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Uma questão de preconceito

Conteúdo homofóbico em prova de concurso para Médico da Família do Recife provocou anulação da questão

Giovanna Carneiro / 20/03/2024
Foto colorida de uma pessoa escrevendo ou desenhando em um caderno com uma caneta. A mão segura uma caneta azul e está escrevendo ou desenhando em um caderno branco. A pessoa está usando jeans azuis e está sentada. O ambiente parece ser uma sala de aula ou um espaço público, com mesas e cadeiras ao fundo. A iluminação é natural e brilhante, indicando que pode ser durante o dia. O foco principal da imagem está na mão, na caneta e no caderno, tornando o fundo ligeiramente desfocado.

Crédito: Freepik/@Dragana_Gordic

Após denúncias da comunidade médica e de participantes do concurso público para Médico de Família e Comunidade, a Secretaria de Saúde do Recife anulou uma questão da prova realizada no último domingo, 17 de março. De acordo com os médicos que participaram do processo seletivo, a questão 26 da prova reafirmava um estigma e reforçava o preconceito com a comunidade LGBTQIA+.

O quesito de múltipla escolha da prova questionado pelos médicos fazia a seguinte indagação: “O sarcoma de Kaposi (SK) constitui outro risco à saúde para pacientes gays. Embora associado à infecção pelo HIV, o SK parece advir da infecção por um herpesvírus distinto”.

Imagem da questão da prova onde se lê O sarcoma de Kaposi (SK) constitui outro risco à saúde para pacientes gays. Embora associado à infecção pelo HIV, o SK parece advir da infecção por um herpesvírus distinto, seguido de cinco alternativas de resposta, da letra A até a letra E.

Questão 26 da prova.

Crédito: Reprodução/Instagram

Na segunda-feira, 18 de março, a Associação Pernambucana de Medicina da Família e Comunidade e a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade emitiram uma nota de repúdio à questão, solicitando a anulação da mesma. No documento, as entidades de saúde explicaram porque a colocação presente na prova era equivocada e preconceituosa, argumentando que “colocar essa questão não avalia a competência do médico de família e comunidade para a abordagem da pessoa que vive com HIV. Na verdade, reafirma o estigma, reforça o preconceito e não corrobora com as boas práticas da especialidade, nem da Atenção Primária, muito menos do SUS” 

Depois de uma forte repercussão nas redes sociais, com postagens e comentários que afirmavam o viés homofóbico da questão, uma vez que reforçava uma relação entre a AIDS e homens gays, o Instituto Brasileiro de Apoio e Desenvolvimento Executivo (Ibade), responsável pela organização do concurso, resolveu anular a pergunta. Em uma nota de esclarecimento postada em seu site, o Ibade afirmou que “o conteúdo da mesma [questão 26] não está em concordância com os princípios de inclusão e respeito à diversidade que pautam o Instituto, que repudia quaisquer comportamentos preconceituosos contra a população LGBTQIA+”. 

Nota de repúdio da Associação Pernambucana de Medicina da Família e Comunidade e da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade

A Associação Pernambucana de Medicina de Família e Comunidade, assim como a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade e entidades médicas de todo o Brasil foram surpreendidas com uma questão da prova do concurso público da Prefeitura da Cidade do Recife para Médico de Família e Comunidade, que ocorreu no dia 17/03/2024.

O IBADE Instituto Brasileiro de Apoio e Desenvolvimento Executivo é o instituto responsável pelas provas, e, no dia de hoje, 18/03/2024, sendo que ao tentar acessar o espelho da prova, o mesmo não constava no site. A questão versava sobre o sarcoma de Kaposi (SK), uma doença oportunista, que durante a epidemia da AIDS na década de 80 estigmatizou milhões de pessoas, com a crença de que relações homoafetivas eram risco para a transmissão do vírus do HIV. 

O SK se tornou uma marca da discriminação, com pessoas deixadas jogadas em enfermarias, e a perseguição e intolerância contra homens gays se intensificou e culminou em muita luta do movimento LGBT pelos seus direitos à saúde.

Estamos no século 21, e não há mais base científica que sustente população de risco para o HIV ser homens que fazem sexo com homens. O HIV é uma infecção sexualmente transmissível (IST), e a prevenção combinada é a melhor técnica para evitar a doença, que consiste na utilização de várias abordagens com diversas técnicas, em variados níveis de atenção e atendendo às necessidades de saúde da população e as formas de transmissão do vírus.

Colocar essa questão não avalia a competência do médico de família e comunidade para a abordagem da pessoa que vive com HIV. Na verdade, reafirma o estigma, reforça o preconceito e não corrobora com as boas práticas da especialidade, nem da Atenção Primária, muito menos do SUS.

A Prefeitura do Recife, como instituição contratante da IBADE, deveria primar pelo perfil de MFC que quer para a rede da cidade. Essa gestão vem se destacando nas ações e programas que ampliam a cobertura da APS, com qualidade, universal, incluindo a PreP (profilaxia pré-exposição ao HIV) na rotina da APS, e nos surpreende ao deixar de exigir a formulação da prova por especialistas em MFC, alinhada aos princípios que a gestão tanto preza.

A APEMFC, com total apoio da SBMFC, solicita a ANULAÇÃO da questão, tendo a certeza de que o MFC deve combater a LGBTfobia e que não pode concordar que algo assim passe despercebido.

A Secretaria de Saúde do Recife também repudiou a questão presente no concurso e reconheceu que a pergunta “fez uma associação ultrapassada e estigmatizante entre a população LGBTQIA+ e a infecção por HIV”. O órgão afirmou ainda que notificou o IBADE e solicitou que a questão fosse anulada.

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.