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No dia 20 de março, a página de Instagram do leiloeiro Diogo Martins fez uma postagem inusitada. No meio de apartamentos e casas indo a leilão judicial, havia um lote de terreno em frente ao açude de Apipucos, na zona norte do Recife. Tratava-se de um pedaço do Parque de Apipucos. O terreno estava indo a leilão por R$ 3,8 milhões no primeiro pregão, que seria no dia 2 de abril. Se não fosse vendido, o valor do lance mínimo cairia para R$ 1,9 milhão em novo leilão marcado para o dia 9 de abril.
O leilão do terreno foi solicitado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) para pagar uma dívida da construtora Conic com o banco Santander. Com vários processos na Justiça, diversos ativos da construtora estão indo a leilões judiciais, inclusive móveis de onde por décadas funcionou a sede da construtora, no bairro dos Aflitos.
Mas como um terreno público – de um parque municipal que inclusive está concedido à gestão de uma empresa privada – foi acabar no site de leilões?
O terreno onde, desde 2012, existe o Parque de Apipucos veio da desapropriação de dois imóveis durante a gestão do ex-prefeito João da Costa (PT). Em abril de 2011 foram desapropriados os lotes de números 1031 e 687 da rua Apipucos. Na época, a ideia era que a área integrasse o Projeto Capibaribe Melhor, que foi um conjunto de ações urbanísticas com financiamento do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD).
De acordo com nota da Prefeitura do Recife à Marco Zero, a área que estava para ser leiloada, o Lote 1-B, foi “cedida à gestão municipal em 2020 como medida de mitigação da área de construção civil da iniciativa privada”. Porém, essa doação para a Prefeitura não consta na certidão do imóvel, à qual a Marco Zero teve acesso.
Ou seja, a prefeitura recebeu a doação, mas não a registrou em cartório. Por conta disso, o terreno entrou como pertencente à construtora Conic e foi levado à leilão pela Justiça para pagar dívidas da construtora.
A prefeitura do Recife não estava ciente sobre o leilão do terreno de parte do parque até a MZ solicitar uma nota sobre o fato, na sexta-feira passada. A prefeitura então entrou com um processo de pedido de suspensão da área leiloada, o que foi atendido ontem (25) pela 31ª Vara Cível do Recife, que cancelou o leilão do imóvel. Segundo a assessoria do TJPE, ainda cabe recurso contra a decisão judicial de cancelamento da penhora e do leilão do imóvel
Estacionamento do parque iria a leilão por R$ 3,8 milhões
Crédito: ReproduçãoO terreno que estava indo a leilão é um desmembramento do imóvel 687 e possui 70 metros de frente e 50 metros de fundo, totalizando 3,5 mil metros quadrados, ocupando boa parte do estacionamento do parque. Quando foi inaugurado, a prefeitura anunciou que o estacionamento do parque seria grande para receber ônibus de excursões de estudantes, já que ali funcionaria um polo recreativo-cultural com foco em educação ambiental. Isso acabou não se concretizando.
O lote que estava à venda por leilão integra a concessão por 30 anos pela prefeitura do Recife para a concessionária Viva Parques do Brasil. Os planos da empresa incluem a construção de um cinema e teatro ao ar livre no Parque de Apipucos. Procurada pela Marco Zero na sexta-feira passada, a empresa também não sabia do leilão do terreno.A MZ tentou falar com representantes da construtora Conic por telefone e e-mail, mas não conseguiu contato.
Nesta terça-feira (25/03), a 31ª Vara Cível do Recife decidiu cancelar a penhora e o leilão do imóvel, o Lote 1-B, em atendimento à petição protocolada pela Prefeitura do Recife, no qual o ente municipal alega que o imóvel seria público e de sua propriedade. Diante disso, a penhora e o leilão do imóvel estão cancelados até nova decisão judicial. Ainda cabe recurso contra a decisão judicial de cancelamento da penhora e do leilão do imóvel.
A Assessoria de Comunicação do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) também esclarece que todos os imóveis que são levados a leilão passam por verificação de propriedade, com a conferência da certidão de registro do imóvel em cartório, principal documento exigido para esse fim. O documento também fica disponível para conferência em cartório para todos os interessados em participar de leilão de imóveis.
Cabe ao edital publicado pelo Poder Judiciário indicar a matrícula na qual o imóvel foi registrado em cartório, para que o interessado possa solicitar a emissão de uma nova certidão e acessar todos os dados presentes no documento, como atual proprietário, antigos proprietários e todas as operações realizadas, como financiamentos, hipotecas e doações. O próprio processo que dá origem ao leilão também é público e pode ser consultado por qualquer pessoa interessada.
No caso do processo de nº 0018601-22.2020.8.17.2001, o edital referente ao leilão indica o número da certidão de inteiro teor do imóvel, nº 10.311, registrada no 3º Ofício de Registro de Imóveis do Recife, referente ao Lote 1-B, situado à Rua Apipucos, bairro de Apipucos, freguesia do Poço, Recife/PE, de 70m de frente e fundos e 50m de lados direito e esquerdo, totalizando 3.500m² de área total, com formato retangular, superfície plana e calçada, localizado entre o “Parque de Apipucos” e o condomínio Reserva de Apipucos. Na referida certidão, de nº 10.311, não houve registro de escritura de compra ou doação, na qual a Prefeitura do Recife tenha sido registrada como compradora ou donatária.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org