Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Conteúdo verificado: Live realizada no Facebook, e posteriormente publicada no YouTube, na qual um enfermeiro afirma que a morte de um voluntário nos testes da vacina de Oxford, em outubro, teria sido provocada pelo imunizante. Além disso, ele também diz que as vacinas podem causar Alzheimer e fibromialgia
É falso que o médico João Pedro Rodrigues Feitosa, voluntário no ensaio clínico da vacina de Oxford, tenha sido “vítima da vacina”, como afirmou o enfermeiro Anthony Ferrari Penza em uma transmissão ao vivo pelo Facebook. De acordo com o atestado de óbito do jovem, obtido pelo Comprova, ele faleceu em decorrência de uma pneumonia viral causada pela covid-19.
Veículos de imprensa, como a TV Globo, disseram ter confirmado com fontes ligadas aos testes que o voluntário recebeu apenas placebo – e não a vacina propriamente dita. O Comprova não conseguiu confirmar essa informação.
O enfermeiro ainda afirma no vídeo verificado pelo Comprova que os adjuvantes da vacina, substâncias que buscam melhorar sua eficácia, poderiam causar Alzheimer, doença degenerativa que afeta a memória, e fibromialgia, que causa dor e fadiga. A afirmação é enganosa, já que não existem indícios científicos que indiquem que as vacinas e os adjuvantes causem qualquer uma das duas doenças, como explicou o pesquisador Rafael Dhália, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Até o momento, não foram relatados efeitos colaterais graves nos 57 mil voluntários (10 mil deles no Brasil) que receberam a vacina de Oxford.
É importante ressaltar que o simples ato de se vacinar não significa que uma pessoa esteja imune a uma determinada doença. Nenhuma vacina existente proporciona uma proteção para todas as pessoas que receberem as doses. “Vacina não é uma medida de proteção individual e, sim, populacional”, explica Dhália. Isso significa que mesmo quem vier a receber a vacina ainda poderá adquirir a doença. “Quando o nível é ‘excelente’, a vacina tem uma proteção de 80%”, complementa o pesquisador. Com isso, os 80% da população imunizados servem como uma espécie de barreira para que os outros 20% que não foram imunizados estejam protegidos.
Procurado, Penza disse que não é contra a vacina ou contra os testes da vacina, mas que é “contra não avisar as pessoas que elas estão sendo testadas” e contra a “obrigatoriedade” dos testes. Na verdade, nenhuma pessoa é obrigada a participar dos testes e todos que participam são voluntários e assinam um termo reconhecendo a participação.
Em relação aos efeitos colaterais, ele voltou a afirmar que os artigos científicos mostram que os adjuvantes podem provocar Alzheimer. Porém, quando o Comprova pediu para que ele enviasse os artigos que supostamente comprovariam a afirmação, ele deixou de responder.
Em primeiro lugar, consultamos as informações publicadas na imprensa sobre a morte de João Pedro Rodrigues Feitosa, voluntário nos testes da vacina de Oxford que faleceu no final de outubro. Depois disso, entramos em contato com a farmacêutica AstraZeneca, responsável pela vacina, e com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável pela aprovação de testes e medicamentos no Brasil.
Pelo portal do Registro Civil, canal oficial de comunicação com cartórios de todo o Brasil, solicitamos e obtivemos o atestado de óbito de Feitosa para confirmar a causa da morte.
Conversamos, também, com o doutor em biologia molecular e especialista em microbiologia e virologia da Fiocruz Rafael Dhalia e com Dirceu Bartolomeu Greco, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), presidente da Sociedade Brasileira de Bioética e vice-presidente do Comitê Internacional de Bioética da Unesco.
Também entramos em contato com o enfermeiro Anthony Ferrari Penza via WhatsApp.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 11 de novembro de 2020.
No vídeo analisado, o enfermeiro afirma que o médico carioca João Pedro Rodrigues Feitosa, de 28 anos, teria sido vítima da vacina contra o novo coronavírus. Feitosa era um dos participantes dos testes clínicos da vacina produzida pela Universidade de Oxford e pela farmacêutica AstraZeneca e faleceu no dia 15 de outubro. A afirmação feita por Penza é falsa. De acordo com o atestado de óbito de Feitosa, ele faleceu por complicações em decorrência de uma pneumonia viral causada pela covid-19.
Procurada, a farmacêutica AstraZeneca afirmou que não poderia divulgar informações sobre os voluntários, pois as informações sobre qualquer voluntário são tratadas em sigilo. Tanto a farmacêutica quanto a Universidade de Oxford, parceiras na produção da vacina, se recusaram a confirmar se Feitosa recebeu o placebo ou a vacina. Porém, diversos veículos de comunicação brasileiros confirmaram, com fontes ligadas ao estudo, que o médico recebeu apenas placebo – e não a vacina propriamente dita. Ou seja, a morte de Feitosa não tem relação direta com a vacina em testes no Brasil – ele foi uma das mais de 162 mil vítimas brasileiras da covid-19.
Na gravação, o enfermeiro Penza afirma que os adjuvantes presentes nas vacinas poderiam causar Alzheimer, doença neurodegenerativa que afeta a memória, e fibromialgia, enfermidade que causa dor e fadiga. Os adjuvantes são substâncias que procuram melhorar a eficácia das vacinas. A informação é enganosa. Não existem indícios científicos de que as vacinas e os adjuvantes causem essas duas doenças, explicou Rafael Dhália, pesquisador da Fiocruz e doutor em Biologia Molecular.
“Não existe vacina ‘pronta’ pois elas ainda estão na fase 3 de testes, que é a fase final da avaliação de segurança e eficácia”, explica Dhália. “Mas não existem indícios científicos de que elas causem essas doenças”, complementa. No caso da vacina de Oxford, não foram registrados efeitos colaterais graves nos mais de 57 mil voluntários até o momento.
