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A anestesiologista Anna Karla Arraes se preparava para entrar no centro cirúrgico quando recebeu uma ligação. Era urgente: vizinhos de uma obra da construtora Haut, no Poço da Panela, estavam cobrando uma resolução para as 31 piscinas cheias de água acumulada da chuva. O local estava abandonado há meses e os casos de dengue disparavam no Recife. A vigilância ambiental do município já estava no local. “Como médica, eu sabia do perigo que era aquilo, ainda mais que na época estávamos na pandemia da covid-19”, contou Anna Karla à Marco Zero, em dezembro de 2024. Ela então fez diversas ligações para tentar achar um jeito de esvaziar as piscinas.
O estresse foi tão grande que Anna Karla acabou aquele dia na emergência do hospital em que trabalhava, com um pico de pressão alta.
Ao contrário do que possa parecer, Anna Karla nunca foi sócia, nem tampouco dona da Haut. Como dezenas de outras pessoas (leia depoimentos ao longo dos textos), ela se considera lesada pela empresa: investiu R$ 2 milhões para comprar uma das casas do condomínio Arbo, que deveria ter ficado pronto em 2022, mas nunca finalizado pela Haut. Com o sumiço da construtora, teve que assumir obrigações inesperadas, como as das piscinas.
Desde o ano passado, a Marco Zero conversou com mais de duas dezenas de pessoas sobre a Haut e sobre Thiago Monteiro, o fundador da construtora disruptiva que está deixando clientes sem imóveis, fornecedores sem pagamento, investidores imobiliários sem retorno e funcionários sem receber verbas de direitos trabalhistas. É uma teia complexa: a Haut atuou em campos diversos — construtora, incorporadora, hotelaria e no mercado de capitais –, mas em todos eles com inabilidade e, acreditam alguns, má fé.
Falar da Haut é também falar de um certo sonho de cidade. A Haut não queria ser uma construtora qualquer. “Dá para fazer diferente”, era um dos slogans que usava. Surgiu ambiciosa no final de 2016, apostando não só na beleza arrojada dos seus projetos arquitetônicos, mas em um conceito de integração radical entre as edificações e o ambiente urbano.
No Poço da Panela, o edifício co-haut 001 seria totalmente aberto, conectando duas ruas
Crédito: Reprodução/Haut
No Recife, não é novidade construtoras que querem – e umas até conseguem – moldar a cidade.
Após o movimento Ocupe Estelita, em 2014, conceitos de urbanismo como gentileza urbana foram (re)incorporados ao vocabulário dos recifenses. Em uma metrópole que se acostumou a prédios reproduzidos em série com fachadas de pastilha cerâmica, muros altos e cercas elétricas, a Haut chegou como um sopro de civilidade e beleza em projetos com halls vazados que conectavam ruas e jardins que se estendiam para as calçadas.
Na faculdade de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde Thiago se formou em 2005, ele era considerado por professores voltados para o mercado imobiliário como um prodígio. O trabalho de conclusão de curso dele foi uma readequação do prédio do INSS, na Avenida Guararapes. Assim que se formou, foi contratado pela empresa do professor Roberto Montezuma, da UFPE, onde já fazia estágio.
Em entrevista para a Marco Zero (leia mais adiante), Thiago Monteiro contou que a Haut nasceu de duas grandes inspirações: o museu Guggenheim, em Bilbao, na Espanha, e o trabalho do arquiteto e urbanista Jaime Lerner, que foi por três vezes prefeito de Curitiba. Ambos pela transformação visionária: Lerner com a “acupuntura urbana” no planejamento das cidades e o museu de Bilbao pelo impacto que uma única edificação pode gerar.
“Sempre acreditei na arquitetura como um instrumento de transformação urbana e humana muito grande”, disse Thiago à MZ. “Além de você comprometer aquela paisagem por 50, 100, 200 anos, existe um impacto muito grande de um edifício no tecido urbano. São mais carros e pessoas circulando. Uma sobrecarga na estrutura de esgoto, consumo de energia, lixo. Gera mais sombra, atrapalha a ventilação, tira a privacidade. Construir um prédio existe uma responsabilidade muito grande”, completou.
