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Crédito: Governo do Ceará
Após bater mais uma semana de recorde de casos e internações – com mais de 1.800 pessoas internadas em UTIs -, o governo de Pernambuco anunciou, na quinta-feira, 25 de março, que prolongará a quarentena por mais três dias, até 31 de março, sem alteração nas regras, e depois seguirá com a reabertura das atividades, já a partir do dia 1º de abril, véspera do feriado da Semana Santa (confira mais abaixo os detalhes). Enquanto o empresariado comemorava o anúncio do governador Paulo Câmara (PSB), epidemiologistas, pesquisadores e profissionais de saúde lamentavam a decisão em clima de desespero.
A decisão acontece logo após Pernambuco ter a pior semana de 2021 (semana epidemiológica 11), com 1.594 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag), um aumento de 19% em uma semana e de 40% em 15 dias. Na própria quinta-feira, havia exatas 1.842 pessoas internadas em UTIs no estado, sendo 1.424 na rede pública e 418 na rede privada.Foi de 97% o percentual de aumento das internações em UTIs públicas entre a primeira semana de janeiro e a semana que se encerrou no último sábado (20). Apenas na faixa etária acima dos 85 anos , já vacinada, não se registrou crescimento – ao contrário, houve redução na casa de 20%. Mas, entre 20 e 59 anos, esse número quase triplicou.
Logo após a coletiva de imprensa que detalhou as medidas, com o secretário estadual de Saúde, André Longo, e a presença do chefe do departamento de Infectologia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Demetrius Montenegro, o Movimento Pró-Pernambuco, que reúne mais de 30 nomes ligados à indústria, comércio e ao setor de serviços, publicou uma nota avaliando que as novas medidas “correspondem aos anseios do setor produtivo”, principalmente por darem “previsibilidade”. São de “equilíbrio e responsabilidade” e, desta vez, o grupo foi “ouvido verdadeiramente” pelo governo.
“O Movimento Pró-Pernambuco comunica que as medidas anunciadas hoje pelo governador Paulo Câmara correspondem aos anseios do setor produtivo, principalmente porque atendeu aos nossos anseios pela previsibilidade das medidas restritivas. Vemos nestas medidas equilíbrio e responsabilidade. Desta forma, as empresas podem planejar os próximos passos. Fomos ouvidos verdadeiramente. Cabe agora fazer nosso trabalho e esperamos a cooperação da sociedade para que, em 25 de abril, evoluamos para um melhor estágio”, diz a íntegra do comunicado assinado pelo presidente do MPP, Avelar Loureiro Filho, empresário dos setores imobiliário, de shopping e do agronegócio.
O movimento foi criado em 2020 como forma de articular o empresariado local no enfrentamento da pandemia e na retomada das atividades produtivas. Algumas horas antes de o governo do estado anunciar a quarentena mais rígida, no dia 15 – medida avaliada por especialistas como certa, porém atrasada -, o grupo de empresários convocou a imprensa para reclamar da falta de diálogo com o Palácio do Campos das Princesas, pedir mais participação na solução da crise e sinalizou que os “responsáveis por mais de 90% do PIB” iriam intensificar o lobby em favor dos CNPJs.
A quarentena, que não proibiu a circulação de pessoas e veículos como no ano passado, terminaria neste domingo (28) e foi estendida até a quarta (31). A partir do dia 1º, será colocado em prática um novo plano de convivência, com regras válidas até o dia 25 de abril. As atividades econômicas poderão reabrir das 10h às 20h, nos dias de semana, e das 9h às 17h, aos sábados, domingos e feriados.As praias voltarão a ter atividades físicas individuais permitidas, e a volta às aulas estará liberada a partir do próximo dia 5 de abril, para a rede privada e para o ensino médio da rede estadual. As celebrações religiosas poderão voltar a acontecer, desde que obedeçam aos protocolos e horários pré-estabelecidos.
Para o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Pernambuco (Abrasel-PE), André Araújo, a sensação foi de “alívio”, apesar da preocupação com a alta ocupação de leitos. Nesta quinta (25), segundo o boletim da Secretaria Estadual de Saúde, a taxa de ocupação de UTI estava em 98%, o que significa, para os profissionais de saúde, praticamente um colapso.
O setor de alimentação, porém, ainda tem uma ressalva, diz André: o horário de funcionamento dos bares nos dias de semana. “O horário das 20h durante a semana para nós praticamente não adianta porque os bares abrem às 17h e vão funcionar apenas por três horas, não cobre os custos”, explica, lembrando que, para estar com as portas fechadas às 20h, é preciso encerrar o atendimento às 19h. “É pouco relevante para a gente e isso vai pontualmente piorar a situação desses estabelecimentos, levando a mais demissões e fechamento de unidades”, detalha o empresário, para quem a vacinação é a grande saída.
“Na primeira onda, alertei que tínhamos uma pesquisa feita por uma grande administradora de cartões de crédito mostrando que o pico de fechamento de contas acontece entre 20h e 22h. Seria razoável que o governo fizesse adaptações para os bares”, pede André. “Quanto mais curto o horário, maior será a aglomeração porque as pessoas vão procurar o setor para comer e beber ao final do dia”, pontua.
Pelas contas da Abrasel, o ano de 2020 encerrou-se com cerca de 25% do setor falido em Pernambuco. André afirma que, para que haja recuperação, é necessário haver também renúncia fiscal por conta do acúmulo muito grande de dívidas.
