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A imagem mostra José Múcio Monteiro, homem idoso, branco, usando paletó cinza e gravata bordô. Ele está sentado e aparentemente falando ou apresentando algo para um público. ambiente parece ser interno e bastante formal, com iluminação artificial. Há outras pessoas desfocadas no primeiro plano da imagem, indicando que ele pode estar se dirigindo a uma audiência ou grupo. O fundo é azul escuro com elementos gráficos iluminados.

Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Zé Múcio, de filho de usineiro a ministro de Lula em 50 anos de política

Ministro da Defesa é um raro exemplo de pessoa que é amigo de Lula, dos generais e dos bolsonaristas

Jorge Cavalcanti / 09/05/2024

Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

“Eu quero agradecer a meu amigo Meira. Antes de ser deputado, nós somos amigos. Ele tem uma dedicação em facilitar as coisas em Brasília”, disse o ministro da Defesa, José Múcio, referindo-se ao deputado federal Coronel Meira (PL).

A declaração foi dada no dia 15 de abril, na ocasião da visita de uma comitiva de autoridades às futuras instalações da Escola de Sargento do Exército, no município de Araçoiaba, no Grande Recife. Dez dias depois, o deputado bolsonarista elogiado pelo ministro do governo Lula pediu, em sessão na Câmara, a saída da ministra Nísia Trindade da Saúde.

O exemplo acima ilustra um pouco a forma do ministro atuar politicamente. Um jeito que parece que tem dado certo. José Múcio Monteiro, 75 anos, é hoje o político pernambucano mais longevo em atividade. Quase meio século no jogo! Traçar um perfil político de Zé Múcio, como é chamado por quase todos, e apenas Zé para os mais próximos, é recontar um pedaço da história de Pernambuco.

O fato é que esse engenheiro civil, ao longo do tempo, transitou no alto de um espectro a outro da política de uma forma, talvez, sem precedentes. Ele surge como o mais velho de seis meninos, de família tradicional do setor sucroalcooleiro. Foi como filiado ao Partido Democrático Social (PDS), sucessor da Aliança Renovadora Nacional (Arena), legenda que deu suporte político ao regime militar, que sua trajetória teve início. E, 49 anos depois, é hoje ministro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reconhecido internacionalmente como a maior liderança de esquerda na América Latina.

Na vida pública, Zé Múcio foi quase tudo o que quis, mas começou de forma modesta para quem nasceu tão bem posicionado na desigualdade das relações sociais. Em 1975, assumiu como vice-prefeito de Rio Formoso, município da Mata Sul pernambucana. A família, além de rica, era influente politicamente. Seu tio Armando Monteiro Filho foi deputado e ministro da Agricultura no governo João Goulart em 1961 e 1962.

Em 1982, Zé Múcio foi eleito prefeito da cidade, mas nem assumiu. Preferiu a presidência da Celpe e, em seguida, a secretaria de Transporte no governo de Roberto Magalhães. Para quem ainda tinha muita estrada à frente e o que hoje pode se chamar de network, havia chegado o momento do jovem de trinta e poucos anos estadualizar seu nome.

Quatro anos depois, Zé Múcio disputaria pelo PFL a eleição que mudaria, em definitivo, sua trajetória política. Concorreu para o governo de Pernambuco contra, nada mais nada menos, Miguel Arraes. Àquela altura, Arraes já era gigante. Havia sido eleito governador de Pernambuco em 1962, deposto pela ditadura. Viveu o exílio para retornar ao Palácio do Campo das Princesas pela “porta que saiu”, como cantou o poeta Zeto do Pajeú. Aquela campanha também ficou marcada pelos jingles “ele tá voltando” e “Arraes tá aí”.

Mas o que danado fez José Múcio encarar uma disputa para a qual a derrota era inevitável? “Em matéria publicada pela Folha de S. Paulo, o jornalista Clóvis Rossi explica as razões da postura otimista de Monteiro: sua família é dona de um terço das 44 usinas de açúcar do estado, e são as usinas a locomotiva que responde por 20% de tudo que Pernambuco arrecada em ICMS e por 70% das exportações estaduais”, resgata a jornalista Tereza Rozowykwiat, no livro Arraes.