O militar Marcelo Bione, morador de João Pessoa, define como “a pior possível” sua experiência com a Haut. “Conheci essa empresa em julho de 2020. Comprei uma unidade num prédio que seria construído em Boa Viagem. Seriam 36 meses de obras, com entrega programada para outubro de 2023. Daqui a pouco faz dois anos de atraso e a única coisa que a construtora fez foi demolir as edificações que tinham no terreno”, reclama. “Eu perguntava ‘quando é que a obra começa?’ e me enviavam cronogramas que não se concretizavam. Passei a acompanhar outras obras também e comecei a ficar preocupado: estava tudo atrasado”.
Foi pelo instagram que ele conheceu a Haut. Logo se encantou pelas belas imagens dos projetos. “Era uma construtora que colocava muita coisa no Instagram, muita imagem bonita, que chamavam a atenção. Mas depois comecei a perceber que eram todas imagens renderizadas, ilustrativas. Uma construtora não vive de imagem bonitinha no Instagram. Vive de obra, cumprir o prazo e entrega. E eu comecei a ver que realmente ali não tinha condição”, diz.
Em 2022, ele já havia pagado o valor de R$ 400 mil em um apartamento de 50 m2. Decidiu fazer o distrato com a Haut, que concordou em devolver o valor com correção monetária em dez parcelas. “Só pagaram a primeira e depois não pagaram mais. Eu tive também informação de que assim foi feito com outros clientes”, alerta.
Bione conta que depois soube por um advogado que o projeto do edifício nem havia sido aprovado pela prefeitura. “Era um prédio de estrutura metálica, não era uma alvenaria convencional e o projeto não foi aprovado. Ou seja, venderam sem nem ter essa licença de construção”, reclama. “Eu acho que tem muita gente enganada. Muita gente foi enganada por essa empresa, que passa longe de ser uma construtora séria”.
Para dentro das edificações, a intenção da Haut também era de integração. No Arbo, a área de serviços seria comum, com lavadoras e secadoras compartilhadas. No prédio do Poço da Panela, haveria um item de convivência em cada andar: sala de ginástica no primeiro, coworking no terceiro. Em todos, havia a idílica promessa de carros elétricos da BMW para uso compartilhado pelos condôminos.
Tudo isso era embalado em acabamentos de alto padrão. Nada do cafona porcelanato frio e brilhante. Ao invés de alvenaria, estruturas de metal ou concreto. Pias viriam da Alemanha, balcões seriam de mármore de Carrara. “Porque o novo luxo é muito mais sobre sentir-se único do que ser exclusivo”, dizia outro slogan da construtora.
Ao contrário de lindos edifícios integrados à cidade, o legado da Haut para o Recife hoje é um rastro de carcaças, terrenos baldios e incontáveis reclamações de vizinhos sobre focos de dengue e depredações. Todos em bairros recifenses considerados nobres. A antiga sede da Haut no Poço da Panela – um casarão restaurado do século 19 onde, no mesmo terreno, foi erguido o prédio co-haut 001 –, está coberta por mato e o topo do edifício, como mostram as imagens de drone feitas pela MZ, acumula água parada.
No Pina, o esqueleto do que seria o prédio co-haut 003 chegou a ser depredado – e pode ser devolvido pela Justiça para os antigos donos. Na rua Ana Camelo Gomes, em Boa Viagem, uma casa foi demolida e o prédio de 14 andares prometido aos compradores não saiu do chão. O único ‘morador’ do Arbo foi um homem em situação de rua que passou algumas noites abrigado na construção abandonada, antes de ser expulso.
Piscinas do condomínio Arbo cheias de água parada em foto de maio de 2024
Crédito: Arnaldo Sete/Marco ZeroPara muitos, o sonho da casa própria bonita, arrojada e sustentável está agora nas mãos da Justiça. No Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), são mais de 20 processos contra a empresa, de clientes e de fornecedores. Na Justiça do Trabalho, a Haut enfrenta 27 ações em tramitação ou arquivadas provisoriamente, espalhadas por 15 varas do Recife e de Olinda. Recentemente, o Ministério Público de Pernambuco instaurou um inquérito civil para apurar eventuais violações ao Código de Defesa do Consumidor pela Haut.
