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Para o economista Francisco Menezes, a fome é uma das manifestações mais explícitas das desigualdades e só poderá ser eliminada com a ampla participação de representação de movimentos desses grupos sociais na definição das políticas voltadas para seu atendimento. Crédito: Zô Guimarães/ActionAid
Por Verônica Almeida*
O economista Francisco Menezes, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, avalia, nessa entrevista a Marco Zero Conteúdo, por que 58% dos brasileiros estão vivendo com algum grau de insegurança alimentar e como a desigualdade que se perpetua historicamente no Brasil encontrou acolhimento no desmonte de programas criados ao longo dos anos. Ele atualmente é analista de políticas púbicas na organização ActionAid, que integra a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), responsável pelo 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado em junho desse ano, mostrando avanço da fome entre as famílias.
MZ – A recente pesquisa divulgada pela Rede Penssan aponta que voltamos à década de 1990 em matéria de fome, com um aumento de 60% em relação aos últimos quatro anos de pessoas vivendo algum grau de insegurança alimentar. Como os 125,2 milhões de brasileiros (58%) e os 15% passando fome foram parar nessa situação?
FRANCISCO MENEZES – É importante lembrar que a pesquisa realizada pelo IBGE, utilizando a mesma metodologia adotada pela Rede Penssan, mostrou que em 2013 eram 22,9% dos brasileiros em insegurança alimentar, ou seja, bem menos da metade dessa proporção e que 4,2% passavam fome. Naquele momento as Nações Unidas consideraram o Brasil fora do Mapa da Fome. O que causou tamanho retrocesso? Certamente as grandes tragédias não têm nunca uma única causa. Não é correto atribuir exclusivamente à crise econômica ou à pandemia a responsabilidade sobre onde chegamos. Foram feitas escolhas políticas, que prevaleceram com a crise e durante a pandemia e que determinaram os resultados agora constatados pela pesquisa. Tais escolhas geraram desemprego, forte empobrecimento da população e o desmonte de políticas públicas, incluindo as de segurança alimentar. Isso começa em 2016 e se intensifica sobremaneira na vigência do atual governo. É evidente que a pandemia aguçou esse processo, mas também por conta da forma como foi enfrentada.
MZ – Por que sempre o Norte e o Nordeste se destacam negativamente?
FRANCISCO MENEZES – A insegurança alimentar, sobretudo em suas modalidades moderada e grave, está intimamente relacionada com a pobreza e a extrema pobreza. As regiões Norte e Nordeste sofrem mais fortemente os efeitos das desigualdades existentes no país, concentrando a pobreza. Com as escolhas políticas aqui mencionadas, esse quadro se agravou. Assinale-se que no caso da Amazônia não é de menor importância a política anti-ambiental que vem sendo praticada, criando dificuldades crescentes para a produção da pequena agricultura. E no Nordeste, a falta de prioridade para a população pobre da região, supostamente por razões políticas.
MZ – É possível fazer um recorte por Estado nesse inquérito? Qual seria a situação de Pernambuco?
O inquérito fez um recorte por estado e, em breve, será lançado um suplemento específico a respeito.
MZ – O senhor presidiu o Consea. Que falta o Conselho fez e faz num momento como esse?
FRANCISCO MENEZES – Faz muita falta. O Consea foi responsável pela criação ou avanço de algumas das principais políticas de segurança alimentar que o país estabeleceu entre 2003 e 2015. Na sua relação com os Conseas estaduais captava a realidade vivida nos diferentes territórios, encontrando denominadores comuns para as políticas públicas. Mas não acredito que fosse possível sua atuação no contexto de um governo que despreza a participação social.
MZ – Segundo o Inquérito da Rede Penssan, a fome atinge principalmente famílias formadas por mulheres e crianças, pretas e pardas, sem acesso à água e emprego e curiosamente do campo, onde são gerados alimentos. Por quê?
FRANCISCO MENEZES – Porque a fome é uma das manifestações mais explícitas das desigualdades. Só poderá ser eliminada, de fato, com radical redução dessas desigualdades e, muito, importante, com ampla participação de representação de movimentos desses grupos sociais na definição das políticas voltadas para seu atendimento.
MZ – Que políticas de Estado precisam ser urgentemente retomadas no Brasil antes que as novas gerações de crianças morram de fome?
FRANCISCO MENEZES – O enfrentamento da fome exige medidas urgentes com capacidade de trazerem resultados imediatos, ao lado daquelas que propiciem mudanças estruturais para de fato eliminar de forma definitiva a fome. A transferência de renda oferece resultados muito rápidos para o acesso aos alimentos. No quadro atual precisa-se substituir o Auxílio Brasil, que é um programa com muitos problemas de concepção por algo semelhante ao que era o Bolsa Família, mas com os valores da linha de ingresso e do repasse corrigidos acentuadamente. Outro programa de imediato impacto é o da Alimentação Escolar, que atende aproximadamente 41 milhões de alunos, com repercussões muito positivas para eles e, também suas famílias, que conseguem reduzir o custo da alimentação no domicílio. Além do que representa de mercado para a Agricultura Familiar e camponesa. Para este, é necessária uma correção significativa do per capita repassado pelo governo federal a municípios e estados. Vale dizer que a fome que hoje atinge a população mais jovem traz consequências no presente, mas também severos comprometimentos físicos e cognitivos dessa geração para o futuro.
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* Este conteúdo integra a série Eleições 2022: Escolha pelas Mulheres e pelas Crianças. Uma ação do Nós, Mulheres da Periferia, Alma Preta Jornalismo, Amazônia Real e Marco Zero Conteúdo, apoiada pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal
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