A salvação, acrescenta, é a renovação da Medida Provisória 936, que prevê a redução de jornada de trabalho e salários e cuja nova rodada será divulgada após a aprovação do orçamento nos próximos dias. O empresariado nacional tem feito pressão no Congresso sob a possibilidade de haver uma “onda de demissões devastadora”, segundo as palavras do dono da Riachuelo, Flavio Rocha.
Sobre os protocolos, André comenta que a maior parte do setor segue as recomendações, com pontos fora da curva que devem ser fiscalizados com rigor. “O problema é que o setor é grande, há vários modelos diferentes. Mas quem promove aglomeração e não cumpre os protocolos sanitários tem que ser fiscalizado”, diz.
“Não sei como se conjuga economia com cadáveres, os mortos não produzem nem consomem nada”. A reação da professora da Faculdade de Ciências Médicas e pesquisadora do Instituto Aggeu Magalhães, da Fiocruz-PE, a epidemiologista Ana Brito resume a aflição com que cientistas e profissionais da saúde receberam a notícia dos anúncios feitos pelo governador Paulo Câmara (PSB) nesta quinta (25). O mais previsível, afirma Ana, é que “vamos ter os meses de abril e maio certamente muito piores do que o que estamos vivendo em março”.
Corroboram para a previsão uma conjugação de fatores, com destaque para o colapso do sistema de saúde, o esgotamento das forças de trabalho, principalmente a da saúde, e uma explosão de casos particularmente entre a população mais jovem, com cargas virais maiores, provavelmente por conta da superexposição.“Se não fizermos uma restrição muito grande da circulação de pessoas, não temos como esperar um mês de abril menos sombrio do que o que estamos prevendo. Talvez até maio estejamos nessa situação dramática”, alerta, lembrando da escassez de insumos e medicamentos que já é uma realidade nos hospitais.
“É muito dramático e não temos como prever uma situação mais razoável com flexibilização de atividades e da circulação de pessoas. O vírus circula com as pessoas, essa é a questão central. Não há como conciliar uma interrupção da transmissão se as pessoas não param de circular”, reforça. Reconhecendo o desafio para os estados, Ana lembra ainda da dificuldade de controlar a pandemia sem que haja vacinas suficientes no Brasil e sem um controle central. “Estamos numa corrida desigual, o vírus anda de Fórmula 1 e nós andamos de fusquinha”, resume.
Como não existe a possibilidade de um milagre que torne o vírus menos transmissível ou que faça ele desistir das células humanas, a médica acredita que, neste cenário em que o país se encontra, uma esperança seria contar com ajuda internacional, com apoio dos outros países para salvar o Brasil com adoção de vacina em larga escala e uma ação de intervenção coordenada.
“Precisamos nesse momento de união e de ciência guiando os destinos do enfrentamento à pandemia”, repetiu pelo menos duas vezes o secretário de saúde, André Longo, em pronunciamento à imprensa. Essas e outras afirmações contraditórias logo após o anúncio de reabertura da economia causaram surpresa e, em seguida, assustaram a comunidade científica.
Longo, que chegou a alterar a voz para cobrar do cidadão que “seja fiscal dos outros” e cause constrangimento a quem não usa máscara, sequer citou os estabelecimentos que descumprem as regras básicas de prevenção ao Sars-CoV-2 como oferecer álcool e aferir a temperatura dos clientes. Incoerente, apontou como causa do aumento de diagnósticos positivos de covid-19 as “festinhas” e não, por exemplo, o descumprimento dos protocolos por parte das empresas de transporte público.
Minutos após reforçar o novo plano de convivência, o secretário surpreendeu ao declarar que “para conter a doença só com a restrição da circulação de pessoas”.
“Não faz o menor sentido, no mesmo boletim, o estado falar em quase 3.000 novos casos de infectados e anunciar reabertura [de todos os setores econômicos]. Assim como não é só fechar, mas deve-se pensar em o que fechar, por que fechar e como fechar, também vale para reabrir, por que isso será feito agora? Há um ‘arquitetura epidemiológica’ que temos que seguir com critérios bem definidos senão podemos repetir o erro da Argentina, do Peru e da Índia, que reabriram sem controle da transmissão do vírus”, explicou o doutor em biotecnologia e pós-doutorando do Instituto Tecnológico Vale, Marx Lima.
“Quando a gente teve a queda de casos no segundo semestre do ano passado, o vírus nos deu a chance de fazer teste e rastreio, e nós continuamos brincando de fazer vigilância epidemiológica e reabrimos tudo, agora a realidade bateu à porta e a responsabilidade é do outro, não é bem assim. Há poucas semanas, o governo de Pernambuco comemorou a marca de um milhão de testes, mas desse total cerca de 200 mil foram RT-PCR, não adianta fazer teste para saber quem teve a doença, a lógica é localizar onde a doença está e tomar as medidas para contê-la”, pontuou Lima.
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Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com
Jornalista formado pela Unicap e mestrando em jornalismo pela UFPB. Atuou como repórter no Diario de Pernambuco e Folha de Pernambuco. Foi trainee e correspondente da Folha de S.Paulo, correspondente do Estadão, colaborador do UOL e da Veja, além de assessor de imprensa. Vamos contar novas histórias? Manda a tua para klebernunes.marcozero@gmail.com