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Foto: Inês Campelo
Quando caibros e ripas de madeira começaram a tomar forma de casas, no início da tarde de domingo, lágrimas rolaram na ocupação Carolina de Jesus, ao lado da estação Barro do metrô. Maria dos Prazeres da Silva tinha motivos para chorar de felicidade: “Quando vi minha casinha, não aguentei, foi muita emoção”.
Há pouco mais de um ano, o barraco onde Maria vivia pegou fogo. Seus dois filhos e uma filha escaparam graças aos vizinhos, pois, na hora do incêndio, ela estava ajudando outras mulheres do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) na ocupação Marielle Franco, no centro do Recife. Tudo isso lhe passou pela cabeça enquanto as lágrimas misturavam-se ao suor e poeira que cobria seu rosto.
Maria, assim como as mulheres e homens de 12 famílias que, desde fevereiro de 2017, estão ocupando o terreno pertencente ao Governo do Estado, juntaram-se a 150 voluntários mobilizados pela organização não-governamental Teto para desmontar os barracos anteriores, receber e guardar o material de construção e construir as casas desde os alicerces.
O trabalho braçal durou uma semana, mas, desde junho, a comunidade vinha se reunindo com as coordenadoras da Teto para definir quais famílias receberiam as 12 casas e como seria a divisão de tarefas.
Na manhâ de sexta-feira (20), os barracos de plástico e lona já estavam desmontados e seus moradores espalhavam-se pela comunidade ou na calçada da terminal de passageiros, dormindo três noites nas casas dos vizinhos. Uma intimidade nem sempre tranquila:
“É ruim dormir na casa dos outros, eu mesmo estou na casa de um vizinho implicante. Pode botar aí que ele é implicante, mas esquece que, quando chegar a vez dele receber a casa, vai precisar de abrigo”, queixa-se Diana Maria de Siqueira, de 34 anos, mãe de quatro filhos.
Das 150 pessoas que, durante todo o final de semana, vestiram as camisetas brancas da Teto para dar duro na construção das casas de madeira, apenas duas eram funcionárias da ONG. Todas as demais estavam lá por solidariedade e pela “oportunidade de fazer alguma coisa, mais do que apenas doar dinheiro” nas palavras da médica Ana Beatriz Sacerdote.
Ana Beatriz, ou simplesmente Bia, como passou a ser chamada pelo pessoal da comunidade, desdobrou-se durante meses para, entre um plantão e outro nos hospitais Dom Hélder Câmara e Português, além dos atendimentos em seu consultório de gastroenterologia, coordenar o processo de seleção e mobilização das famílias.
No domingo, ela interrompeu a tarefa de cortar telhas de zinco para contar que ocupação Carolina de Jesus foi escolhida pela Teto por ter “uma liderança sólida e ser organizada, o que é fundamental para conseguirmos realizar as reuniões e discutirmos os critérios”.
Uma das funcionárias da Teto coordenando as atividades chama-se, por coincidência, Carolina Batista de Deus. Ela explicou que muitos dos voluntários veio de Salvador, muito pagaram a própria passagem, inclusive alguns que vieram do Rio de Janeiro e de Minas Gerais: “Estamos há pouco tempo em Pernambuco, a primeira ação foi a construção das sete primeiras casas aqui mesma na comunidade, em maio, por isso ainda não é possível mobilizar tantos recifenses”.
Fundada no Chile após um terremoto em 1997, a Teto constrói casas de madeira de até 18m2 seguindo o modelo de emergência da ONU, em 19 países da América Latina, onde, segundo os números do programa Habitat das Nações Unidas, 104 milhões de pessoas vivem em comunidades consideradas precárias.
Cada casa construída no Barro custou quase R$ 10 mil. O valor total da ação foi de R$ 153.000,00, custeados pela doação da construtora Haut Engenharia. “A empresa também mobilizou voluntários entre seus funcionários e assinou um convênio em que se compromete a custear uma casa para cada empreendimento que vender, num total de 30 casas aqui nessa comunidade”, detalhou Carolina de Deus.
A ocupação Carolina de Jesus existe desde fevereiro de 2017 e já chegou a ter mais de mil barracos. Hoje são 170 famílias coordenadas por um grupo de mulheres vinculadas ao MTST.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.