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Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
“Era um projeto sustentável com construções de baixo impacto ambiental e um conceito mais contemplativo do que esportivo”. É assim que a arquiteta Luciana Raposo descreve o projeto que desenvolveu, junto com outros profissionais, para o Parque da Tamarineira.
Integrante da equipe vencedora do concurso público lançado em 2011, pelo então prefeito João da Costa, para desenvolver um projeto que transformaria uma área de 9,6 hectares em um espaço público de lazer, saúde e cultura para os recifenses, Luciana foi surpreendida com o anúncio da publicação do edital para a licitação de estudos básicos para a construção de diversos equipamentos, em uma área de aproximadamente 98,9 mil metros quadrados, localizada entre a Rua Cônego Barata, Avenida Conselheiro Rosa e Silva e Rua Doutor José Maria, havia sido realizada pela Prefeitura do Recife.
A diferença entre o projeto desenvolvido há 11 anos e o atual, proposto pela gestão do prefeito João Campos, fez com que Luciana questionasse o motivo de todo o estudo realizado pela equipe vencedora do edital ter sido desconsiderado. “Queríamos fazer um museu a céu aberto. No nosso projeto, não enchemos o parque de quadra e elementos, nós deixamos um sítio, porque historicamente aquela área era conhecida como Sítio da Tamarineira e tinha um grande pomar. Nós fomos buscar conceitos e inspirações diferentes, pensamos em um jardim mais original sem muita intervenção, sem muita pavimentação, queríamos que fosse tudo de terra batida”, explicou a arquiteta.
O projeto proposto pela prefeitura em nada se parece com o que foi apresentado por Luciana, o que causou surpresa para a arquiteta, já que, segundo ela, no início deste ano a prefeitura fez contato com a equipe e solicitou o projeto desenvolvido por eles. “Inocentemente, eu achei que eles estavam licitando uma parte do nosso projeto”, afirmou.Na época, o projeto vencedor do concurso ganhou um prêmio de R$ 40 mil e, ao ser transformado em projeto executivo, custou mais R$ 2 milhões aos cofres do município.
Com equipamentos como ponto comercial gourmet, quiosques, piscina, obstáculo skate, tênis de mesa, quadra de golfe e parcão (espaço para cachorros), o planejamento solicitado na licitação prevê a diminuição da área verde e o aumento da pavimentação, além disso, toda a integração histórica que seria contemplada com o museu a céu aberto foi esquecida. De acordo com a publicação do Diário Oficial, a prefeitura vai pagar R$ 341 mil pelo novo projeto de estudos básicos da área, a empresa que ganhou a licitação foi a Colmeia.
Entramos em contato com a prefeitura para questionar os impactos ambientais que as obras podem causar. Em nota, a gestão respondeu assim: “A efetivação do Sítio da Tamarineira como parque público é de suma importância para o fortalecimento da cidadania e para garantir às futuras gerações espaços de convivência que mantenham significativos valores históricos, sentimental, cultural, paisagístico, patrimonial e ambiental. A preservação da vegetação composta de árvores centenárias também possibilita um microclima mais agradável, sendo abrigo de diversas espécies de pássaros silvestres e importante fator da manutenção de melhor qualidade ambiental para os moradores da cidade”.
A criação do Parque da Tamarineira é uma promessa antiga que segue se arrastando. Em fevereiro deste ano, a Santa Casa de Misericórdia, representada pelo arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, desistiu da doação do terreno onde o equipamento seria construído. Ao mesmo tempo, a Prefeitura do Recife publicou o edital para realizar os estudos básicos de engenharia para a construção de um parque em uma pequena parte do total da área que seria doada pela Santa Casa.
Em nota, a prefeitura informou que “o município segue com o propósito de transformar o Sítio – área de 98,9 mil metros quadrados, localizada entre a Rua Cônego Barata, Avenida Conselheiro Rosa e Silva e Rua Doutor José Maria, onde fica localizado o Hospital Ulisses Pernambucano – em um parque público. É importante frisar que o que foi aprovado em fevereiro deste ano é um projeto básico de engenharia justamente para verificar a viabilidade da obra. A área é definida como Unidade de Conservação de Paisagem – UCP – Parque da Tamarineira, pela Lei Municipal nº17.802/2012, que proíbe, em seu artigo 3º, qualquer intervenção que comprometa o patrimônio ambiental e cultural hoje existente no seu perímetro e determina, em caráter exclusivo e permanente, o atendimento da função social de parque público”.
