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Em 10 dias, duas casas são demolidas e aceleram destruição do patrimônio modernista

Inácio França / 14/10/2020

Crédito: Bidu Queiroz

Os vizinhos do número 83 da rua Jacobina, nas Graças, foram surpreendidos com o ruído de tratores e de paredes desabando na manhã de terça-feira, 13 de outubro. Muitos moradores interromperam o café da manhã e foram para suas respectivas janelas e varadas para fotografar e filmar a segunda demolição de uma casa modernista no Recife no intervalo de 10 dias.

Logo, as imagens de uma retroescavadeira derrubando a casa conhecida como Residência Emir Glasner, construção modernista de 1972 projetada pelo arquiteto pernambucano Vital Pessoa de Melo, se espalharam pelas redes sociais. Várias postagens já informavam que, além do significado, o imóvel contava com jardins assinados pelo paisagista Roberto Burle Marx e vitrais da artista plástica franco-brasileira Marianne Peretti.

Os vizinhos conheciam bem a casa. No início dos anos 2000, a residência esteve no centro de um conflito entre os novos proprietários, o grupo Ser Educacional (na época ainda chamava-se Faculdade Maurício de Nassau) e grupos de moradores das Graças, inconformados com as modificações realizadas na estrutura original.

Em 2007, a Justiça determinou que os novos donos não poderiam mais fazer reformas ou alterar o jardim desenhado por Burle Marx. Na época, circulava a informação que a pretensão da Maurício de Nassau era construir um edifício garagem no local.

Arquitetura fora do eixo RJ-SP

Em sua dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo (USP) sobre a arquitetura de Vital Pessoa de Melo, a arquiteta pernambucana Clara de Oliveira Reynaldo dedicou um capítulo inteiro ao estudo desse imóvel de 700 m2 de área construída, situada num lote de 40m x 30m de terreno irregular.

O projeto foi encomendado por Emir Glasner de Barros, engenheiro cuja empresa foi responsável por várias obras públicas, incluindo o túnel Cascavel, na serra das Ruças.

De acordo com a arquiteta, um dos pontos altos do projeto seria, além do aproveitamento das irregularidades do terreno, o uso de vários elementos como o cobogó, peitoris e portas pivotantes para assegurar a ventilação e o menor uso possível de ar-condicionado e ventiladores, pois “a preocupação da arquitetura com as condições climáticas” era uma constante nos projetos de Pessoa de Melo.

Em São Paulo onde mora, Clara Reynaldo foi surpreendida com a notícia da demolição. Segundo ela, Pessoa de Melo acreditava que “o lugar deveria ser o ponto de partida para o projeto e só desta forma o projeto faria sentido naquele espaço. Além desta preocupação, fica evidente na sua vasta obra a racionalidade estrutural e o pleno domínio técnico”.

A arquiteta explica que a produção de Vital contribuiu bastante para “dar visibilidade para a arquitetura que se fazia fora do eixo Rio-SP, entre as décadas de 1970 e 1980. Pena que, para algumas pessoas, possuir um bem histórico é um empecilho, quando deveriam tirar partido disso “.

Tombamento foi pedido

Em dezembro de 2007, depois que a Justiça proibiu a destruição do jardim, Maria Lúcia Moura, presidente da Associação Por Amor às Graças, solicitou à prefeitura o tombamento definitivo do imóvel, com sua inclusão na lei dos Imóveis Especiais de Preservação (IEP).

Para saber se a casa de Emir Glasner fazia parte da relação de imóveis a serem tombados, elaborada em 2013 pela Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural, a secretaria municipal de Planejamento Urbano do Recife foi procurada pela Marco Zero Conteúdo. Também questionamos se a prefeitura do Recife tinha perspectiva de aprovar a proteção para alguns desses imóveis.

Até o momento do fechamento dessa reportagem, a prefeitura ainda não havia respondido ou se posicionado. Quando isso acontecer, as respostas e o posicionamento oficial do poder público municipal serão acrescentados a este texto.

AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.