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Crédito: @vm.retrato
Penalizado por causa do cancelamento dos eventos presenciais durante boa parte da pandemia de covid-19, o setor da cultura está pressionando a Prefeitura do Recife para que reveja a decisão de suspender o ciclo junino. O anúncio do prefeito João Campos (PSB), na segunda-feira, 30 de maio, foi feito sem dialogar com os trabalhadores desta cadeia de atividades, que vão dos técnicos aos artistas, passando pelos grupos que constroem as quadrilhas nos bairros e as famílias que vivem do comércio informal durante os festejos.
Artistas e grupos publicaram cartas abertas fazendo um apelo à gestão. O anúncio surpreendeu até mesmo vereadores da base, que reagiram. Com a medida, a gestão municipal pretende redirecionar R$ 15 milhões em recursos para ações de mitigação aos danos dos últimos dias, que atribui a “fenômeno meteorológico”. Como mostrou a Marco Zero em reportagem (link abaixo), há possibilidade de remanejar verba de outras rubricas orçamentárias, a exemplo de publicidade, recapeamento e tapa-buraco.
Em entrevista à reportagem, o presidente da Quadrilha Luminar, Fábio Andrade, disse que o grupo recebeu a notícia com “perplexidade”. A Lumiar publicou uma carta aberta ao prefeito no início da noite desta terça (31). “Não houve qualquer comunicado prévio ou diálogo com os conselhos de cultura. Não procuraram a gente, simplesmente suspenderam”, detalha Fábio, que também é marcador nos espetáculos. Fundada no Pina, na zona sul, a Lumiar é uma das quadrilhas mais premiadas do Recife, com 28 anos de existência.
O presidente contabiliza que, em um ano atípico como 2022, o grupo fez um investimento mais cauteloso, devido ao tempo curto e às condições gerais, chegando aos R$ 130 mil. Mas geralmente esse investimento ultrapassa R$ 200 mil. “Vidas são importantes, claro. Mas, do outro lado, também há vidas que precisam de cuidado e respeito porque também são vidas que estão morrendo e passando fome e dificuldade”, pondera Fábio, lembrando que sanfoneiros chegaram a vender suas sanfonas para sobreviver durante a pandemia.
A Lumiar chega a reunir cerca de 200 pessoas somente dentro do arraial. Por causa do período atípico, em que os festejos estão sendo organizados em cima da hora, esse número fica reduzido para algo em torno de 130. Contando com os músicos, sobe para 160. Além deles, há toda uma cadeia de serviços, que vai das costureiras e dos pequenos comerciantes até os prestadores de serviços informais, com a venda de bebidas, comidas e o transporte.
“Estamos atordoados porque já tivemos uma retomada do São João muito em cima da hora, de março para abril, quando normalmente a gente sempre faz a organização de um ano para o outro. Então retomar foi uma alegria muito grande, a gente tem corrido muito, não é fácil fazer acontecer sem captação de recursos, porque não tivemos tempo de fazer, por exemplo, as nossas rifas e nossos eventos prévios de arrecadação. Então já estamos endividados”, complementa Fábio.
O grupo Acorde Levante Pela Música PE também se manifestou sobre a decisão do prefeito João Campos (PSB). “Diante da tragédia causada pelo descaso da falta de estrutura urbana e moradia digna para uma multidão de pernambucanos, mais uma vez governos colocam a cultura como descartável e a contrapõem a outras políticas públicas, anunciado a retirada de verbas da área para cobrir gastos que já deveriam estar contemplados no planejamento de qualquer gestão”, diz um trecho do comunicado.
O rabequeiro, mestre de maracatu rural, brincador de cavalo marinho e militante da cultura popular Maciel Salú, juntamente com os produtores culturais Rute Pajeú e Danilo Carias, também soltou uma carta aberta ao prefeito. “Mais uma vez a cultura paga a conta. Como disse Gilberto Gil, ‘é preciso colocar a cultura na cesta básica brasileira’. A cultura precisa ser vista como é, essencial nas nossas vidas e necessária em todos os momentos, não só no entretenimento. No primeiro ano da pandemia, onde tanta gente deprimiu, a cultura foi que salvou muitas vidas através da música, dos livros, dos filmes, da dança, das artes, de modo geral. Suspender o São João, sobretudo nesse momento de retomada das atividades culturais de forma presencial, é tirar a esperança de quem vive de e para a cultura”, diz a parte inicial da publicação.
A vereadora Cida Pedrosa (PCdoB) convocou para esta quarta-feira, 1º de junho, às 10h, uma Reunião Pública Emergencial para discutir soluções para o ciclo junino, no Plenarinho da Câmara Municipal, junto à Comissão Especial para o Carnaval e São João. Haverá transmissão pela plataforma Zoom (o link será disponibilizado no dia). Cida, que é vice-líder do governo João Campos na Câmara, avaliou, em textos nas redes sociais, como “precipitada” a suspensão dos eventos juninos.
“Os fazedores de cultura estão em sofrimento material e emocional há dois anos e fazem parte dos que necessitam da nossa solidariedade e apoio. Os valores gastos nestas festas não justificam a suspensão e, para além disso tudo, para reconstruirmos nossa cidade precisamos de alegria e de esperança e a cultura foi quem propiciou isto na pandemia e é a cultura que pode nos alentar depois desta tragédia”, escreveu.
O vereador Ivan Moraes (PSOL) adiantou que a comissão irá sugerir à Prefeitura do Recife que dê início aos festejos juninos patrocinados pelo poder público no dia São Pedro, 29 de junho. A ideia é adiar os eventos, mas com garantia de que as festas aconteçam.
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Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com