Famílias também foram destroçadas: uma mulher passou o único bem, o apartamento onde a família morava, como sinal para a compra de um imóvel da Haut. Hoje, mora de aluguel e viu sua família se dividir. Envergonhada, preferiu não ter seu nome nessa reportagem.
Terrenistas – pessoas que permutam o terreno e recebem unidades dos empreendimentos – estão pagando pelo que deveria ser uma troca ou entrando na Justiça para desfazer o contrato com a Haut.
Até o ano passado, quando a MZ começou a apurar essa reportagem, muitos clientes preferiam não falar sobre a derrocada da Haut. A esperança era que a empresa conseguiria financiamento e terminar as obras, ainda que todas as construções da Haut estivessem paradas desde, pelo menos, 2023. Temiam que notícias sobre a paralisação dos empreendimentos prejudicasse as vendas, afastasse investidores, e, consequentemente, a retomada das obras.
Mas em março veio um sinal de alerta: Thiago Monteiro, então único sócio, vendeu a Haut para uma única pessoa, Marcelo Brandão, um engenheiro de classe média, que já admite ter comprado uma “empresa quebrada”. Clique aqui para ler mais detalhes sobre essa operação.
A servidora pública Renata Ferraz fechou negócio com a Haut em 2021, no escritório no empresarial JCPM. “A estrutura era linda. Logo na entrada tinha um café, com um balcão bem bonito, e havia um modelo do apartamento lá dentro, de como ele iria ficar quando fosse entregue”, conta ela, que comprou um flat no co-haut 003, no Pina. “Prometiam um monte de diferenciais: que iam colocar carros elétricos compartilhados, da BMW. Mas isso não existia no contrato”, lembra.
Renata Ferraz se diz enganada pela Haut, “vítima de um golpe”. Isso porque na hora da venda não foi informada que o edifício não tinha as devidas licenças para ser construído. “Quando eu questionava os atrasos, falavam que faltava o memorial e outras documentações. A Haut não foi clara sobre isso na hora da venda. Se eles não estavam com toda a documentação, como é que já estavam lançando o empreendimento? Marcelo Brandão me disse que o cohaut-003 não tinha participação da CVPar, mas tinha uma placa dessa investidora na frente do cohaut-003”, questiona Renata.
Renata pagou R$ 280 mil e o apartamento já está quitado. “Comprei para investimento. E foi um investimento que foi por água abaixo”, lamenta.
Quem chegava nos primeiros anos da Haut ao nono andar do empresarial JCPM, no Pina, se deparava com uma vista fabulosa do mar da bacia do Pina. O atendimento no então escritório da construtora era personalíssimo. Muitas vezes, os projetos eram apresentados para pequenos grupos de clientes – como médicos e advogados – ou até um a um. Com clientes que gastavam milhões, o próprio Thiago Monteiro fazia a apresentação.
Um cliente, que pediu para não ter seu nome divulgado, contou que esteve em uma reunião que foi um almoço completo: entrada, prato principal e sobremesa. “Havia qualquer bebida alcoólica que você quisesse”, contou. A recepção do escritório era uma bancada, com um chef de cozinha atendendo aos clientes, ora como uma cafeteria, ora como um buffet.
Em um tema, todos os ouvidos pela Marco Zero nesta reportagem são unânimes: Thiago Monteiro tem uma personalidade magnética. Bonito e bem articulado, ele falava dos seus projetos com encantamento e confiança. Genial foi um termo que apareceu com recorrência quando compradores de imóveis da Haut falavam das ideias de Thiago sobre arquitetura.
Obra do co-haut 001 estava na metade quando foi abandonada
Crédito: Arnaldo Sete/Marco ZeroDuas pessoas, em entrevistas distintas, fizeram o seguinte comentário sobre ele: “Sabe o encantador de serpentes? Thiago Monteiro é um encantador de pessoas”.
