórum de Suape e o Centro de Mulheres do Cabo.

“Quando se fala de empoderamento feminino é mulher gerando renda e criança sendo cuidada, então é isso que a gente tenta fazer, a gente empodera mulheres cuidando dos seus filhos e trazendo opções de trabalho, de formação e de inclusão social”, afirmou Nuala Costa.

Olhar para a infância

“Tia Nuala”, como a coordenadora da ONG é chamada carinhosamente pelas meninas e meninos, acredita que olhar com atenção, cuidado e carinho para as crianças é fundamental para a construção de uma sociedade mais justa.“Eu prefiro trabalhar com crianças porque não é desconstruir, é construir um cidadão sem todas essas amarras, todo esse machismo, esse preconceito, um cidadão livre que apoia o feminismo, é mais interessante fazer isso de pequeno, para que eles já cresçam com isso e a gente não precise desconstruir”, relatou a surfista.

Apesar de ter como mote inicial aumentar a participação de meninas e mulheres negras no surfe, atualmente a TPM conta com um grande número de alunos homens e Nuala explica o porquê: “A gente não pode falar de feminismo sem incluir os homens. O feminismo negro é o feminismo que inclue todas as pessoas, e como é que a gente vai dizer para os homens como a gente quer ser tratada, cuidada e como o patriarcado faz mal pra gente e pra eles, se a gente não inclui eles?”.

As aulas de surfe para as crianças acontecem todo sábado, na beira mar de Maracaípe. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

A pedagoga e geógrafa, Lígia Levy, é natural de São Paulo, mas mora em Maracaípe há 10 anos e atualmente é responsável pela organização pedagógica da TPM, ela está envolvida com a organização desde o início e conta que trabalhar com as crianças é desafiador, mas gratificante.

“As crianças quando chegam nos procurando elas falam muito do surfe, mas quando você faz um chamado para elas virem para um local fechado como a nossa sede, que não tem surfe, elas também aparecem, porque na verdade elas estão vindo não só pelo surfe, mas também pelo amor, pelo afeto”, afirmou a pedagoga.

A fim de criar uma relação de troca e responsabilidade com as crianças, Nuala e Lígia criaram o seguinte acordo: para participar das aulas de surfe tem que comparecer às aulas de formação pedagógica. “A gente apresenta para elas (crianças) uma nova oportunidade, o esporte, o mar, que é onde a gente se conecta, e com o esporte a gente mostra pra elas que é possível sim você realizar seus sonhos. Então, a gente estimula essa molecada que antes estava no ócio e apresenta para elas várias oportunidades”, explicou Ligia.

Ensinar a habilidade de sonhar e a responsabilidade necessária para alcançar esses sonhos é um trabalho difícil, longo e contínuo, principalmente quando ele é desenvolvido em um lugar onde não há acessos nem recursos, porém, as mulheres da TPM vem conseguindo, com muita persistência e coletividade. Agora, alunos e alunas que chegaram sem conhecimento sobre o surfe, já competem em campeonatos profissionais e conseguiram patrocinadores para suas carreiras no esporte.

Doações para manter a organização

Mesmo em atividade há quase sete anos, só há poucos meses a Todas Para o Mar foi regularizada como uma Organização Não Governamental. Também foi neste ano que a organização conseguiu o dinheiro necessário para alugar um espaço para executar as ações que, antes, aconteciam na praia. Agora, com a sede, as articuladoras da TPM esperam conseguir realizar mais oficinas, cursos e aulas de formação profissional para a juventude e para as mulheres de Maracaípe.

Além disso, a casa também possibilita um novo local de encontro e acolhimento para as crianças que já afirmam “adorar” o espaço, onde estão armazenados as pranchas de surfe e os materiais didáticos para as aulas. Com a nova sede também é possível fornecer refeições para os alunos e alunas da TPM, além de quartos para o descanso.

Todo o equipamento necessário para as aulas de surfe e também para as formações pedagógicas, além do aluguel e manutenção da sede, são fornecidos e sustentados através de doações, que podem ser feitas através do pix ou de transferência bancária.A TPM também firma parcerias para a realização de cursos e oficinas de diversas áreas. O contato com a ONG pode ser feito através do Whatsapp (81) 99548-6539.

Conta bancária para doações

Conta 403 (Cora)

ag 0001

cc 28405788

PIX para doações

(CNPJ): 47303293000140

Associação de Mulheres TPM Todas Para o Mar

Na imagem (da esquerda para a direita), Ligia Levy, Alyne Nunes e Nuala Costa, articuladoras da TPM. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

Esta reportagem foi produzida com apoio do Report for the World, uma iniciativa do The GroundTruth Project.

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AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.