Para além das condições que lhe permitiriam estruturar uma campanha do litoral ao sertão, Múcio também vislumbrava ali a oportunidade de, mesmo derrotado, crescer politicamente. Os anos seguintes mostrariam que ele tinha razão. Em 1990 o pernambucano se elegeu deputado federal e, desde então, nunca mais deixou Brasília.

O novo e o velho no debate da Globo

Aquela disputa para o governo do Estado de 1986 foi peculiar: o “novo” era um sertanejo de 69 anos, chamado de “comunista” pelos adversários, e defendido pelos aliados com o slogan “a esperança está de volta”; o “velho” era simbolicamente personificado por um jovem de 38 anos, filho de usineiro, bem articulado, que viria depois a ser descrito por políticos e colegas como “sedutor”.

O debate da TV Globo entre José Múcio e Miguel Arraes foi mediado pelo jornalista Francisco José e transmitido ainda em preto e branco. Já próximo do fim do programa, a produção da emissora fez uma pergunta que deveria ser respondida pelos dois candidatos: caso fosse eleito, o que o senhor irá fazer em relação aos canavieiros que estão há dias acampados na frente do palácio do Governo?

A foto em preto e branco é de um ato da campanha eleitoral de 1986, com José Múcio Monteiro no centro da imagem imagem. Ele está cercado de muitas pessoas segurando várias bandeiras e cartazes no ar. O cenário é ao ar livre com árvores visíveis ao fundo. Uma igreja católica é visível no plano de fundo, possivelmente indicando um local urbano ou central para o evento. A multidão parece estar focada em um ponto central, sugerindo a presença de um orador ou foco principal fora da vista da câmera.

Múcio aceitou disputar com Arraes para projetar seu nome

Crédito: desconhecido

Pelo sorteio, Zé Múcio respondeu primeiro. Disse que iria à praça abrir um canal de negociação e pedir que os trabalhadores desocupassem o local. Para quem o questionamento soava incômodo por conta da pecha de usineiro, a resposta não poderia ser melhor. Com respeito e distante do autoritarismo. A posição de Arraes, porém, foi mais enfática, ao dizer que, no governo dele, os canavieiros nem estariam acampados na praça.

Aqui importa menos a resposta de Arraes e mais a forma de atuar de Zé Múcio impressa naquele recado: evitar o conflito e sentar à mesa e conversar, conversar, conversar… Há quem diga que a explicação estaria na astrologia. O ministro nasceu no dia 25 de setembro, é de Libra, a sétima casa do zodíaco, cujo ícone é a balança. Este repórter foi pesquisar e viu que indivíduos desse signo têm talento especial para manter a paz e focar em soluções conciliatórias. Gentileza e diplomacia são traços de personalidade dos librianos.

Para quem a derrota era certa, Zé Múcio não fez feio nas urnas em 1986. Como representante da direita, garantiu pouco mais de um milhão de votos, enquanto Arraes retornava ao Palácio com 61% da votação válida, com mais de um milhão e meio de sufrágios.

A invenção do PFL para esquecer a ditadura

Um grupo de lideranças dissidentes decidiu relegar ao passado o PDS e fundar, em 1985, o PFL, o Partido da Frente Liberal. A legenda apoiava a eleição indireta de Tancredo Neves à presidência da República, após 21 anos de regime militar. Com a morte de Tancredo e a posse de José Sarney, então vice do mineiro, como o primeiro presidente da redemocratização do Brasil, o partido fez parte do governo.

