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Palloma e o caminho da festa

Géssica Amorim / 29/06/2021

Palloma deu entrada no processo para alteração do seu nome em 2015 e só em 2018 conseguiu o novo registro. Uma vitória entre tantas que tem conquistado. Crédito: Arquivo Pessoal

Foi sob grande tensão que Palloma Sales, 22 anos, se apresentou como rainha da quadrilha junina Sanfonar, em 2013, nas festas de São João do município de Afogados da Ingazeira, no sertão de Pernambuco. Palloma é mulher transgênera e, na época, iniciava um processo de transição que lhe tornou possível a abertura para um caminho de identificação e adequação que pode ser custoso, árduo, mas libertador. Era a primeira vez que a dançarina se apresentava ocupando o posto de rainha do grupo. A quadrilha, que até hoje tem Palloma como integrante e rainha, também fazia a sua estreia nas festas juninas do município.

A expectativa com relação à recepção e reação do público ao espetáculo preocupava Palloma e os seus colegas de dança. Imaginava-se que, talvez, as reações fossem negativas, hostis e que pudessem desestabilizá-la. No entanto, Palloma afirma que a apresentação surpreendeu a todos positivamente. “Na hora, passou um filme na minha cabeça. Existia a tensão, o medo, mas, ao mesmo tempo, eu sentia que era a hora de mostrar o meu trabalho, de mostrar para aquela população, para a sociedade, que nós, mulheres trans, nós, da comunidade LGBTQIA+, somos resistência. A gente é força, é luta. Foi melhor do que eu esperava. Hoje eu sou reconhecida como dançarina, na minha cidade. Essa estreia foi a minha melhor apresentação. Nos surpreendeu de forma positiva”.

Palloma Sales começou a dançar aos nove anos. Ela conta que, desde criança, sempre sonhou em assumir um dos postos máximos de uma quadrilha junina. “Eu usava saia, vestidos e sonhava em dançar na posição de rainha, mesmo”. Em 2013, Palloma realizou este sonho e também iniciou, por conta própria, aos 15 anos, um processo de transição hormonal. No ano passado, ela chegou a consultar uma endocrinologista, mas não conseguiu pagar pelo tratamento indicado pela profissional da área da saúde. “No comecinho de 2020 eu fui a uma endócrino. Eu tinha pouco conhecimento sobre o uso de hormônios e, quando comecei, foi por conta própria, mesmo. E hoje eu ainda continuo assim. Eu sei que isso pode prejudicar a minha saúde, mas não tive condições de comprar o que foi indicado pela médica”. Segundo Palloma, em média, os hormônios receitados pela endocrinologista custam entre 60 e 70 reais.

Antes de iniciar o seu processo de transição, Palloma tinha medo do que poderia acontecer, caso decidisse fazer o contrário do que a sociedade lhe exigia — e ainda exige. Ela conta que o ano de sua estreia como rainha de quadrilha foi decisivo para o início das mudanças que ela pretendia realizar no seu corpo e na sua vida. “Aquele foi o ano em que eu me realizei, o ano em que eu me senti Palloma. Antes, eu ganhava roupas, ganhava acessórios, maquiagem, só que eu tinha medo de usar. Eu ia guardando, juntando. Eu também comprava e guardava. Depois, eu passei a usar tudo, a me vestir e andar como eu sempre quis”.

Desde criança, a dançarina queria assumir o posto de rainha em uma quadrilha. Para sua alegria, conseguiu.. Crédito: Arquivo Pessoal

Em 2015, Palloma deu entrada num processo para a alteração do nome que antes constava na sua certidão de nascimento. Só em 2018 o nome que ela escolheu para registrar era oficial, acompanhado dos sobrenomes de sua família. Agora, em todos os seus documentos consta Palloma de Almeida Lima. O “Sales” ficou de fora. Por alguma razão, que Palloma não sabe dizer qual é, o nome não foi aceito pelo cartório.

Atualmente, Palloma trabalha como auxiliar de serviços gerais na prefeitura de Afogados da Ingazeira. Ela interrompeu os estudos depois de concluir o primeiro ano do ensino médio, mas pretende voltar a estudar quando a pandemia passar. Depois disso, Palloma irá procurar por um curso que lhe ajude a aprimorar as suas habilidades e o seu conhecimento sobre a dança.

Assim como em 2020, as apresentações de 2021 da quadrilha junina Sanfonar foram realizadas e transmitidas através de lives no canal que o grupo tem no YouTube. Palloma ocupa o posto de rainha mais uma vez.

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* Matéria produzida pelo projeto de extensão Reportagens Especiais do Observatório da Vida Agreste (OVA), parceiro da Marco Zero Conteúdo. O OVA está ligado ao Curso de Comunicação Social da UFPE/Centro Acadêmico do Agreste (CAA).