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Crédito: Nando Chiappetta/Alepe
A Escola de Sargentos que deve ser erguida na Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe, na Região Metropolitana do Recife, teve sua primeira audiência pública presencial na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) nesta segunda-feira (6). O Exército apresentou o projeto à sociedade, garantiu o uso de tecnologias para diminuir os impactos e que haverá compensação ambiental. Mas foi criticado pela falta de respostas efetivas aos questionamentos que vêm sendo feitos por ambientalistas, alguns parlamentares, movimentos socioambientais e indígenas desde o anúncio do empreendimento, em 2021. São grupos que argumentam por uma alternativa locacional para que não haja desmatamento.
Puxada pelo deputado Renato Antunes (PL), a audiência não contou com representantes da sociedade civil na formação da mesa, composta por Exército, Governo de Pernambuco e deputados apoiadores do projeto. Segundo o parlamentar, este primeiro momento foi para que o Exército apresentasse a Escola. Uma segunda audiência, marcada para o dia 27 deste mês, será realizada para debater os impactos socioambientais e levar a sociedade civil à mesa.
O megaempreendimento das Forças Armadas, a 33 quilômetros da capital, será uma cidade militar, com capacidade de receber 6,2 mil pessoas, dentro da mata do Campo de Instrução Marechal Newton Cavalcanti (Cimnc), pertencente e preservada há décadas pelo próprio Exército. Um investimento de quase R$ 1,8 bilhão. O local é tratado como uma espécie de santuário por abrigar mata atlântica regenerada, nascentes e mananciais que alimentam o Sistema Botafogo, responsável por prover água a um milhão de pessoas na Metropolitana Norte.
A pressão é para que o Exército detalhe a fundo para a sociedade como os impactos serão minimizados, como e onde pretende fazer o processo de compensação ambiental “conforme legislação em vigor” e se vem levando em consideração alternativas de locais para que Pernambuco receba a Escola, mas que não precise haver desmatamento de mata atlântica regenerada.
Segundo mostrou o general Joarez Alves Pereira Júnior em apresentação na audiência pública, será preciso desmatar 130 hectares, o equivalente a 1% da Mata do Cimnc. O general garantiu “transparência” e “legalidade” no processo de planejamento e construção e destacou a vinda da Escola como importante para Pernambuco e o Nordeste. “O projeto motiva o desenvolvimento regional do Oeste Metropolitano”, disse.
De acordo com Juarez, a previsão é injetar mais de R$ 200 milhões ao ano na economia só considerando a folha militar, além de R$ 30 milhões anuais em contratação de serviços diversos. A previsão é que a construção gere 11 mil empregos diretos.
Entre os pontos para diminuir os impactos ambientais na APA, ele afirmou que não serão usadas áreas restritivas, serão criados corredores ecológicos e haverá semiverticalização das obras. “Foi o Exército que cuidou dessa área, não faz sentido querer degradar o que cuida há mais de 70 anos”, defendeu.
“Hoje (o Exército) tem três boas opções, mas prioriza e faz força para vir para Pernambuco”, comentou, referindo-se aos concorrentes Ponta Grossa, no Paraná, e Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
O deputado João Paulo (PT), assim como a deputada Dani Portela (Psol) e o vereador do Recife Ivan Moraes (Psol) subiram à tribuna para questionar o projeto e pressionar pelo desmatamento zero. “Como serão solucionados os problemas graves colocados pela comunidade?”, provocou João Paulo. “Espero que, na próxima audiência, possamos pinçar todas as questões e os pontos a serem esclarecidos”, falou.
Ele finalizou deixando duas questões feitas pelos movimentos socioambientais: “Como será melhorado o reservatório Botafogo após o desmatamento para a Escola de Sargentos? Existiu alguma discussão das alternativas locacionais apresentadas pelo Fórum Socioambiental de Aldeia? Qual o maior obstáculo dessa alternativa?”
Dani Portela criticou a forma como as audiências foram planejadas, com dois dias diferentes: “Questões sociais e ambientais não podem ser apartadas”. Ela indicou que, no dia 27, será preciso avançar sobre os consensos necessários e os detalhes das contrapartidas. “Qual o impacto real na vida das pessoas e no meio ambiente? Qual a contrapartida do governo do Estado no diálogo com o Exército para que o impacto não prejudique Pernambuco?”, questionou.
“Não podemos prescindir de 130 ha de mata atlântica nem de mananciais que garantem água na torneira das pessoas”, protestou Ivan Moraes. Ele frisou que os grupos não se opõem à vinda da Escola, mas lembrou que é preciso pensar através da ciência e para além somente do montante de dinheiro que virá para o estado.
Se saírem do papel, a Escola e a construção do Arco Metropolitano irão desmatar mais de 336 mil árvores em área de mata atlântica, um dos biomas mais ameaçados do planeta e do qual, no estado, só restam 15% da cobertura original. Essa foi uma das conclusões do estudo realizado pelas universidades Federal de Pernambuco (UFPE), Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Federal de Alagoas (Ufal) e o Fórum Socioambiental de Aldeia. “Não vamos conseguir, mesmo que a ideia seja nobre, resolver isso com compensação ambiental”, firmou Herbert, presidente do Fórum Socioambiental de Aldeia e integrante do Conselho Gestor da APA Aldeia-Beberibe.
O Fórum reúne moradores e amigos da APA, cujo território se espalha por oito municípios (Abreu e Lima, Araçoiaba, Camaragibe, Igarassu, Paudalho, Paulista, Recife e São Lourenço da Mata).
“É possível construir sem desmatar”, reforçou Herbert. Ele será um dos principais nomes a fazer contrapontos e apresentar dados na audiência do dia 27. “Não se pode cumprir esse compromisso da legislação ambiental mantendo a localização pensada originalmente”, manifestou.
Lembrando que a APA Aldeia-Beberibe conta com todo um contexto de proteção, a técnica da CPRH e gestora da unidade, Cinthia Lima, deixou um reflexão: para além da legalidade, as ações “são também convenientes e moralmente aceitáveis enquanto vemos a Amazônia secando e o Sul do país debaixo d’água?”
Presente à mesa, a Secretária Estadual de Meio Ambiente, Sustentabilidade e de Fernando de Noronha, Ana Luiza Ferreira, lembrou o Grupo de Trabalho criado pela governadora Raquel Lyra (PSDB) e acenou para ambos os lados, as Forças Armadas e os ambientalistas. Assegurando que os desafios serão tratados com “transparência, seriedade, participação e diálogo social”, disse que o projeto é de “grande impacto estruturador para o Estado” e que “a compensação ambiental não ira para debaixo do tapete”.
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Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com