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Marinha tentou obrigar Suape a receber navio-fantasma, mas Justiça Federal não deixou

Inácio França / 10/11/2022

Crédito: Greenpeace

A Justiça Federal decidiu que a Marinha brasileira não poderá obrigar o porto de Suape a receber o casco do porta-aviões São Paulo, como o comandante da Capitania dos Portos, capitão de mar-e-guerra Frederico de Medeiros Vasconcelos Albuquerque, tentou fazer na quarta-feira, dia 9. A decisão do juiz Ubiratan de Couto Maurício atendeu ao pedido de tutela antecipada feito pelo Governo do Estado e pela administração do Complexo Industrial Portuário de Suape.

O juiz determinou que a empresa de transporte marítimo MTZ Inteligência Portuária suspenda “de imediato qualquer medida tendente a determinar a atracação forçada” ou, se a decisão for respeitada, “promova a imediata retirada da embarcação, arcando com todos os custos e riscos inerentes, sob pena de cometimento de crime de desobediência e responsabilização penal ambiental e responder pelos danos causados”. Além disso, a empresa deve pagar uma multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais) se insistir em atracar o que sobrou do navio.

Na manhã de quarta-feira, os gestores de Suape foram avisados pela Capitania dos Portos que, mesmo sem autorização de Suape, o rebocador Alp Centre iria levar o porta-aviões de 226 metros de comprimento – o maior navio usado pela Marinha do Brasil – para o porto. Esse procedimento recebe os nomes de “arribação forçada” ou “atracação arribada”.

Coincidentemente, ao mesmo tempo a empresa A MSK Maritime Services & Trading enviou nota para a MZ informando que “está em contato com as autoridades brasileiras para viabilizar uma solução definitiva para o transporte do porta-aviões São Paulo, observando os regramentos ambientais e os protocolos de saúde estabelecidos pelos órgãos nacionais, reiterando assim seu compromisso de empresa verde, voltado à economia de matéria-prima e recursos energéticos”.

A assessoria de comunicação da empresa explicou que a MSK é a empresa de transporte, “de acordo com a convenção da Basileia, contratada pelo estaleiro turco SOK, estaleiro aprovado pela Comunidade Europeia, com 31 anos de história, que atua na reciclagem de navios de forma ambientalmente segura”. A MTZ citada pelo juiz federal na sentença, por sua vez, seria a responsável pela operação.

Riscos múltiplos

Não foram só os riscos de um desastre ambiental que levaram as autoridades pernambucanas a recorrer à Justiça. É verdade que a possibilidade de haver bem mais do que 9,6 toneladas de amianto no navio (especialistas turcos calculam que há de 600 a 700 toneladas desse produto cancerígeno a bordo) associada ao cádmio radioativo na pintura do casco (o navio participou dos testes nucleares franceses no Pacífico) são os principais motivos do São Paulo ter sido barrado no estreito de Gibraltar e na Turquia, mas o Governo de Pernambuco avaliou outros riscos bastante plausíveis.

A petição enviada à Justiça Federal incluiu os prejuízos que o porto sofreria caso o navio encalhe ou naufrague no percurso até o atracadouro. Se isso acontecesse “no canal de acesso ou no berço do porto, (…) inviabilizaria toda a sua operação portuária”. Também foi considerado o risco da empresa turca decida abandonar a embarcação, passando o problema adiante.

O juiz federal Ubiratan Maurício também levou em conta o mais antigo questionamento das autoridades pernambucanas: “quando já estava quase chegando de volta ao Rio de Janeiro houve a proibição de regressar ao mesmo porto de onde ele partira pelo órgão máximo da navegação brasileira (Marinha do Brasil) e determinação que subisse a costa brasileira até o Porto de Suape, no litoral de Pernambuco, a mais de 1.500 quilômetros de distância”. Passados 35 dias, essa dúvida não foi esclarecida.

Além de todos esses problemas, a Polícia Federal e a administração portuária receberam denúncia de que o São Paulo pode estar sendo acusado para transportar toneladas de cocaína, que entraria no mercado europeu pelo porto de Aliaga, onde seria feito o desmanche definitivo do porta-aviões.

O uso de navios de guerra em fim de vida por traficantes internacionais vem sendo denunciado há meses pela mídia independente da Turquia. E, conforme a MZ revelou, os autores da denúncia foram jornalistas turcos, que se valeram de canais oficiais da Polícia e do governo pernambucano para registrar a suspeita.

Abastecimento

Impossibilitada de atracar o São Paulo, a empresa de transporte marítimo teve de buscar alternativa para abastecer o rebocador Alp Centre. Pela primeira vez desde que chegou à costa de pernambuco, a embarcação se aproximou do litoral e, depois de deixá-lo sob o suporte de dois rebocadores menores, Svitzer Denise e Svitzer Maria Darian, entrou na baia de Suape pouco antes das 17h de quarta-feira para ser reabastecido, saindo às 10h40min desta quinta-feira, 10 de novembro.

O vídeo abaixo registra o momento de partida do Alp Centre, já reabastecido e sem o porta-aviões a reboque:

Na manhã de quinta, a presença Alp Centre para abastecer gerou confusão entre as organizações turcas que monitoram o São Paulo 24 horas por dia. No Brasil, jornalistas, ambientalistas e trabalhadores portuários foram informados de que o casco contaminado do porta-aviões também estava em Suape. Representantes dos sindicatos e associações que representam os trabalhadores do porto enviaram notas solicitando que os gestores do porto mantenham a proibição do navio atracar.

Na Turquia, a mobilização para impedir que o São Paulo seja desmanchado na região de Yzmir (cujo nome ocidental é Esmirna) não se restringe a nota de repúdio ou a protesto de ONGs ambientalistas. Os riscos ambientais são tão altos que aglutinou um movimento de massas, incorporando as entidades de classe de médicos, enfermeiros, engenheiros da indústria naval, a ordem dos advogados local e até políticos de peso, como o prefeito metropolitano de Yzmir.

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AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.