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Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo.
* Por Carmen Silva
Há 15 dias eu falei por aqui sobre a escalada da violência política promovida pelos bolsonaristas no contexto eleitoral e como ela se articula com as ameaças golpistas do presidente. Aquilo se confirmou, porém, foi fortemente rebatido pela sociedade civil e até por instituições do Estado. Vencemos uma batalha. Mas, com o nosso sistema político, quem nos dará as garantias democráticas?
Neste conflito, além de movimentos sociais e outras organizações da sociedade, os Tribunais Superiores, as forças armadas na ativa, a presidência do Senado, as associações de profissionais da polícia federal e da ABIN (quem diria?), deram sinais de não aceitação do golpe. Falam que setores empresariais também estão articulando uma nota pública. Tudo isso indica um certo isolamento do presidente.
Um golpe para se confirmar carece de apoio do mercado, das armas e também da comunicação corporativa. Não há como ser bem-sucedido sem o mínimo de respaldo popular. Não há maiores indicativos de uma quartelada. Todavia, isso não exclui as tentativas de golpe por dentro da institucionalidade, como a hipótese de uma mudança brusca de regime a partir de decisões no Congresso Nacional que leve a um consequente adiamento das eleições. Isso também necessita sustentação política, o que não está nítido no horizonte, mas quem nos garante? De que forma esse sistema político pode nos dar garantias democráticas?
A conjuntura da relação entre os poderes da República produz insegurança democrática. Mas, a estrutura geral também. A nossa República, nascida de um golpe militar, nunca foi suficientemente democrática. Exemplo disso é o fato de termos saído da ditadura militar sem justiça de transição. Do ponto de vista político-cultural isso contribuiu para apagar a memória do terror que, agora, volta nos assombrando com o neofascismo bolsonarista.
Outro exemplo gritante de quão pouco democrática é nossa democracia, é o grau de desigualdade em nosso país e a sub-representação nos poderes dos grupos sociais mais vulnerabilizados pelo patriarcado, pelo racismo e pelo sistema econômico que estrutura a nossa vida. Nós mulheres, sendo mais de 50% do eleitorado, somos apenas 15,8% no Congresso Nacional. De 27 governadores eleitos em 2018, apenas uma mulher. A sub-representação só aumenta se olharmos para as pessoas negras, os povos indígenas, as juventudes, a comunidade de pessoas que se contrapõe à ordem heterossexual e o binarismo de gênero.
E por qual razão nós mulheres temos uma presença tão pouco expressiva no poder político? Não acreditem que é por falta de vontade ou porque as almas femininas não nutrem tais desejos. Simplesmente o sistema político apresenta pouca disposição para rever a legislação que o rege, de forma que ela enfrente a desigualdade sexista estrutural em nossa sociedade. As poucas mudanças, conquistas do movimento feminista, como a cota de candidaturas por sexo e a recente obrigatoriedade de melhor partição de recursos e tempo de propaganda, se mostram insuficientes para uma mudança radical na representação das mulheres.
Nos espaços políticos dos movimentos sociais, nós mulheres, somos maioria. Quanto mais próximo do local é a instância do movimento, maior é a presença de mulheres. O mesmo ocorre nos partidos de esquerda. Já nas instâncias estaduais e nacionais tem o número bem menor de lideranças femininas. Isso vem mudando com as conquistas feministas de paridade entre os sexos nesses espaços políticos, porém, a concentração de poder nos homens também aí se faz sentir.
Isso ocorre porque nós mulheres ainda somos responsabilizadas socialmente pelo trabalho doméstico e pelos cuidados com crianças e idosos, isso exige tempo e presença constante. Além disso, o Estado não provê suficiente, serviços para cobrir as necessidades familiares de reprodução. Às mulheres restam fazer política com tempo escasso, exaustas pela sobrecarga e aproveitando apenas as possibilidades locais que nos mantém próximas aos nossos. Os espaços políticos, mesmo os de esquerda, pouco se responsabilizam pelo enfrentamento deste problema.
Como se isso não bastasse, somos ainda criadas para busca de harmonia e para não competição, em especial com os homens. Criadas para servi-los. Isso se traduz na política como limites subjetivos para assertividade ou como estigmas que nos perseguem no exercício do poder.
Para as mulheres que, apesar de tudo isso, se colocam integralmente no jogo e assumem a linha de frente das disputas, o sistema e os homens, reservam a violência política. São formas sutis ou nitidamente escancaradas de nos “colocar no devido lugar”, de bradar que a política não é para as fracas, para as mulheres. Só que não. Nós mulheres feministas declaramos alto e bom som: lugar de mulher é onde ela quiser!
Falei da sub-representação na política dos grupos sociais que enfrentam as desigualdades para chamar a atenção para os riscos que corremos. São as pessoas mais vulnerabilizadas que constituem o alvo preferencial das forças bolsonaristas. Nesta campanha eleitoral manteremos a presença da política com amor, do respeito aos adversários, mas não podemos aceitar mais nenhum sacrifício. Tanto a sub-representação, como a escalada da violência, só será enfrentada com a força popular negra e feminista nas ruas. A única garantia democrática que temos é nossa coragem de seguir lutando.
* Carmen Silva é socióloga, constrói o SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia, é militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.
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