Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Crédito: Brasil de Fato
Com o slogan “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, – trecho do evangelho de João -, Jair Messias Bolsonaro fez sua campanha em 2018 dirigida para o público evangélico e garantiu um grande percentual de votos que o colocou na presidência do Brasil. Desde então, líderes de igrejas evangélicas e católicos conservadores seguiram em permanente campanha em apoio ao presidente. Porém, a presença do ex-presidente Lula no embate eleitoral deste ano abalou a popularidade de Bolsonaro entre os cristãos.
De acordo com a última pesquisa Datafolha, divulgada no dia 23 de junho, 42% dos católicos pretendem votar em Lula e 20% em Bolsonaro. Entre os evangélicos, o atual presidente mantém vantagem, com 36% de intenções de votos contra 28% do petista. A pesquisa foi feita com 2.556 eleitores de 181 cidades do Brasil. Se compararmos o cenário atual com o das eleições passadas, é possível notar crescimento da intenção de votos no pré-candidato do PT.
Em 2018, de acordo com a pesquisa Datafolha sobre o perfil religioso dos eleitores, o candidato Fernando Haddad (PT) só ganhou para Bolsonaro entre as religiões afro-brasileiras e entre as pessoas que se autodeclaram sem religião e entre os ateus e agnósticos (e com uma diferença não muito significativa). Bolsonaro teve maioria dos votos entre evangélicos, católicos e espíritas. A diferença maior foi entre os evangélicos, onde Bolsonaro somou mais de 11 milhões de votos a mais que Haddad.
Para este ano, as pesquisas mostram que, além de diminuir a diferença de votos entre os evangélicos, o pré-candidato petista deve ter uma boa vantagem entre os católicos, o que pode ser decisivo nas eleições para garantir sua vitória.
No entanto, esse resultado depende do engajamento das igrejas e instituições religiosas nos debates políticos, como afirma o teólogo e biblista Marcelo Barros: “Desde muitas décadas, as igrejas cristãs procuram na sua metodologia de trabalho fornecer subsídios para os fiéis terem critérios de como votar. Não é justo, não é correto o padre ou pastor dizer em quem você deve votar, o voto é livre. Mas as igrejas tem, sim, a missão de ajudar o povo a formar critérios e insistir em pautas como ecologia, defesa da natureza, da água, da terra, a justiça para os povos originários e também exigir que os candidatos se comprometam com essas pautas”.
Membro do Fórum Diálogos pela Diversidade Religiosa e contra a Discriminação do Ministério Público de Pernambuco e da Comissão Teológica da Associação Ecumênica dos Teólogos do Terceiro Mundo, Marcelo Barros defende a comunhão entre política e religião e lamenta o resultado das últimas eleições presidenciais: “a eleição de 2018 era entre democracia e barbárie e houve muitos cristãos, evangélicos e católicos que votaram pela barbárie e que votam contra a democracia até hoje. Isso é certamente um escândalo para o mundo, é um contrassenso para quem busca a fé a partir dos evangelhos, da bíblia e da tradição mais profunda das igrejas cristãs. Se Deus existe ele só pode ser amor e se Deus é amor, não pode ser de direita”.
Mulher e negra. Esse é o perfil dominante das pessoas religiosas no Brasil, segundo a pesquisa Datafolha divulgada em 2020. Entre os evangélicos as mulheres são 58% dos membros. Já entre os católicos a diferença cai e as mulheres são 51%. A maioria dos brasileiros segue a religião católica, sendo 50% do total. Já os evangélicos correspondem a 31% da população.
Ainda de acordo com a pesquisa, o perfil evangélico é mais negro do que o católico e chega a representar 59% dos fiéis. A maioria dos evangélicos reside na Região Norte do país, onde Bolsonaro teve maioria dos votos válidos nas últimas eleições.
Apesar da pesquisa ter a pretensão de determinar um perfil dominante entre os religiosos, a pluralidade dos membros das diferentes crenças e religiões é fundamental para tentar entender o contexto social, cultural e econômico que é determinante nas eleições.
Mesmo que a maioria católica e evangélica tenha escolhido votar em Bolsonaro em 2018, isso não significa que o mesmo deve acontecer esse ano. A prova disso seria o crescimento de grupos como o Cristãos Contra o Fascismo, Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, Coalizão Evangélica contra Bolsonaro, Evangélicas pela Igualdade de Gênero e Evangélicxs pela Diversidade, além do aumento do número de pré-candidaturas de pessoas cristãs com ideais políticos progressistas.
“A vinculação da religião cristã ao autoritarismo é, a um só tempo, compreensível e questionável: se é verdade que diversos autoritarismos buscaram justificativas na religião cristã, é igualmente verdade que a religião cristã é morada de potências de liberdade e de subversão”, disse o pastor batista membro da Igreja Batista do Pinheiro, que pertence à Aliança de Batistas do Brasil (ABB), Kinno Cerqueira.
Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil,com validação pela Faculdade Diocesana de Mossoró, Kinno é um dos evangélicos que romperam com as tradicionais igrejas justamente por não aceitar certos posicionamentos políticos e resolveu alinhar sua vivência pastoral à ABB que, segundo ele, é “uma comunhão de igrejas dissidentes dos batistas hegemônicos, um testemunho de comunidades batistas que fizeram uma aliança de viver e lutar pela liberdade de todas as pessoas e do planeta”.