A Marco Zero procurou a Santa Casa de Misericórdia para saber se a instituição tinha conhecimento da licitação. Em nota, a Santa Casa afirmou desconhecer “a existência desta referida licitação, mas, de toda maneira, depreendemos que tenha sido aberta antes da oficialização da ‘revogação’ por parte da gestão da Santa Casa Recife”.
Sobre o motivo da desistência da doação do terreno do Parque da Tamarineira, a instituição confirmou que desistiu de doar a área. “A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia do Recife, como entidade religiosa ligada canonicamente à Arquidiocese de Olinda e Recife, precisou requerer autorização específica para a celebração da escritura. Exerceu o seu direito de revogar a doação após constatar que o projeto de lei que regulamenta a TDC deverá alterar substancialmente as premissas que serviram de base para a sua celebração. O direito de desistir estava previsto na escritura, exatamente em razão da incerteza de como seria regulamentada a TDC. A entidade filantrópica oficializou a “desistência” enviando ofício à PCR”, afirma a nota enviada pela Santa Casa
A TDC (Transferência do Direito de Construir) está regulamentada pelo decreto nº 34.113/2020 e determina parâmetros de uso e ocupação do solo a fim de garantir o que está assegurado em lei para a área, ela prevê a possibilidade de utilização do instrumento urbanístico para viabilizar a transferência de titularidade do imóvel, se houver o interesse do proprietário.
Apesar da desistência, a Santa Casa afirmou que continua em negociação com a Prefeitura do Recife e reiterou que cabe à gestão municipal conduzir os estudos e atender às demandas ambientais e sociais que envolvem a referida área.“A gestão segue estudando alternativas que garantam a preservação de conceitos da atual proposta, mas adequando-os a uma realidade financeira e orçamentária que não impossibilite ações estratégicas para a cidade”, declarou a prefeitura através de nota enviada à reportagem.
A construção do Parque da Tamarineira afetaria o dia a dia de médicos e pacientes do Hospital Ulysses Pernambucano. Localizado na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, no Bairro da Tamarineira, a casa de saúde é referência no tratamento psiquiátrico em Pernambuco e no Brasil.
No projeto realizado em 2011 estava previsto a construção de uma nova ala para o hospital que, de acordo com a arquiteta Luciana Raposo, contaria com 80 leitos de enfermaria. Além de uma área de convivência para os pacientes.
“O hospital ainda tem uma função essencial no atendimento à saúde mental no estado e também na formação de profissionais de saúde. A gente entende que o hospital não pode sair dessa área, que historicamente é do Ulysses, então, para a construção do parque seria necessário a construção de um prédio para receber a emergência psiquiátrica e toda a reforma da área histórica que abrigaria, entre outras coisas, um museu da psiquiatria, que nós consideramos essencial”, declarou Ruth Bonow, diretora do Ulysses Pernambucano.
Ruth afirmou que não teve conhecimento prévio sobre a licitação realizada pela prefeitura “No início do ano passado a prefeitura entrou em contato conosco informando que as obras do Parque da Tamarineira seriam iniciadas. Naquela ocasião, fomos informados que haveriam algumas modificações no projeto inicial já que haviam se passado mais de dez anos e seriam necessárias algumas atualizações”, disse.
Agora, a diretora se preocupa com a estrutura do hospital, que, segundo ela, “está muito decadente e precisa de uma intervenção urgente”, e segue sem previsão de reforma.
“O Parque da Tamarineira não é uma praça, é um complexo de urbanismo e paisagismo que tem sua função ligada às necessidades da saúde mental, então, é preciso se debruçar sobre essa questão para poder propor alguma coisa”, afirmou Luciana Raposo.
“Essa proposta [licitada pela prefeitura] não é parte de um projeto maior que tende a funcionar para as próximas gestões, ele é algo imediato. A prefeitura está pulando uma parte importantíssima, que é o planejamento, o estudo de viabilidade, a escuta pública, o envolvimento das pessoas e dos órgãos, da cidade como um todo”, completou a arquiteta.
Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.
Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.