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Para livrar camisa da seleção do estigma do bolsonarismo, Nike desrespeita direitos do consumidor

Inácio França / 15/08/2022
No salão oval da casa Branca, Jair Bolsonaro sorri para a câmera, enquanto Donald Trump exibe a camisa amarela da seleção brasileira com o número 10 sob o nome Trump nas costas.

Crédito: Isac Nóbrega/Agência Brasil

A Nike parece disposta a tudo para desvincular as cores da seleção brasileira do uso político e eleitoral. Até mesmo ferir os direitos do consumidor vale para tentar mudar a dissociar do bolsonarismo a camisa “canarinho”. A restrição não se limita aos nomes dos orixás, como está circulando desde nas redes sociais: Lula, Haddad e Tebet também não pode. Bolsonaro também não. Nem Fora Bozo. A palavra gay também esta vetada, mas a sigla LGBTQIA+ e suas derivadas podem ser usadas.

Até a noite de quinta-feira, 11 de agosto, o algoritmo do site da fornecedora da Confederação Brasileira do Futebol (CBF) ainda não havia bloqueado algumas palavras de ordem. Um designer pernambucano aproveitou a brecha e conseguiu requerer e R$ 34,98 pela personalização com o mote “Chora Bozo 13”. No dia seguinte, o banho de água fria vem na forma de um e-mail informando que, “devido ao alto volume de pedidos personalizados”, o dinheiro da personalização seria devolvido em forma de um vale-troca na próxima compra a ser feita no site.

O designer, que prefere não se identificar por questões profissionais, reclamou também da forma como será ressarcido. “A empresa não informa que tem restrições, não faz o serviço e quer me devolver o dinheiro em vale! Querem me obrigar outra compra em um site onde todos os produtos são caros. Se eu soubesse que não podia escolher ‘Chora Bozo’, acho que nem teria comprado a camisa pra não ser confundido com um bolsonarista”, reclama.

A camisa custa quase R$ 350 no site oficial, a personalização com um nome de até 10 caracteres custa mais R$ 14,99. Se o comprador quiser acrescentar um número, paga mais R$ 19,99. Nas simulações feitas pela Marco Zero, os números 13 e 22 também não são aceitos.

Em nota enviada para a Marco Zero, a Nike admite que realmente proíbe as customizações de “cunho político” e informa que há esclarecimentos no site sobre isso, mas não detalha que a informação está na página “Central de Ajuda”, bem distante da página usada pelos clientes interessados em compra o uniforme da seleção. O e-mail recebido pelo designer também não faz qualquer referências às restrições determinadas pela empresa.

Eis a nota da Nike na íntegra:

“A Nike, como descrito na própria página, não permite customizações com palavras que possam conter qualquer cunho religioso, político, racista ou mesmo palavrões. A falha no sistema que permitiu a customização de algumas palavras de cunho religioso está sendo corrigida. A marca reforça ainda que este sistema é atualizado periodicamente visando cobrir o maior número de palavras possíveis que se encaixem nesta regra”.

Sobre um fundo degradê que sobe do verde neon para o azul escuro, estão três pessoas usando camisas da seleção brasileira. À esquerda da imagem, o ex-jogador Ronaldo Fenômeno, visivelmente fora de forma, usa camisa amarela, calça azul e tênis branco. Ele sorri e segura o queixo com a mão esquerda. Ao centro, o jogador Phillipe Coutinho, um homem jovem e esbelto, usa camisa do modelo da nike, calção branco, meias azuis e chuteiras amarelas. Ele olha pra cima e com as mãos na altura do rosto, aponta os dedos indicadores para cima. No lado direito da imagem, está o cantor de rap Djonga, homem negro sorridente de pele escura, de cabelos bastante curto.

Nike usou até rapper Djonga, notório eleitor de Lula, no lançamento da camisa. Crédito: Divulgação/Nike

Como a Nike desrespeitou o consumidor

A Marco Zero procurou o advogado Cleodon Fonseca, pós-graduado em Direito Processual Civil. Especialista em Direito do Consumidor, Fonseca confirmou que a Nike não está cumprindo o que diz o Código de Defesa do Consumidor: “as restrições têm que estar à disposição do consumidor, visível e em destaque, e essas restrições tem que ser objetivas. Não pode haver restrições subjetivas e de caráter geral”. O advogado lembra que nem todas as limitações são definidas pelas empresas que realizam campanhas publicitárias para incrementar a venda dos seus produtos: “Alguns escritos recebem restrição legal, como incitação ao crime, afronta aos direitos, imagens e a pessoas ou mensagens que estimulem a discriminação, por exemplo”.

Em relação ao veto aos orixás e a liberação aos termos “Jesus” e “Cristo”, Fonseca advertiu para um mais grosseiro que teria sido cometido pela Nike. “Se a empresa apresentar restrição expressa nas regras de sua campanha contra qualquer manifestação religiosa e desde que essa restrição seja objetiva, clara, é possível, mas se não houver disposição expressa nesse sentido, a negativa caracteriza discriminação religiosa, sujeitando a empresa às consequências previstas na legislação”, explicou.

Mesmo sem conhecer os detalhes do caso específico do designer, apresentado nos primeiros parágrafos deste texto, o especialista orienta os clientes que se sentirem lesados pela empresa a “procurar os órgãos de defesa do consumidor como o Procon, que fiscaliza o cumprimento, pelas empresas, da legislação do consumidor, a delegacia do consumidor, que apura crimes previstos e o Juizado de pequenas causas, para fins de reparação de dano”.

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AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.