Essa nova ordem cristã, que chega para criar uma nova leitura e interpretação da Bíblia Sagrada e lançar um olhar crítico às atitudes de seu povo, também quer dialogar com a política por acreditar que “a política não é uma opção, é uma imposição existencial contra a qual não se pode lutar. A isenção política, tão bem quista por muitos religiosos, não é uma decisão política? Assim como o ativismo, a indiferença é uma decisão política, e das mais imorais”, como afirmou Kinno.
É possível ser cristã e ser a favor da legalização das drogas? Maria Tereza dos Santos, conhecida como Dona Tereza, tem convicção que sim. Integrante da Comunidade Cristã Ativa e da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, Dona Tereza decidiu ser pré-candidata a deputada estadual em Minas Gerais pelo PT nessas eleições para tornar ainda mais público e coletivo aquilo que ela acredita ser o maior propósito de Deus em sua vida: o amor ao próximo.
Mulher negra e com 63 anos de idade, a coragem de Dona Tereza é surpreendente, pois, onde chega faz questão de levantar a bandeira do antiproibicionismo.
“A questão de eu ser antiproibicionista leva algumas pessoas a questionar se eu sou cristã ou não, mas está lá na bíblia, quando Deus proibiu Eva de comer do fruto proibido, ela foi lá comeu e ainda deu a Adão, e isso mostra que o atrativo está justamente naquilo que é proibido, então, nós não devemos proibir e sim orientar e dialogar com as pessoas”, disse Dona Tereza.
“Não existe lógica essa proibição do uso de drogas porque ela desencadeou uma guerra que eles dão o nome de guerra às drogas, mas que nós, enquanto pessoas negras e periféricas, desprovidas de recursos financeiros, sabemos que é uma guerra contra a pobreza, é uma guerra que justifica o genocídio e o encarceramento da juventude periférica e negra desse país”, completou.
Para a pré-candidata, a escolha dos cristãos e evangélicos por Bolsonaro é extremamente contraditório pois suas atitudes não condizem com o que está escrito na bíblia: “como que o povo cristão consegue olhar na cara de um sujeito desse e achar que ele tem alguma coisa de Deus na vida dele? Ele prega o ódio, a desavença, o racismo, a homofobia. Eu acho que já tá na hora da gente deixar de dizer que é cristão e ser racista, não é? […] Bolsonaro é um cara desprovido daquilo que Deus mais pregou: o amor”.
Em Pernambuco, Ailce Moreira também se coloca como uma alternativa cristã progressista. Integrante da Igreja Batista de Coqueiral, a pré-candidata a deputada estadual pelo PSOL lamenta a generalização causada pelo resultado da última eleição e afirma que nem todos os cristão são conservadores.
“A gente precisa pensar que vivemos em uma sociedade onde as pessoas que frequentam a igreja são as mesmas pessoas que estão no mercado de trabalho, é o povo preto e periférico e também o dono da empresa, então, essas pessoas estão dentro da religião, crescem na igreja, mas também participam da política. A questão que deve ser priorizada agora é como fazer da relação entre política e religião algo que traga benefícios para toda a sociedade e não apenas para uma parcela dela, esse é esse nosso dever enquanto cristãos”, disse Ailce.
Para a pré-candidata o grande desafio das igrejas e dos cristãos progressistas agora é estabelecer um diálogo mais crítico e naturalizar o debate político nas instituições religiosas: “nesse contexto de polarização a gente já tem um juízo de valor e é muito mais fácil assumir que os cristãos são conservadores e por isso não merecem atenção do que se dispor a conversar e ouvir as pessoas”.
“O povo sofre na pele, sofre quando tem a casa invadida pela água, sofre quando ver a vida dos adolescentes serem ceifadas muito precoce, sofre por conta da política de drogas do nosso estado, então, a gente precisa trazer a memória essa vivência e assim construir um conhecimento político para que as pessoas estejam cientes e possam desenvolver suas próprias leituras”, concluiu a pré-candidata.
Ailce reforçou que a política não se faz apenas no período eleitoral, mas sim em todas as ações que proporcione a comunidade o poder de tomar e por em prática decisões determinantes para o seu convívio social, porque “o povo é capaz de criar seus próprios mecanismos de mobilização para mudar a dura realidade”. Ela cita o exemplo da Igreja Batista Coqueiral, da qual é membro, que, liderada pelo pastor José Marcos, promove ações de solidariedade e educação na Comunidade de Coqueiral, uma área periférica do Recife.
“A gente tem hoje uma série de cristãos que estão unidos para trazer à tona uma contra narrativa, uma narrativa de vida, de justiça e de combate às desigualdades, é para isso que estamos lançando as nossas pré-candidaturas”, finalizou Ailce Moreira.
Em diversos estados do Brasil é possível encontrar outros pré-candidatos e pré-candidatas cristãs progressistas, como afirma Ailce. Eis alguns cujas pré-candidaturas foram apresentadas:
Esta reportagem foi produzida com apoio do Report for the World, uma iniciativa do The GroundTruth Project.
Uma questão importante!
Colocar em prática um projeto jornalístico ousado como esse da cobertura das Eleições 2022 é caro. Precisamos do apoio das nossas leitoras e leitores para realizar tudo que planejamos com um mínimo de tranquilidade. Doe para a Marco Zero. É muito fácil. Você pode acessar nossapágina de doaçãoou, se preferir, usar nossoPIX (CNPJ: 28.660.021/0001-52). Nessa eleição, apoie o jornalismo que está do seu lado.
Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.