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Entrevista | Dani Portela: “O estado não pode ser um balcão de negócios”

Maria Carolina Santos / 21/09/2018

Dani Portela está se candidatando pela primeira vez. Foto: Inês Campelo/Marco Zero Conteúdo

adalgisasaberturaA candidatura de Dani Portela ao governo de Pernambuco pelo PSol teve um início conturbado. Parte do partido queria que o vereador Ivan Moraes concorresse ao cargo. Outra parte, ligada ao deputado Edilson Silva, apoiou o nome de Dani, que nunca havia disputado uma eleição. A candidatura dela foi apresentada como um marco: pela primeira vez Pernambuco teria uma chapa totalmente feminina, com governadora, vice (Gerlane Simões, do PCB) e duas senadoras (Eugênia Lima e Albanise). Ivan, um nome em ascendência na politica pernambucana, se retirou da disputa e apoiou a chapa feminina e feminista, concorrendo agora para a Câmara Federal.

Advogada, com mestrado em História, Dani Portela é a mulher concorrendo ao governo que deve contar com mais recursos financeiros, ainda que muito aquém dos principais candidatos homens. Até agora, recebeu R$ 60.280 do fundo eleitoral. O TSE não registra ainda nenhuma doação para a candidata.

Confira aqui o plano de governo de Dani Portela

Apesar de o começo da campanha ter sido marcado por um forte componente de gênero, Dani Portela reclama de ser sempre questionada sobre os mesmos temas em entrevistas. “É uma candidatura de gênero, mas que não impede de se discutir todas as propostas. Sempre me perguntam sobre violência contra a mulher, sobre aborto, sobre feminicídio. É como se eu, por ser mulher, não pudesse falar de outro assunto. Posso e quero falar também sobre orçamento, tributação, sobre reforma administrativa”, diz.

Dani vê a chapa que encabeça como uma resistência e uma mudança. “São duas mulheres negras em um estado misógino, machista e LGBTfóbico. Em um estado em que a gente olha para os políticos e parece que para ser político precisasse ter alguma coisa no sangue, no DNA. É quase uma monarquia, é hereditariedade. Ninguém quer sair. E quando se fala em renovação, alternância de poder, é alternância só de pai para filho, avô para neta”, denuncia.

Com uma flor na cabeça, marca registrada nesta sua campanha, Dani Portela recebeu a Marco Zero no comitê conjunto da coligação Psol/PCB, em um belo casarão na Praça do Derby. Por mais de uma hora, Dani falou com desenvoltura sobre vários temas – do ICMS às políticas para deficientes – e só hesitou ao responder com números exatos. “Vou pedir para minha assessora confirmar. Não quero cair no Truco”, brincou, citando o projeto de checagem da qual a Marco Zero é parceira.

O projeto Adalgisas, da Marco Zero Conteúdo, entrevistou as três mulheres candidatas ao Governo do Estado.
Confira as propostas delas:
Ana Patrícia Alves (PCO)
Dani Portela (Psol)
Simone Fontana (PSTU)

Projeto de governo

Começamos a partir de março a pensar em um programa. “E se a gente governasse Pernambuco”, que virou um dos slogans da campanha. Mas não é um “se” de possibilidade remota, de sonho. É de colocando no espaço da construção, indagando o que as pessoas querem, uma construção que pode ser real. Fizemos muitas reuniões programáticas, por temas, primeiro para dividir e depois somar. As propostas não são estanques. Um das nossas bandeiras é a interiorização dessas discussões. Hoje o Psol tem representação em 50 municípios. Nossa primeira reunião foi em Garanhuns, discutindo LGBTQI+. Um dos princípios do estado que a gente quer é um política com dois elementos basilares: alternância de poder e a representação das identidades. “Nada sobre nós sem nós” (outro slogan da campanha): que a primeira voz a ser ouvida, a ter fala, seja de cada representatividade.

Esquerda X Direita

Estamos passando por uma das maiores crises dos últimos 30 anos. Uma onda de retrocessos, com a PEC dos Gastos, que congela os gastos públicos por 20 anos. Com dois anos já sentimos o impacto, imagina com 20! Isso vai ter uma repercussão muito grande. Precisamos deixar isso claro para as pessoas. O grande desafio da esquerda hoje é dialogar, a gente perdeu a capacidade de diálogo. E com essa distância de direita e esquerda, a gente perde a capacidade de dialogar. E diante dessa falta de esperança é que a figura de um Bolsonaro tem crescido. Em cima do ódio, da desinformação, do revanchismo, sem nenhuma proposta. O pior não é ele fazer isso, é saber que mesmo que esse projeto não saia vitorioso em 2018, é saber que os eleitores que ele conquistou talvez sejam dele, e tem uma parcela muito grande da nossa população, principalmente no interior.

