Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Crédito: Inês Campelo/MZ
Ainda é difícil mensurar os reais prejuízos causados pela instabilidade das minas de sal-gema, operadas pela Braskem, em Maceió. O maior desastre socioambiental em áreas urbanas do mundo na atualidade afetou, diretamente, mais de 55 mil pessoas que foram obrigadas a desocupar suas residências nos bairros do Mutange, Bom Parto, Bebedouro, Pinheiro e parte do Farol. O tamanho dos impactos sociais, ambientais, econômicos e culturais ocasionados é desconhecido, até porque o desastre ainda está em curso. Mas as primeiras contas já começam a ser feitas.
A Associação do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), em carta protocolada no Ministério Público Estadual de Alagoas, na última quarta-feira (6), calcula que seriam necessários mais de R$ 30 bilhões para compensar os prejuízos materiais e imateriais diretos das vítimas. Para chegar a esse valor, o MUVB usou como base princípios estabelecidos pela legislação internacional e nacional que orientam a atuação de envolvidos em tragédias ambientais. São princípios como o respeito a uma abordagem baseada nos direitos humanos, ao princípio da reconstrução melhor, da reparação integral, da centralidade do sofrimento da vítima, da precaução, do poluidor-pagador e da participação comunitária, entre outros.
Quando o MUVB coloca na conta da Braskem as perdas dos empreendedores e dos trabalhadores que, eventualmente, não tiveram seus direitos pagos, tanto nas áreas atingidas quanto nas remanescentes no entorno, o montante devido às vítimas ultrapassa mais de R$ 40 bilhões.
Segundo a própria Braskem, até abril de 2023 foram identificadas 14.536 propriedades na área afetada. Deste total, 17.927 propostas foram aceitas, 585 em reanálise, 353 aguardando resposta do morador e 92 recusadas.
As perdas, obviamente, são muito maiores do que as relatadas na carta. Isso porque, o impacto financeiro causado pelo desastre da Braskem afeta, direta ou indiretamente, toda Maceió. Natallya Levino, professora do Departamento de Administração da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), desde 2021 coordena o projeto “Análise quali-quantitativa dos incidentes ocasionados pela mineradora Braskem em Maceió-AL sob a perspectiva da sustentabilidade em suas dimensões econômica, social e ambiental”. Uma das organizadoras do livro “A cidade engolida – uma discussão inicial do afundamento dos bairros em Maceió pela extração de sal-gema” (que inspirou o título desta reportagem), ela reconhece que ainda não é possível ter uma visão abrangente de todo impacto. “Temos material para muitos anos de estudo”.
De qualquer forma, segundo ela, já é possível listar uma série de problemas econômicos que impactam toda cidade. “Esse desastre industrial gerou vários impactos, como o encerramento das atividades de algumas empresas locais, redução da lucratividade das empresas do entorno, choque psicológico devido ao despejo de residências e modificação estrutural do ambiente”. O grupo de pesquisa do qual Natallya faz parte vem estudando atentamente essas questões, mas tem encontrado dificuldade de ter acesso aos dados necessários. “A Braskem detém essas informações. É uma guerra para consegui-las”, lamenta.
Com o desastre ambiental em curso, 14 hectares da laguna Mundaú encontram-se interditados. Houve a destruição de cinco bairros tradicionais e do patrimônio histórico. Foram perdidas ruas, praças, infraestrutura elétrica, de água e gás. Foram extintas dez linhas de ônibus, bem como um trecho em que passava o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT)
O comércio, principalmente os pequenos, foram duramente afetados com o processo de evacuação dos bairros, já que dependiam do fluxo de moradores que ia diminuindo à medida que as pessoas faziam os acordos e iam deixando suas casas. Isso afetou também os estabelecimentos situados “na borda” da área atingida, que mesmo estando em bairros que não precisaram ser evacuados, tiveram o movimento drasticamente reduzido sem nenhum tipo de compensação.
Mesmo depois de terem sido indenizados e mudado para outros bairros, reabrir o negócio não é uma questão simples. Natallya relata que ouviu de um dos entrevistados para a pesquisa, proprietário de uma tradicional padaria no bairro de Pinheiro, que ele não conseguiu abrir o estabelecimento em outro lugar. Segundo o antigo proprietário, padaria é um negócio que exige fidelização do público. E quando ele chegou no novo bairro, já existiam outras muito bem estabelecidas por lá.
Na esteira do fechamento das empresas veio a demissão dos funcionários, muitos sem o pagamento dos devidos direitos trabalhistas. Quantos foram, ainda não dá para quantificar. Isso porque, todo esse processo de evacuação dos bairros ocorreu paralelo à pandemia de covid-19. Fica difícil, sem os dados mais precisos que só a Braskem possui, separar o que foi causado por uma coisa ou por outra.
O fechamento dos negócios e a evacuação de quase 15 mil propriedades gerou um impacto fiscal com a redução da arrecadação, já que a prefeitura deixou de cobrar IPTU e ISS. Menos arrecadação significa menos investimento por parte do poder público, afetando, em última instância, toda a população.
Outro problema verificado por Natallya, com base no grupo de pesquisa, é a dificuldade de manutenção do padrão de vida das famílias que deixaram suas casas. Com o aumento da demanda em outros bairros, Maceió sofre com a inflação imobiliária. Os preços dos imóveis valorizaram de tal maneira que muitas famílias não conseguem mais adquirir um imóvel equivalente ao seu com o valor da indenização. No processo de levantamento de dados, os pesquisadores chegaram a ligar para as imobiliárias sondando os preços cobrados. Houve casos do atendente perguntar se o provável comprador era de Pinheiro. Se fosse, o preço seria maior.
