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Crédito: Niedja Dias/Unicap
Projeto vencedor do desafio de inovação do Google revela estudo sobre (falta de) acessibilidade em sites jornalísticos e lança aplicativo de conteúdo de qualidade totalmente acessível
Como as pessoas cegas e com baixa visão consomem jornalismo? E como melhorar o acesso à informação de qualidade para um grupo que encontra sérias dificuldades para navegar em sites que não atendem a critérios básicos de acessibilidade previstos em lei e em protocolos internacionais ? Destas questões nasceu o projeto “Acessibilidade jornalística – um problema que ninguém vê”, que mergulhou em uma ampla pesquisa para entender o consumo e a oferta de notícias por esta população estimada em 6,5 milhões de pessoas no Brasil.
Os resultados do estudo coordenado pela Marco Zero Conteúdo e pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) foram utilizados não apenas para qualificar o debate sobre inclusão e diversidade no jornalismo, mas para criar o aplicativo Lume, que oferece conteúdo acessível e de qualidade produzido por nove organizações de jornalismo independente do Nordeste. Os resultados da pesquisa e o app estão sendo lançados nesta segunda-feira (11) como parte dos resultados de um projeto financiado pelo desafio de inovação do Google News Initiative (GNI), que premiou oito projetos brasileiros na sua edição do ano passado.
O projeto teve início em agosto de 2021 com a pesquisa que buscou entender como as pessoas cegas e de baixa visão se mantêm informadas e como os sites jornalísticos nacionais tratam a acessibilidade em suas páginas. “Em linhas gerais, os resultados indicam um nível muito baixo de conhecimento e de iniciativas por parte dos jornalistas sobre o tema, apesar de saberem da importância de ações que aumentem a inclusão no consumo de jornalismo sério e de interesse público em um cenário caótico de desinformação no qual o Brasil está mergulhado. Na outra ponta, há um grupo de pessoas que demonstra familiaridade com o universo digital mas têm dificuldades em encontrar informação de qualidade disponível de forma mais acessível”, resume Carolina Monteiro, coordenadora geral do projeto, diretora da Escola de Comunicação da Unicap e jornalista da Marco Zero.
Foram realizadas entrevistas em profundidade com 17 pessoas que apresentam diferentes níveis de cegueira ou baixa visão em várias regiões do Brasil e responderam sobre como se sentem em relação à inclusão e à representatividade nos conteúdos jornalísticos de sites e redes sociais, a relação com as fake news e a desinformação e também como lidam com este tipo de conteúdo. Em paralelo, um questionário online foi respondido por 53 organizações jornalísticas brasileiras para entender a relação dessas redações com os protocolos de acessibilidade e se esta forma de inclusão era uma questão para os veículos na hora de pensar, produzir e distribuir seus conteúdos.
De acordo com essa pesquisa, 71,7% dos jornalistas indicaram que têm pouco ou nenhum conhecimento sobre técnicas de acessibilidade para deficientes visuais e que este grupo não é destinatário de pautas e reportagens em 90,6% dos conteúdos produzidos. Somente 37,7% dos jornalistas que responderam aos formulários já contribuíram com reportagens adaptadas a pessoas cegas ou com baixa visão e quase a totalidade das organizações (98,1%) não contam com pessoas com este tipo de deficiência em suas equipes.
Ainda no âmbito da pesquisa, dois consultores cegos fizeram testes de acessibilidade nos sites das organizações que compõem o projeto – Marco Zero Conteúdo (www.marcozero.org), Olhos Jornalismo (https://olhosjornalismo.com.br/), Agência Saiba Mais (https://www.saibamais.jor.br), Agência Diadorim (https://www.adiadorim.org/), Newsletter Cajueira (cajueira.substack.com), Eco Nordeste (https://agenciaeconordeste.com.br/), Agência Retruco (https://www.retruco.com.br/), Revista Afirmativa (https://revistaafirmativa.com.br/) e Mídia Caeté (https://midiacaete.com.br/) e, também, nos 12 sites jornalísticos de maior audiência no Brasil, de acordo com o Digital News Report 2021, da Reuters Institute. O objetivo foi medir a acessibilidade desses sites e criar um ranking a partir dos resultados.
Para verificar os 21 endereços, o publicitário Michel Platini e a consultora em acessibilidade Bruna Alves utilizaram uma lista com 13 pontos indicados pela Cartilha de acessibilidade na web da W3C, organização internacional de padrões na internet. Os pontos foram divididos em níveis, do básico ao avançado. “Nenhum site sequer cumpriu com todos os critérios do nível básico”, aponta Michel. “Percebo esse estudo como algo interessante para evidenciar a falta de acessibilidade de maneira científica e aprofundada. A gente já sabia do problema há muito tempo, mas a pesquisa mostra dados que nos ajudaram a elaborar um diagnóstico. E também acredito que é um pontapé inicial para uma mudança de paradigma, para as redações perceberem que existe um público com deficiência visual. E é necessário, na hora de pensar na edição, pensar também em como alcançar esse público, seja com pautas, seja com descrição de imagens ou sites que rodem melhor leitor de tela”, analisa.
Os resultados de todo este trabalho de pesquisa foi aplicado na concepção do aplicativo Lume, que reúne notícias das nove organizações de mídia independente e nordestina que compõem o projeto. “O Lume vai servir de exemplo de que é possível ter os devidos requisitos de acessibilidade respeitados”, afirma Platini. Quando Bruna Alves acessou o aplicativo pela primeira vez, ficou emocionada. “Não existe nada parecido com o Lume. Ler uma notícia nele tem uma qualidade e facilidade enormes. O aplicativo ficou rápido, as imagens todas descritas, dá para curtir e compartilhar. Está muito inclusivo. Penso que as pessoas cegas e idosas, que não conseguem mexer muito em smartphone , vão poder usar e ler as reportagens também. É muito importante ter essa inclusão”, afirmou.