Jovens negros do interior estão identificados com esse projeto. No que ele se vê incluído em um projeto que é tão excludente? Como ele não se percebe excluído? Quando você olha o crescimento de movimentos totalitários, eles sempre aparecem em momento de grandes crises, uma crise econômica, de emprego – temos 81 mil jovens entre 15 e 17 anos que estão fora da escola, fora do trabalho. Não tem uma política de esporte e lazer que absorve. Tem uma parcela ociosa meio sem entender qual o caminho. Políticas salvacionistas acabam seduzindo. E essa coisa da impunidade…Ele (Bolsonaro) mexe com nossos sentimentos mais profundos. É apelativo, que mexe com o senso comum, mas não dialoga com a razão. Não traz dados, não traz elementos, não argumenta. Traz muito sentimento. E esse da impunidade aqui em Pernambuco é forte. É a coisa da vingança, da violência se resolver com violência. Como se a gente já não tivesse uma das maiores populações carcerárias do mundo…muitos debates sobre segurança só fala em mais prisão, mais polícia, mais lei. A gente precisa é de mais justiça social. Atacar na outra ponta. O Brasil não investe em prevenção.

Reforma administrativa

Precisamos de uma reforma administrativa ampla, que passa pelo enxugamento das secretarias. Acredito que o estado está hipertrofiado, mas quando eu falo enxugar, falo enxugar em secretarias e cargos comissionados. Eu sempre falo que o tamanho do palanque é o tamanho do governo. Você vê um prefeito que apoia uma eleição vai receber uma pasta. Quanto mais sigla tiver, mais cargos. Existe até uma secretaria específica para desenvolvimento, são 11 cargos dentro dessa secretaria – não lembro direito se são 11, só para não cair no Truco – e aí você tem outra secretaria para meio ambiente e sustentabilidade. Como você pode falar em desenvolvimento que não é sustentável? Aí você cria outra secretaria, e um monte de cargo. Quando você vai ver o orçamento para os projetos da pasta são menores que a folha. Uma incongruência. Eu proponho diminuir a quantidade de secretarias e cargos comissionados. Para investir na qualificação do funcionário público, no plano de cargos e carreiras, para que a gente tenha condição de fazer concursos públicos.

Uma crítica que eu também faço é a lei de responsabilidade fiscal. Você limita a 60% o gasto com pessoal, mas o artigo nono até hoje não foi discutido: Não há limite para endividamento. Não há limites para pagamento de juros. Uma reforma administrativa tem que ser para que o estado seja maior onde ele deve ser: nas políticas públicas, para investimentos e na área social.

Tributação

A gente propõe uma auditoria fiscal séria. Hoje o passivo da dívida em Pernambuco está em torno de R$ 15 bilhões. A gente arrecada 0, 07% (desse valor). Não é nem 1% do que se deve. Então sonegar em Pernambuco é um grande negócio. Imagina esse dinheiro todo investido em políticas sociais: geração de emprego e renda, saúde, educação. Nós temos que apostar em dois eixos: reforçar a Secretaria da Fazenda para que eles trabalhem com mais autonomia. Quem sonega não é o consumidor. O principal imposto sonegado é o ICMS e é sonegado por grandes empresas, cartéis. E outra coisa é uma parceria com o judiciário. Hoje uma execução judicial leva anos e anos e anos. A empresa declara falência, abre outra e você não consegue reaver. Temos que entrar nisso com mais seriedade.  E acabar de fazer do estado um balcão de negócios. Hoje até na saúde, para uma marcação de exame ou de consulta, você precisa de uma indicação, que muitas vezes sai dos gabinetes dos políticas.