A bolha imobiliária que se formou em Maceió, inflada pela lei da oferta e da procura, transformou a capital alagoana no metro quadrado médio mais caro do Nordeste. Em outubro de 2023, segundo o índice FipeZap+, da Fundação de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo, em parceria com a empresa Zap Imóveis, o preço médio do metro quadrado na cidade era de R$ 8.104,00. Em outubro de 2019, antes do início do pagamento das indenizações pela Braskem, o valor do mesmo metro quadrado era de R$ 4.738. Em quatro anos, houve uma variação de 71,04%.
Quem não pôde comprar ou alugar um novo imóvel em Maceió foi obrigado a procurar algo mais em conta nas cidades vizinhas. Desde o início das evacuações, cerca de 15 mil pessoas trocaram a capital por outras cidades, principalmente, da Região Metropolitana, quase sempre indo viver em situações piores do que já tinham. “As populações mais vulneráveis são duplamente penalizadas. Porque foram para lugares onde já existia deficiência dos aparelhos públicos”, explica Natallya. Com o aumento forçado da população a tendência é haver uma piora neste tipo de serviço.
O risco iminente de colapso da mina 18, localizada na região do Mutange, deu dimensão nacional ao desastre ambiental em curso em Maceió. De uma hora para outra, o problema que atormenta a vida dos alagoanos há mais de cinco anos ganhou as manchetes dos telejornais e as capas dos jornais de todo país. Se por um lado a publicidade ajuda a mobilizar a sociedade em busca de soluções para a tragédia provocada pela mineração da Braskem, por outro começa a gerar um efeito colateral que assusta as autoridades, empresários e parte significativa da população local: a diminuição no número de turistas.
Isto é um fato relevante. Para se ter uma ideia do peso do turismo para o estado, em 2022, segundo dados da Secretaria de Estado do Turismo (Setur), a atividade injetou R$ 4,5 bilhões na economia alagoana. Foram mais de 2,3 milhões de turistas que colocaram a capital alagoana como um dos principais destinos turísticos do país. Ainda é cedo para uma avaliação mais precisa das perdas causadas pelo risco de colapso, mas alguns indícios já podem ser observados.
A dupla Jorge e Mateus, por exemplo, cancelou o show que aconteceria no sábado (9), em Maceió, alegando que “este não se trata de um momento para festejar na cidade”, referindo-se ao risco iminente de colapso da mina 18. Segundo a empresa organizadora do evento, 8.753 pessoas já haviam adquirido ingressos para ouvir os cantores sertanejos.
Os impactos também já podem ser sentidos pelos pequenos comerciantes que dependem do turismo para sobreviver. O bairro do Pontal da Barra, onde está localizada uma unidade da Braskem que produz cloro, soda cáustica e o composto químico dicloretano a partir da sal-gema, é famoso pelo trabalho feito por suas rendeiras. Localizado às margens da Lagoa Mundaú, a região possui cerca de 200 lojas que sempre atraíram muitos turistas pela excelência e originalidade das peças vendidas.
Mas desde o dia 29 de novembro, quando foi anunciado o risco de colapso iminente da mina 18, que o número de turistas diminuiu. Guilhermina dos Santos, que há dez anos vende rendas na rua principal do bairro, calcula que o movimento caiu cerca de 60% desde o início do mês. Ela conta que na quinta-feira, por exemplo, um navio repleto de turista atracou em Maceió. Quando isso acontece, cerca de dez ônibus levam os potenciais compradores para o bairro que se mobiliza todo pra atender a demanda. Dessa vez, apenas um ônibus apareceu. “Abrimos as lojas mais cedo, mas tudo ficou vazio”, lamentou.
Segundo ela, outro fato que contribuiu para o afastamento dos turistas foi a proibição, por medida de segurança, dos passeios de barco pela lagoa que partiam do bairro. “Maceió é uma cidade turística, uma das mais desejadas do Brasil. Mas quando chega uma bomba dessas, quem sofre? Todos nós. Os turistas não entendem que estamos do outro lado da lagoa, em uma área que não oferece perigo”.
Agora, Guilhermina e o marido Rafael estão preocupados com os prejuízos se as coisas continuarem assim. “Tá chegando janeiro, que é o mês tradicionalmente com maior movimento para nós, por conta das férias e do verão. Nós já fizemos um investimento, aumentando em cerca de 40% no nosso estoque. Estamos com medo”, confessa Guilhermina.
Uma questão importante!
Se você chegou até aqui, já deve saber que colocar em prática um projeto jornalístico ousado custa caro. Precisamos do apoio das nossas leitoras e leitores para realizar tudo que planejamos com um mínimo de tranquilidade. Doe para a Marco Zero. É muito fácil. Você pode acessar nossa página de doação ou, se preferir, usar nosso PIX (CNPJ: 28.660.021/0001-52).
Apoie o jornalismo que está do seu lado
Sérgio Miguel Buarque é Coordenador Executivo da Marco Zero Conteúdo. Formado em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco, trabalhou no Diario de Pernambuco entre 1998 e 2014. Começou a carreira como repórter da editoria de Esportes onde, em 2002, passou a ser editor-assistente. Ocupou ainda os cargos de editor-executivo (2007 a 2014) e de editor de Política (2004 a 2007). Em 2011, concluiu o curso Master em Jornalismo Digital pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais.