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crédito: Anderson Stevens
Ainda sob o luto pelas perdas do ano passado, com lágrimas e revolta, moradores de áreas de risco de morros e encostas cobram da Prefeitura do Recife ações de prevenção para evitar mais mortes e prejuízos este ano. A estação chuvosa na Região Metropolitana do Recife é entre março e julho. A água ainda nem chegou forte, mas a população já relata que não está conseguindo dormir quando chove por causa do trauma, da preocupação e da ansiedade pelo que pode vir.Foi o que se viu hoje, na Câmara de Vereadores, durante a audiência pública puxada pela vereadora Liana Cirne (PT), presidente da Comissão de Meio Ambiente do legislativo municipal.
Até agora, o plano de contingência municipal de 2023 não foi divulgado pelo prefeito João Campos (PSB). Em maio passado, quando um total de 132 pessoas morreram no estado, a gestão só acionou o plano contra tragédia dois dias após o alerta de alto risco emitido pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão federal ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. O prefeito informou, nas redes sociais, na semana passada, que o plano deste ano será divulgado em breve para a população.
“A pobreza, a gente admite. A miséria, não”, disse, lembrando Dom Hélder Câmara, a Irmã Julita, de Chão de Estrelas, na zona norte. Julita é a senhora do lado esquerdo na foto que abre esta matéria. Ela perdeu móveis e eletrodomésticos nas chuvas do ano passado e, por isso, ainda está vivendo na casa paroquial.Além das perdas, ela relatou que uma senhora da comunidade, localizada em Campina do Barreto, enfrenta a esquistossomose, doença causada pelo caramujo e que acometeu a recifense depois das enchentes.
De acordo com o informe climatológico da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac) apresentado na audiência, a previsão média de precipitação para toda a Região Metropolitana do Recife (RMR) no próximo mês de maio é de 294,3 milímetros. Em termos comparativos, segundo boletim da própria APAC, a média em maio do ano passado foi de 328,9 especificamente na capital. O prognóstico do informe alerta que “podem ocorrer precipitações com intensidades moderadas a fortes” no período chuvoso da RMR.
Com recursos da ordem de R$ 1,3 bilhão do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), João Campos anunciou, em setembro, o Programa de Requalificação e Resiliência Urbana em Áreas de Vulnerabilidade Socioambiental (ProMorar). É o maior ciclo de investimento da história da capital para reconstrução de áreas atingidas pelas chuvas e urbanização de comunidades vulneráveis. Muitas ações já teriam sido realizadas, conforme um relatório do balanço 2022 apresentado pela secretária executiva de Planejamento e Gestão por Resultados, Pâmela Alves, na audiência (confira a lista mais abaixo). Pâmela é a mulher ao lado da Irmã Julita na foto que abre esta matéria. No entanto, recifenses relatam que os trabalhos ainda não chegaram em algumas áreas.
“Estamos invisíveis”, denunciou o morador Lula de Coqueiral, da zona oeste, com um documento da prefeitura atestando que o risco do bairro é equivalente ao de Jardim Monteverde, comunidade na fronteira entre Recife e Jaboatão dos Guararapes, onde mais morreu gente nas chuvas de 2022, 47 pessoas no total. Com 98 famílias em áreas de risco, o bairro tem 10 mil moradores, sendo que 60% estão no morro. “Vai fazer um ano do 28 de maio passado e, até agora, só a Defesa Civil foi lá, nenhum secretário foi. Esperamos que Coqueiral esteja no orçamento da prefeitura. Precisamos dormir tranquilos”, cobrou Lula.
A vereadora Liana lembrou que, no bairro, o nível da água chegou a ficar perto de dois metros em algumas localidades. “Foi muito rápido, subiu um metro em questão de meia hora, inclusive pelos ralos. As pessoas tiveram que ser salvas por botes do Instituto Solidário porque nem a Defesa Civil conseguiu chegar”, recorda.
“Chove na cidade toda, mas as áreas pobres são as que sofrem os impactos. Isso se chama racismo ambiental”, definiu a parlamentar, que é professora e lembrou os princípios fundamentais do direito ambiental da prevenção e participação popular. “Não acreditamos em soluções técnicas que não passem pela ouvida da sociedade civil”, enfatizou Liana.
Por causa das consequências das mudanças climáticas, Recife é a 16ª cidade do mundo e a primeira do Brasil a ser mais impactada pela elevação do nível do mar, segundo apontou relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) publicado no ano passado.Como mostrou a Marco Zero em matéria, sem ação de governos, mudança climática vai provocar novas tragédias no Grande Recife.
Representando as 27 comunidades integradas à Bacia do Rio Tejipió, Géssica Dias vem, há anos, protocolando requerimentos, ofícios e ações para chamar a atenção para os problemas da região. O Rio Tejipió, segundo palavras do próprio prefeito, é “o maior desafio de drenagem da cidade”. “São perdas de móveis e casas, mas também perdas simbólicas e afetivas, com um rebatimento muito forte na vida das pessoas”, colocou.
João Campos já tinha anunciado e Pâmela reforçou, na audiência desta quarta (15), que o alargamento do Tejipió, assim como dos rios Moxotó e Jiquiá, são algumas das obras contempladas com a verba do Promorar. No passado, a gestão deu início às intervenções nos bairros de Areias e Ipsep, nas zonas oeste e sul, respectivamente, que preveem a demolição de 107 imóveis construídos às margens do Tejipió, criando um parque alagável.
Entre as ações previstas no ProMorar, estão obras estruturadoras de habitação popular e de drenagem, com foco na mitigação dos alagamentos causados pelo aumento do nível dos rios, além de um plano de construção de encostas para evitar deslizamentos em áreas de morro.
Confira os números do relatório das ações de 2022 da prefeitura:
Presente da audiência pública, o vereador Ivan Moraes (PSOL) disse que sentiu falta, na apresentação da prefeitura, que só mostrou números, do georreferenciamento das obras listadas e em que elas se baseiam. “Por exemplo, quantas áreas de risco quatro (o maior de todos) ainda temos? Quantas delas estão sendo abordadas pela prefeitura? Precisamos saber quais são os critérios que estão sendo utilizados por trás dos números apresentados”, cobrou.
Alertando para o atraso da divulgação do plano de contingência deste ano, Ivan lembrou que, em 2022, escolas foram abertas pela própria população para servirem de abrigo. “Já temos colchões comprados? E cestas básicas? As pessoas que irão ouvir a sirene de alerta têm que saber para onde debem ir. Não adianta sinalizar a população por WhatsApp se ela não souber o que fazer”, provocou.
No dia 29, às 10h, o gabinete de Ivan fará uma outra audiência pública para falar sobre chuvas e plano de contingência da prefeitura.
Já o vereador Rinaldo Júnior (PSB), que também falou na audiência, defendeu que é necessário discutir urgentemente o plano de drenagem da cidade do Recife. “É o principal motivo de um bairro como Coqueiral sofrer com as chuvas todos os anos”, comparou. Ele citou um estudo de 2016 que previa que, para isso, seriam necessários investimentos da ordem de R$ 6 bilhões. “É praticamente o orçamento da cidade. É um recurso que o município não tem, mas é preciso achar soluções”, afirmou.
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Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com