Incentivos fiscais

A política do incentivo fiscal precisa ser vista com muito cuidado. A gente tem essa política desde 1991. Em 27 anos o que essa política gerou? Gerou renda, emprego? A gente precisa rever essa política de isenção e desoneração não pode ser só para os amigos do rei. A gente está candidatando a um estado da federação, mas é necessário falar sobre uma revisão do pacto federativo. O Brasil é um dos países com a maior carga tributária do mundo. Então, arrecada. Só que essa arrecadação não é distribuída entre os entes federativos. A União fica com a maior fatia, com o bolo quase inteiro. É muito desigual. A principal fonte de arrecadação dos estados é o ICMS e o IPVA, que são impostos estaduais,. Então toda isenção e desoneração tem um peso muito grande para o estado. Então a contrapartida (das empresas) é muito importante. Como ter justiça social investindo só nas grandes empresas. A isenção tem que dar uma contrapartida que leve à diminuição do abismo social que existe no Brasil, tem que ir para produtos de cesta básica, por exemplo. Com a Copa, Pernambuco virou um canteiro de obras, com grandes isenções, de até 20 anos, e o que fica depois?

Cotas para mulheres na política

No momento em que há a cota de 30% (para candidaturas e fundos eleitoral e partidário),  os partidos ficam desesperados por mulheres para cumprir a cota, porque é difícil para as mulheres ocuparem esses espaços. Não porque elas não se entendem como atuantes politicamente, mas porque a sobrecarga na sociedade é muito grande nas nossas costas. Trabalhamos mais, ganhamos menos. A mulher é quem geralmente é responsável pelo cuidado da casa, da família e lançar-se na esfera política é um desafio muito grande. Tenho escutado isso de muitas mulheres nesta campanha. E não só das que vem de uma posição mais feminista e politizada. Quando uma mulher sobe, ela puxa a outra. Esse sentimento é coletivo. O Psol vem desconstruindo o machismo dentro do partido, mas escutei coisas como “é uma candidatura feminista, então só vai falar de gênero? Gênero é uma questão superada, temos que discutir classe”. Como se a gente pudesse fazer algum recorte de classe sem a gente entender que tem que fazer recortes de identidade, que foram historicamente inviabilizadas. Nossos corpos são corpos políticos e eles precisam ocupar os espaços públicos.

Liberação das drogas

É uma pauta do partido.  A gente não esconde e não vamos colocar as pautas da gente no armário durante a campanha. São pautas que representam não só o escopo ideológico ou partidário, mas é uma pauta urgente: as pessoas estão morrendo. A guerra às drogas tem matado mais que as próprias drogas. A questão das drogas tem que ser tratada como política pública, tem que se tirar a cortina do moralismo, do eleitoreiro e do eleitoral. Não temos vergonha de dizer que apoiamos a liberação da maconha. Não existe ainda um consenso sobre a liberação de todas as drogas. O consenso está em relação à maconha, seja uso terapêutico, medicinal ou recreativo. É bem clichê falar isso, mas o maior índice de doenças vem por substâncias legais, como álcool e tabaco. Criminalizar a maconha é se impor uma guerra, a suposta guerra às drogas, que vem matando muito, causando extermínio de uma população jovem, negra, periférica. A Polícia Militar do Brasil é a que mais mata e que mais morre. Na PM  são pretos batendo em pretos. Há mais encarceramento: 40% dos presos são presos provisórios, que nem foram julgados ainda. Em qualquer presídio a maioria é de homens jovens e negros. Nos presídios femininos, a maioria é porque se envolveu com o tráfico. O sistema escolhe a quem punir, escolhe uma classe, uma cor, um estrato da sociedade, marginalizando gerações, que estão sendo aniquiladas. É preciso discutir redução de drogas, sem colocar as drogas como caso de polícia.

Pessoas com deficiência

É preciso ampliar a forma como se pensa acessibilidade nos órgãos públicos. Quando a gente fala de acessibilidade, pensa logo em tirar as barreiras arquitetônicas. Mas como é para um mulher surda que tem que denunciar um crime em uma delegacia? O vereador Ivan Moraes faz um trabalho muito bonito de inclusão na Câmara, e inclusive os pronunciamentos todos dele têm tradutor de libras.

Moradia 

É preciso de fazer uma democratização dos meios para que se cumpra um direito humano que é o da moradia É urgente que se faça sim uma regulamentação fundiária. É uma questão do município, mas precisamos pensar na função da social da propriedade. Sou advogada e dou apoio jurídico às ocupações quando é necessário. E na minha própria família, que tem muitos reacionários, eu escuto parentes falando que “ah, quem invade é vagabundo”. E não, são famílias. No dia da ocupação Marielle, chegou uma mulher com um bebê de 20 dias no colo e ela estava tão feliz, que ia ter uma casa, um teto. Ninguém que tem uma casa se submete a passar pelo que se passa em uma ocupação. Temos que parar de reproduzir preconceitos e pensar em justiça social mesmo, abrir mão de privilégios econômicos.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org