A ideia de pesquisar como é a inclusão de pessoas cegas e de baixa visão no consumo do jornalismo partiu da jornalista Mariana Clarissa, quando era aluna no Mestrado em Indústrias Criativas da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). “Entrei no curso com a ideia de criar um agregador de notícias. Queria fazer algo pensando em diversidade, mas focado em igualdade racial, porque sou negra. Mas quando me aprofundei vi que já havia vários veículos pautando a discussão racial”, conta. Foi no trabalho, em uma secretária estadual que atende pessoas com deficiência, que ela encontrou o tema do projeto. “São pessoas que não têm tanto acesso à informações de qualidade e não tem ninguém falando sobre isso”, lamenta.
No mestrado, com orientação dos professores Luíz Carlos Pinto e Anthony Lins, Mariana chegou a desenvolver um protótipo do que seria o Lume, mas foi o aporte do Google News Initiative que permitiu expandir a pesquisa e lançar o aplicativo no mundo. “Com esse edital do GNI, o projeto ganhou corpo, expertise e uma equipe muito forte e com muita bagagem para ´dar sustância´. Trabalhamos com uma rede de jornalistas e estamos trazendo diversidade para a comunicação e incentivando o jornalismo independente, que precisamos fortalecer. Quanto mais as ideias são compartilhadas, mais elas crescem rápido e se consolidam”, acredita.
Mais de 6,5 milhões de brasileiros e brasileiras são cegos ou têm baixa visão, de acordo com os dados do censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A região Nordeste concentra a maior porcentagem dessa população, com mais de 2,1 milhões de pessoas com essas deficiências, o que corresponde a 4,1% da população. É uma parcela grande de nordestinos e nordestinas com pouco acesso a conteúdo jornalístico sem entraves.
Para o professor e jornalista Luiz Carlos Pinto, que orientou Mariana Clarissa coordenou o núcleo de pesquisa do projeto Acessibilidade jornalística: um problema que ninguém vê, as pessoas cegas e com baixa visão efetivamente não são atendidas por conteúdo jornalístico de qualidade. “Tanto os grandes, quanto os médios e pequenos veículos falham em políticas internas e na implementação de mecanismos de acessibilidade. São 6,5 milhões de pessoas que são deixadas à margem. É uma porta aberta para a desinformação”, diz. Entre os principais problemas encontrados nos sites de jornalismo estão fotos, links e ícones sem descrição e pop-ups de propaganda e de alerta de cookies que atrapalham os aplicativos que leem telas. Na pesquisa, a maioria dos entrevistados usava o aplicativo nativo do sistema Android para conseguir usar o celular.
Um ponto importante evidenciado pelo estudo é como este grupo recebe facilmente notícias falsas. “O leitor nativo do Android funciona muito bem no WhatsApp, o que acaba sendo um dos aplicativos favoritos para a desinformação. Essas notícias falsas chegam geralmente por pessoas próximas, então tem um processo de recomendação e isso gera por exemplo, a adesão a determinadas ideias e posicionamentos políticos, com base em processos de desinformação . Tentativas de golpes com informações enganosas que chegam via whatsapp também são queixas frequentes entre a população cega e de baixa visão”, alerta Luiz. Para o pesquisador, o aplicativo Lume é uma contribuição para um problema complexo. “Há falta de políticas internas nas empresas jornalísticas, falta de conhecimento técnico e de recursos para implementação de tecnologia. O Lume não resolve o problema de inclusão, que atinge outras políticas também, como a falta de diversidade dentro das redações, mas é um passo a mais na acessibilidade”, afirma.
A idealizadora Mariana Clarissa complementa que o aplicativo ajuda no combate à desinformação também ao fortalecer um hábito de leitura mais profundo. “As reportagens na curadoria do Lume são de veículos que trazem conteúdos mais estruturados, com muitas fontes, com personagens que nem sempre são ouvidos no jornalismo tradicional. Acredito que a leitura dessas reportagens vai oferecer uma visão e um senso crítico maiores, ampliando a consciência política e social”.
Um dos aspectos apontados na pesquisa para a não implementação de políticas de acessibilidade nas redações é a falta de recursos financeiros para programas de treinamento de equipes que elaborem e desenvolvam conteúdos acessíveis e a infraestrutura necessária. Para o coordenador de design e desenvolvimento do projeto, o professor da Unicap Anthony Lins, a acessibilidade é uma questão que pode ser resolvida sem tantos custos em softwares. “O custo é mais no tempo de trabalho que as informações têm que ser descritas. E do interesse do grupo jornalístico em ter essa acessibilidade”, afirma.
Anthony Lins foi responsável também pelo protótipo do aplicativo Lume, ainda no Mestrado. Por enquanto, o Lume está sendo alimentado com reportagens pela própria equipe de desenvolvimento. Em breve, as equipes dos nove veículos que fazem parte do programa irão receber treinamento para alimentar o aplicativo com notícias e reportagens, todos com acessibilidade para pessoas com deficiência visual.
O projeto “Acessibilidade jornalística – um problema que ninguém vê” segue até agosto deste ano. Até lá, ainda serão entregues um manual de boas práticas de acessibilidade para ser usado pelas redações jornalísticas e uma ferramenta online automatizada que vai analisar os níveis de acessibilidade dos sites. É uma espécie de automação do trabalho de conferência do checklist com 13 pontos que Michel e Bruna realizaram na pesquisa. “Assim, as redações poderão entender como podem adaptar os seus sites a partir da análise da ferramenta. Vamos colocar graus de acessibilidade e indicar o que é necessário para melhorar, para facilitar também a vida de quem faz a atualização das páginas”.
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