A pesquisa científica com voluntários é regulamentada pela resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e controlada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), vinculada ao CNS, para garantir o controle e se manter livre da influência de laboratórios e governantes. A explicação foi dada pelo presidente da Sociedade Brasileira de Bioética e vice-coordenador do Comitê Internacional de Bioética da Unesco, o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dirceu Bartolomeu Greco.
O direito ao sigilo em todas as fases da pesquisa é assegurado aos participantes voluntários pela mesma resolução, no capítulo IV. No entendimento de Greco, a legislação brasileira é uma das que garantem mais direitos aos voluntários de pesquisas e testes. Um desses direitos é o acesso aos resultados dos estudos, ou seja acesso sem custos a medicamentos e tratamento gerados por esses estudos, o que possibilita aos participantes um benefício em um processo “em que praticamente todos os envolvidos ganham alguma coisa, seja o pesquisador, a instituição de pesquisa e o laboratório, enquanto o voluntário entra só com a boca ou o braço”, segundo o professor.
No vídeo verificado aqui, Penza afirma que o placebo utilizado na pesquisa é “um líquido que não é nada”. A afirmação está errada. De acordo com o imunologista Rafael Dhalia, a “definição de placebo usada pelo enfermeiro autor do vídeo está completamente equivocada”. O placebo dessa vacina não é uma substância inerte. Ele utiliza o mesmo vetor, mas leva o imunizante para meningite meningocócica. Ou seja, o placebo, neste caso, é uma outra vacina já consolidada e que é utilizada em larga escala no mundo todo.
A vacina produzida pela farmacêutica AstraZeneca e pela Universidade de Oxford é um imunizante vetorial. Isso significa que ela utiliza um vírus vivo – no caso, um adenovírus de chimpanzé modificado – como vetor para levar uma parte do vírus SARS-CoV-2, causador da covid-19, para dentro do corpo humano. Essa é uma solução para produzir a vacina sem precisar inserir o vírus inteiro no corpo.
Ao identificar a sequência genética dessa parte do vírus, a proteína “S”, o sistema imunológico de quem recebe a vacina, a reconhece como uma parte estranha ao corpo e começa a produção de anticorpos que vão lutar contra o vírus. Dessa maneira, quando tivermos contato com o novo coronavírus, nosso corpo já estará protegido.
É importante lembrar que o simples ato de se vacinar não significa dizer que uma pessoa está 100% imune a uma doença. Nenhuma vacina existente proporciona 100% de proteção. “[Tomar a vacina] não significa dizer que a pessoa precisaria estar protegida contra a doença. Vacina não é medida de proteção individual e, sim, populacional. Nenhuma delas protege 100%. Quando o nível é ‘excelente’ tem uma proteção de 80%”, explica Rafael Dhália, da Fiocruz.
Com isso, os 80% da população protegidos servem como uma espécie de barreira para os outros 20% que não desenvolveram uma proteção após a vacinação e a transmissão do vírus vai sendo bloqueada ao longo dos anos.
Segundo Dhalia, “a OMS deverá aceitar para a covid-19 qualquer vacina que tenha uma eficácia igual ou superior a 50%, para ir reduzindo a transmissão até surgir alguma outra mais eficaz, com nível de proteção acima de 70%”.
Anthony Ferrari Penza, nascido no Rio de Janeiro, tem 45 anos e atualmente é candidato a vereador no município de Cabo Frio, no mesmo estado. Segundo seu currículo Lattes, na plataforma CNPq, ele fez sua formação no curso de Enfermagem na Universidade Veiga de Almeida, em 2014. Entre 2014 e 2016, cumpriu especializações na área medicinal. Ainda conforme a plataforma Lattes (com última atualização registrada em 06/03/2018), Penza atuou em diversos hospitais da região. Entretanto, quando questionado sobre sua trajetória profissional em uma verificação anterior realizada pelo Comprova, o enfermeiro não disse em quais instituições trabalhou.
Penza concorre pela primeira vez a vereador na cidade de Cabo Frio pelo Partido Social Democrata. Ele não teve nenhuma movimentação financeira na campanha eleitoral, segundo o site de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O enfermeiro já apareceu em outras duas verificações feitas pelo Comprova. Em uma delas, ele afirmava que o recebimento de verbas pelos hospitais estava atrelado ao número de óbitos. Essa informação é falsa. Na outra, ele distorceu dados de estudos científicos para afirmar falsamente que a ivermectina, medicamento usado contra vermes e parasitas, seria eficaz contra o novo coronavírus.
Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais tratando sobre políticas públicas do governo federal ou sobre a pandemia. Como ainda não existe uma vacina aprovada ou cura comprovada para o coronavírus, muitas das publicações verificadas estão relacionadas ao tema. Nos últimos meses, a grande politização em torno da vacina fez com que o número de conteúdos falsos e enganosos aumentasse muito.
O vídeo analisado foi publicado no perfil do Facebook do enfermeiro Anthony Ferrari Penza e teve cerca de 2,6 milhões de visualizações até ser excluído, no dia 29 de outubro. O mesmo vídeo foi publicado no YouTube e chegou a mais de 50 mil visualizações até 11 de novembro. Os conteúdos passam insegurança para as pessoas que, além de estarem assustadas com a pandemia, também ficam receosas em relação às vacinas, visto que o vídeo dissemina medo e não traz nenhuma informação concreta sobre os testes e resultados das vacinas que estão em andamento no Brasil.
O mesmo vídeo também foi verificado pela Agência Lupa e pelo Fato ou Fake, do portal G1, que classificaram as informações de Penza como falsas.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para modificar o seu significado original e divulgado de maneira deliberada para espalhar uma mentira.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.