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Convênio para monitorar surucucu está travado na CPRH

Apesar de dois acidentes com a espécie no intervalo de 10 dias, agência ambiental não tem data para assinar acordo

Raíssa Ebrahim / 19/03/2024
Foto colorida de cobra com padrões de cores marrom e preto sobre uma superfície plana. A cobra está sobre uma superfície que parece ser feita de madeira ou material similar. Há um objeto metálico na superfície, possivelmente parte de uma gaiola ou estrutura semelhante. Ao fundo, há um pedaço de tapete verde que se assemelha a grama artificial anexado à parede. Existem tubos verdes saindo da parede coberta pelo tapete verde, possivelmente para ventilação.

Crédito: Divulgação CPRH

Aldeia, na Região Metropolitana do Recife, registrou, no último sábado (16), o segundo acidente com surucucu num intervalo de dez dias. Uma serpente filhote picou um cachorro num condomínio localizado no quilômetro oito da Estrada de Aldeia. A espécie, que pode chegar a três metros de comprimento, é considerada a maior cobra peçonhenta das Américas e a segunda do mundo, atrás apenas da cobra-rei. Enquanto isso, está parada na mesa do diretor-presidente da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), José de Anchieta dos Santos, a minuta de um acordo de cooperação com a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) para monitorar a surucucu.

O animal (surucucu-pico-de-jaca), ameaçado de extinção, vive escondido em florestas densas, mas tem aparecido em meio urbano como consequência do desmatamento, alertam especialistas.

Pesquisadores do Laboratório Interdisciplinar de Anfíbios e Répteis da Rural (Liar/UFRPE) vêm desempenhando um trabalho pioneiro com a surucucu no estado e aguardam que a CPRH assine o acordo para que possam ter acesso a equipamentos essenciais nessa missão, como rádios, antenas e sensores de medição de temperatura e umidade em tempo real. Há dez cobras adultas da espécie, com cerca de dois metros, aguardando em cativeiro (cinco machos e cinco fêmeas) para poderem ser liberadas de volta para a mata. O acordo prevê que a CPRH utilize verbas oriundas de compensação ambiental para bancar os equipamentos.

No dia 6 de março, um homem foi mordido por uma surucucu, também filhote, no tornozelo, nas imediações do quilômetro cinco da Estrada de Aldeia. Ele foi levado ao Hospital da Restauração, unidade de referência para esse tipo de acidente, e lá recebeu, seguindo o protocolo, 20 ampolas de soro produzido pelo Butantan, em São Paulo. O homem teve dor intensa, queimor, náusea e diarreia. Após o fato, o animal foi morto por um caseiro. Já o cachorro picado foi internado, teve convulsões, mas sobreviveu.

Foto colorida de uma cobra com padrões coloridos preto e marrom avermelhado repousando na grama. A cobra tem um corpo robusto e sua pele apresenta um padrão intricado que se destaca contra o verde da grama. A grama é curta e densa, indicando que pode ser um jardim ou parque bem cuidado. A iluminação é natural e brilhante, sugerindo que a foto foi tirada durante o dia sob a luz do sol.

Surucucu pode chegar a três metros

Crédito: Liar/UFRPE

Segundo o Butantan, o veneno da cobra tem ação citotóxica, coagulante, hemorrágica e neurotóxica. Provoca reações similares às causadas pelo veneno das jararacas, como inchaço, dor local, necrose, problemas de coagulação, hipotensão, além de diarreia e diminuição do ritmo cardíaco, podendo levar ao choque e, em casos graves, até mesmo ao óbito. A única forma de tratamento contra a picada de surucucu é o soro antibotrópico-laquético.

“Pedimos urgência para podemos fazer esse trabalho, pois os animais não podem ficar muito tempo em cativeiro”, afirma a professora Ednilza Maranhão, do Departamento de Biologia da universidade e membro do Liar. As serpentes estão num criatório autorizado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pela CPRH. Sem verba, alerta, fica difícil seguir com as atividades. “Fazemos às vezes o trabalho tirando dinheiro do bolso”, comenta a professora.

À Marco Zero, a CPRH disse que “de acordo com as informações da Diretoria, o convênio será assinado, mas não há ainda uma data agendada”. A agência estadual não respondeu ao questionamento do que está sendo feito diante de mais um registro de acidente com surucucu em Aldeia.

Ao explicar os motivos da aparição da surucucu em ambiente urbano, Ednilza logo alerta: “As áreas em que os bichos estão são áreas deles”. Acontece que localidades como Aldeia e Paudalho são lugares que têm passado por uma expressiva supressão de vegetação nos últimos anos para construção de condomínios e empreedimentos. Com a construção da Escola de Sargentos na Área de Proteção Ambiental Aldeia-Beberibe, a previsão é que mais áreas sejam desmatadas pelo megaprojeto do Exército.

“Existem outros aspectos que estamos estudando, relacionados, por exemplo às mudanças do clima”, complementa. Mas ela frisa como principal causa a questão do desmatamento feito muitas vezes de forma ilegal, dentro de unidade de conversação, sem autorização e sem levar em consideração o plano de manejo. “As pessoas moram em Aldeia porque querem verde, mas, nesse verde, existem animais e toda uma biota necessária para se ter essa qualidade de vida”, enfatiza.

A especialista explica ainda que a surucuru está perdendo espaço e, por isso, precisa se deslocar atrás de alimento. Ela come pequenos roedores, como ratos. “Temos registros extremamente atípicos na América do Sul de surucucu dentro de casa”, diz Ednilza. Segundo o Butatan, a surucucu prefere regiões úmidas e com pouca presença humana, o que resulta em um baixo número de encontros e, como consequência, de picadas em pessoas. Por esse motivo, menos de 2% dos acidentes ofídicos registrados recentemente no Brasil foram causados pela espécie.

Como identificar a surucucu e o que fazer

A surucucu chama a atenção pela sua beleza e pelo seu tamanho. Possui cor alaranjada contrastando com manchas escuras ao longo de seu dorso e tem, no final de sua cauda, escamas arrepiadas. As escamas são semelhantes à casca de uma jaca, daí o nome popular da espécie (surucucu-pico-de-jaca). De acordo com o Butantan, ela pode ser encontrada em grande parte da Amazônia, nos estados do Amapá, Amazonas, Acre, Pará, Rondônia, Roraima e Mato Grosso; e na zona norte da Mata Atlântica, entre os estados do Ceará e o Rio de Janeiro. Alimenta-se exclusivamente de mamíferos, em geral pequenos e médios roedores, como ratos, camundongos, pacas e cotias.

Caso veja uma surucucu, a orientação é não mexer nem matar a serpente. Entrar em contato com:

1. Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetras): (81) 3182-9022

2. Brigada Ambiental da Guarda Municipal de Camaragibe: 153

3. Companhia Independente de Policiamento do Meio Ambiente (Cipoma), da Polícia Militar: 190

4. Delegacia de Polícia do Meio Ambiente (Depoma): (81) 3184-7119

5. Em caso de acidentes com surucucu ou qualquer serpente peçonhenta, levar a pessoa imediatamente ao Hospital da Restauração, caso esteja na Região Metropolitana do Recife.

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com