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Prefeitura do Recife “esquece” de registrar doação e parte do Parque de Apipucos quase vai à leilão

Maria Carolina Santos / 26/03/2025
Vista aérea diurna do estacionamento do parque de Apipucos, na Zona Norte do Recife. O centro da imagem é ocupado por uma área asfaltada em formato triangular, ladeada à direita por uma construção pequena retangular. À esquerda, se vê um condomínio de edifícios brancos de altura média. Ao fundo, se vê o rio Capibaribe com densa vegetação em suas margens.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

No dia 20 de março, a página de Instagram do leiloeiro Diogo Martins fez uma postagem inusitada. No meio de apartamentos e casas indo a leilão judicial, havia um lote de terreno em frente ao açude de Apipucos, na zona norte do Recife. Tratava-se de um pedaço do Parque de Apipucos. O terreno estava indo a leilão por R$ 3,8 milhões no primeiro pregão, que seria no dia 2 de abril. Se não fosse vendido, o valor do lance mínimo cairia para R$ 1,9 milhão em novo leilão marcado para o dia 9 de abril.

O leilão do terreno foi solicitado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) para pagar uma dívida da construtora Conic com o banco Santander. Com vários processos na Justiça, diversos ativos da construtora estão indo a leilões judiciais, inclusive móveis de onde por décadas funcionou a sede da construtora, no bairro dos Aflitos.

Mas como um terreno público – de um parque municipal que inclusive está concedido à gestão de uma empresa privada – foi acabar no site de leilões?

O terreno onde, desde 2012, existe o Parque de Apipucos veio da desapropriação de dois imóveis durante a gestão do ex-prefeito João da Costa (PT). Em abril de 2011 foram desapropriados os lotes de números 1031 e 687 da rua Apipucos. Na época, a ideia era que a área integrasse o Projeto Capibaribe Melhor, que foi um conjunto de ações urbanísticas com financiamento do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD).

De acordo com nota da Prefeitura do Recife à Marco Zero, a área que estava para ser leiloada, o Lote 1-B, foi “cedida à gestão municipal em 2020 como medida de mitigação da área de construção civil da iniciativa privada”. Porém, essa doação para a Prefeitura não consta na certidão do imóvel, à qual a Marco Zero teve acesso.

Ou seja, a prefeitura recebeu a doação, mas não a registrou em cartório. Por conta disso, o terreno entrou como pertencente à construtora Conic e foi levado à leilão pela Justiça para pagar dívidas da construtora.

A prefeitura do Recife não estava ciente sobre o leilão do terreno de parte do parque até a MZ solicitar uma nota sobre o fato, na sexta-feira passada. A prefeitura então entrou com um processo de pedido de suspensão da área leiloada, o que foi atendido ontem (25) pela 31ª Vara Cível do Recife, que cancelou o leilão do imóvel. Segundo a assessoria do TJPE, ainda cabe recurso contra a decisão judicial de cancelamento da penhora e do leilão do imóvel

A imagem mostra um site de leilões da empresa Diogo Martins Leiloeiro. No centro, há uma foto de um imóvel com um aviso vermelho SUSPENSO, indicando a interrupção do leilão. À direita, detalhes do Leilão TJPE informam que o primeiro leilão seria em 02/04/2025 por R$ 3.800.000,00 e o segundo em 09/04/2025 por R$ 1.900.000,00. O valor de avaliação do imóvel é de R$ 3.800.000,00, com incremento mínimo de R$ 30.000,00 e 513 visitas registradas. O site tem categorias como Imóvel, Veículos e Industriais, além de um botão ENVIE SEU LANCE. Há um menu superior com Página Inicial, Quem Somos e Agenda. O design é sofisticado, com tons de verde e dourado.

Estacionamento do parque iria a leilão por R$ 3,8 milhões

Crédito: Reprodução

O terreno que estava indo a leilão é um desmembramento do imóvel 687 e possui 70 metros de frente e 50 metros de fundo, totalizando 3,5 mil metros quadrados, ocupando boa parte do estacionamento do parque. Quando foi inaugurado, a prefeitura anunciou que o estacionamento do parque seria grande para receber ônibus de excursões de estudantes, já que ali funcionaria um polo recreativo-cultural com foco em educação ambiental. Isso acabou não se concretizando.

O lote que estava à venda por leilão integra a concessão por 30 anos pela prefeitura do Recife para a concessionária Viva Parques do Brasil. Os planos da empresa incluem a construção de um cinema e teatro ao ar livre no Parque de Apipucos. Procurada pela Marco Zero na sexta-feira passada, a empresa também não sabia do leilão do terreno.A MZ tentou falar com representantes da construtora Conic por telefone e e-mail, mas não conseguiu contato.

Confira abaixo a nota completa do TJPE

Nesta terça-feira (25/03), a 31ª Vara Cível do Recife decidiu cancelar a penhora e o leilão do imóvel, o Lote 1-B, em atendimento à petição protocolada pela Prefeitura do Recife, no qual o ente municipal alega que o imóvel seria público e de sua propriedade. Diante disso, a penhora e o leilão do imóvel estão cancelados até nova decisão judicial. Ainda cabe recurso contra a decisão judicial de cancelamento da penhora e do leilão do imóvel.

A Assessoria de Comunicação do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) também esclarece que todos os imóveis que são levados a leilão passam por verificação de propriedade, com a conferência da certidão de registro do imóvel em cartório, principal documento exigido para esse fim. O documento também fica disponível para conferência em cartório para todos os interessados em participar de leilão de imóveis.

Cabe ao edital publicado pelo Poder Judiciário indicar a matrícula na qual o imóvel foi registrado em cartório, para que o interessado possa solicitar a emissão de uma nova certidão e acessar todos os dados presentes no documento, como atual proprietário, antigos proprietários e todas as operações realizadas, como financiamentos, hipotecas e doações. O próprio processo que dá origem ao leilão também é público e pode ser consultado por qualquer pessoa interessada.

No caso do processo de nº 0018601-22.2020.8.17.2001, o edital referente ao leilão indica o número da certidão de inteiro teor do imóvel, nº 10.311, registrada no 3º Ofício de Registro de Imóveis do Recife, referente ao Lote 1-B, situado à Rua Apipucos, bairro de Apipucos, freguesia do Poço, Recife/PE, de 70m de frente e fundos e 50m de lados direito e esquerdo, totalizando 3.500m² de área total, com formato retangular, superfície plana e calçada, localizado entre o “Parque de Apipucos” e o condomínio Reserva de Apipucos. Na referida certidão, de nº 10.311, não houve registro de escritura de compra ou doação, na qual a Prefeitura do Recife tenha sido registrada como compradora ou donatária.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org