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E assim se passaram cinco anos desde a primeira vez em que a sociedade civil organizada disse seu mais sonoro, organizado e audaz não ao poder das empresas de construção civil na cidade do Recife. Em 2012, esse confronto parecia não somente impossível, mas também insólito e extravagante. Muita água passou pela bacia do Pina desde então. Hoje, até o encanamento da cidade conhece a relação estabelecida entre governantes e construtoras, em especial nos governos do PT e do PSB, tanto na esfera estadual quanto municipal nos últimos 10 anos. A peça mais notável dessa detestável relação é representada pelo Projeto Novo Recife, que se inviabilizou legal e moralmente – a crise econômica também parece ter jogado a última uma pá de cal no empreendimento.
A exposição desse envolvimento só foi possível graças às mobilizações no entorno do Cais José Estelita iniciadas em abril de 2012. Em 21 de maio de 2014 houve o início da derrubada dos galpões de açúcar do pátio rodoviário, o que demarcou uma forte reação popular que resultou na ocupação interna do terreno. Para comemorar essas importantes datas e seus frutos, o cais voltará a ser ocupado no próximo domingo, com uma programação variada de debates, oficinas, apresentações musicais e acrobáticas, lançamentos de livros, entre outras coisas.
O evento se reveste de ainda mais importância no contexto de golpe que o Brasil sofre e de possível recrudescimento do regime de exceção que se consolida todos os dias. É que as mobilizações contra o Projeto Novo Recife foram aos poucos ampliando o leque de reivindicações e pautas. A ocupação, em seu período mais intenso, lá pelos idos de 2014, aglutinou movimentos, coletivos e debates em torno do feminicídio, racismo, LGBTfobia, moradia popular, agroecologia, comércio ambulante, democratização dos meios de comunicação, entre outros.
Não por acaso, a organização do Ocupe+5, nome dado ao evento do domingo se pergunta: Que lutas cabem no Cais? Quais são as resistências possíveis? Quais são as táticas necessárias?
Apesar de contar com o inegável apoio da atual gestão da prefeitura, da inenarrável subserviência do PT e da segurança oferecida pelo aparato militar do Estado, o Projeto Novo Recife não se concretizou. Na verdade, uma geração de cidadãos encontrou na ‘luta pelo cais’ sua primeira formação política – e ainda que o Movimento Ocupe Estelita tenha se esgarçado, é possível afirmar que ele está presente em cada ocupação, ação direta e ações criativas que vêm emergindo na cidade.
O terreno do Cais José Estelita era propriedade da Rede Ferroviária Federal S.A. e foi vendido, em 2008, em um leilão que a Polícia Federal considera fraudulento. O comprador foi o consórcio Novo Recife, formado pela Queiroz Galvão, GL Empreendimentos e Ara Empreendimentos, além da Moura Dubeux – essa última tem sua cúpula investigada pela Operação Lava Jato.
Orçado em R$ 800 milhões, o projeto foi alvo de cinco ações judiciais que questionam sua legalidade. Um largo histórico de favorecimentos aos entes privados dessa novela foi protagonizado por políticos advindos do campo das esquerdas ou de partidos que eram, no passado, fiéis à ideia de que todo poder deve emanar do povo.
Ainda em 2014 eu escrevi: “Ao longo dos anos, o Projeto Novo Recife se firmou como um ícone do neodesenvolvimentismo implantado em Pernambuco pelo governador Eduardo Campos e que se caracterizou especialmente pela falta de diálogo com a sociedade, por um intenso processo de cooptação que exterminou a oposição legislativa, pela implementação de políticas públicas de forte impacto ambiental e social sem a necessária consulta às partes mais interessadas.
Um modus operandi que torna desnecessária a política e redefine a própria democracia, que passa a ser restrita aos membros das classes que se qualificam econômica, social e politicamente para o exercício da dominação. O legado de Eduardo Campos, que faleceu num acidente aéreo em agosto de 2014, é bem presente num conjunto de gestores, legisladores e políticos que vem dando continuidade a essa forma de lidar com o interesse público.
Os questionamentos judiciais, tanto na Justiça estadual quanto na esfera Federal, à ilegalidade do Projeto Novo Recife podem deixar isso mais claro. Tais ações questionam a lisura do terreno (motivo da ação Judicial movida pelo Ministério Público Federal); o parcelamento do terreno (Lei Federal No. 6.766/76 e Lei municipal no. 16.286/97); a ausência de Estudo de Impacto Ambiental (exigido por legislação municipal), e de Estudo de Impacto na Vizinhança, igualmente exigido por Lei, além da ausência das licenças do DNIT, Iphan e ANTT.”
Atualmente o Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH) e o Ministério Público Federal são autores de duas outras ações que procuram anular os efeitos do Plano Urbanístico que legaliza o Projeto Novo Recife. “Atualmente o terreno está sob júdice – por causa dessa montanha de entraves jurídicos – e paralisado por causa do embargo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”, afirma Tereza Lara Campos, advogada do CPDH.
Os graves prejuízos à urbanidade e ao patrimônio histórico que o Projeto Novo Recife provocaria reuniu profissionais liberais de várias áreas, arquitetos e urbanistas. Ao longo desses últimos cinco anos. “É uma verticalização completamente estranha ao território, à história e à paisagem”, afirma a professora do Mestrado em Desenvolvimento Urbano da UFPE, Lúcia Veras. “O Projeto Novo Recife não se volta pro bairro de São José e Santo Antônio, é um projeto estranho em vários sentidos, que não considera a função social da cidade, o bem estar das pessoas e a participação popular na definição do que é melhor para a cidade como um todo”, completa
Programação
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Luiz Carlos Pinto é jornalista formado em 1999, é também doutor em Sociologia pela UFPE e professor da Universidade Católica de Pernambuco. Pesquisa formas abertas de aprendizado com tecnologias e se interessa por sociologia da técnica. Como tal, procura transpor para o jornalismo tais interesses, em especial para tratar de questões relacionadas a disputas urbanas, desigualdade e exclusão social.