Na década de 1990, o PFL era uma das bancadas mais fortes do Congresso. José Múcio presidiu nacionalmente a legenda entre 1992 e 93 e, durante todo o tempo que esteve na Câmara, foi vice-líder do “pefelê” e do bloco partidário que a legenda fez parte como base de apoio aos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Os anos de convivência no Congresso somados à capacidade de ouvir, negociar e ser um bom contador de histórias e causos fizeram de Zé Múcio alguém que todo governante gostaria de ter ao lado. “Dizem que o doutor Roberto Magalhães, de quem ele (Múcio) foi secretário, chegou a dizer: gosto de Zé Múcio porque a gente conta uma história e, quando ele vai passar adiante, a história fica muito melhor”, conta um político pernambucano.

Com Lula e o PTB de Roberto Jefferson

O ano era 2003, início de um momento histórico não só pela virada do século, mas também pelo contexto que vivia o Brasil. Além de se filiar ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), naquele ano Zé Múcio foi promovido pelo recém-empossado presidente Lula a Grande-Oficial da Ordem do Mérito Militar. O pernambucano já fazia parte daquele seleto grupo, mas apenas como comendador especial, inserido em 1993 pelo então presidente Itamar Franco. Só agora, porém, ele chegaria ao grau máximo.

Pelas mãos do presidente Lula, seis anos depois, Zé Múcio entraria num grupo ainda mais restrito e cobiçado: o Tribunal de Contas da União (TCU), objeto de desejo da classe política como plano ideal de aposentadoria da vida pública.

Foto de Lula e José Múcio conversando em pé, em um ambiente formal. Lula é um homem de estatura baixa, calvo, de barba branca, usando paletó cinza escuro, camisa clara e gravata rosa claro. Ele está de perfil e parece estar escutando José Múcio, que usa paletó bege, camisa branca e gravata amarela. Ambos foram fotografados da cintura para cima.

Relação com Lula começou em 2003, e, em 2009, o presidente o indicou para o TCU

Crédito: Fábio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Entre a filiação ao PTB e a posse como ministro do TCU em 2009, porém, um fato abalou Brasília e pôs o governo à prova. O escândalo do mensalão, como ficou conhecida a bomba detonada por Roberto Jefferson, deputado federal pelo PTB de São Paulo e presidente nacional do partido, que ameaçou chamuscar Zé Múcio, líder da sigla na Câmara.

Em junho de 2005, o pernambucano prestou depoimento ao Conselho de Ética da Casa. Negou a versão de Jefferson de que a bancada teria discutido e rejeitado a proposta de pagamentos periódicos em troca de apoio. E disse ter ouvido falar de “mensalão” pela primeira vez no início de 2004, numa conversa entre o próprio Jefferson e o deputado Miro Teixeira (RJ). “À medida que o tempo foi passando, os comentários sobre o mensalão começaram a reverberar com mais freqüência”, disse ele.

O tempo passou, Jefferson caiu em desgraça. Teve o mandato cassado por decisão da maioria da Câmara, foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal por corrupção passiva e lavagem de dinheiro e preso em 2012. Seguiu sendo perigoso, já em liberdade. A uma semana do segundo turno da eleição presidencial de 2022, disparou contra policiais federais com tiros de fuzil e granada. Por isso, voltou à cadeia.

Já os pernambucanos Lula e Zé Múcio sobreviveram ao explosivo Jefferson. O primeiro conseguiu ser reeleito em 2006 e, um ano depois, decidiu nomear Múcio ministro das Relações Institucionais. Além de lidar com deputados no Congresso, o ex-vice-prefeito de Rio Formoso passou a ser também um conselheiro presidencial.

Foi essa relação política testada em momentos de crise e bonança que motivou o novo convite do presidente, desta vez para o Ministério da Defesa num momento singular da política brasileira. Múcio, que havia deixado o TCU antes da compulsória em dezembro de 2020, depois de 11 anos como conselheiro, não soube dizer não ao amigo.

AUTOR
Foto Jorge Cavalcanti
Jorge Cavalcanti

Com 19 anos de atuação profissional, tem especial interesse na política e em narrativas de defesa e promoção dos direitos humanos e segurança cidadã.