O ex-dono da Haut também marcava presença em grupos de gestores, como o Lide Pernambuco. Na imprensa, a Haut era incensada como a uma construtora que iria reinventar o mercado imobiliário do Recife, adepta de um novo luxo discreto e sofisticado. Em uma entrevista para uma revista recifense em janeiro de 2017, quatro meses após o lançamento da Haut, Thiago Monteiro dizia que não queria ser apenas mais um no mercado imobiliário. “O meu objetivo sempre foi contribuir positivamente à vida das pessoas e da cidade. E é exatamente isso que a Haut vai proporcionar: para o alto e além”, disse, na entrevista.
Thiago levava um estilo de vida que nada tinha de discreto. Em conversa reservada com a reportagem, um corretor de imóveis lembrou de um evento do mercado imobiliário em que Thiago Monteiro chegou dirigindo uma SUV da fabricante alemã Porsche, um modelo exclusivo e imponente, segundo o profissional. “Era uma ostentação. Um carro que custava coisa de R$ 1 milhão”, recordou. Thiago viajava com frequência. É entendido não só de arquitetura, como de artes e cultura em geral. “É um homem bastante culto. Sabe conversar”, disse um conhecido dele, também em reserva.
Cria da zona sul, Thiago Monteiro passou a morar em uma cobertura duplex com 600 m2 e piscina privativa no edifício Bétula, na Avenida Boa Viagem. Decorado no mesmo estilo contemporâneo dos projetos que assina, o apartamento ficou à venda no ano passado por R$ 4,7 milhões. Agora, já está por R$ 8,2 milhões. O imóvel está registrado em nome da Haut.
Imagem ilustrativa de como ficaria fachada do edifício no Pina
Crédito: Reprodução/HautEntre as várias ações contra a Haut na Justiça, uma delas chama atenção pelo efeito cascata que pode provocar. A Acary Hotelaria cedeu para a Haut o esqueleto de um hotel no Pina, zona sul do Recife, que teve a construção paralisada em 2023. Foi um contrato de permuta, no qual a Haut iria terminar a obra – que não mais seria um hotel, mas um prédio com pequenos apartamentos – e repassaria muitas das unidades para a Acary.
A Haut não chegou nem perto de concluir a obra na rua Vicência. Com isso, a Acary pediu o imóvel de volta, já que a Haut não cumpriu com sua parte do contrato. É uma ação avaliada em R$ 28 milhões.
No começo de junho, o escritório de advocacia da Haut pediu que esse processo tramitasse em segredo de Justiça, alegando que “versa sobre direito à imagem comercial e contém documentos protegidos por sigilo comercial” e que a “a publicidade irrestrita aos atos processuais (…) causará danos irreparáveis à imagem empresarial” da Haut, prejudicando “sobremaneira os esforços de reestruturação societária e recuperação dos empreendimentos em curso”. O texto também afirma que a Haut está com novo sócio “comprometido com a retomada de projetos”.
Até a última vez que a Marco Zero acessou o processo, também no começo de junho, não havia ainda decisão sobre o segredo de Justiça. No processo que o condomínio Arbo ajuizou contra a Haut o escritório também pediu sigilo, o que foi negado.
Outra ação na Justiça com efeito cascata é de um condomínio de 18 casas em um loteamento de luxo na praia de Serrambi, no litoral sul. A associação do loteamento entrou na Justiça ainda em 2019 para impedir a Haut de construir as unidades lá, alegando que em cada lote só era permitido um imóvel unifamiliar. Só neste ano saiu a sentença com força de mandado, ainda em primeira instância, que impede a Haut de construir no local – e, caso já tenha construído, terá que demolir. Há ações na Justiça de clientes que compraram unidades no Imerso, como o condomínio foi chamado, pediram distrato e não receberam os valores.
O ramo da hotelaria sempre foi uma ambição para a Haut. Thiago Monteiro é – ou era – sócio da hotelaria Raiz do Brasil, que tem empreendimentos de sucesso, como os hotéis boutique Pedras do Patacho e Casa Brasileira, no litoral alagoano, de frente para o mar quente e verde da praia do Patacho.
Em agosto de 2020, ele anunciou na sede da prefeitura do Recife, ao lado do então prefeito Geraldo Júlio, investimentos de R$ 46 milhões e geração de 240 empregos diretos e indiretos para a construção do Haut Hotel Boutique & Experience, no Segundo Jardim do bairro de Boa Viagem. O projeto de hotel foi abortado, virou um edifício de apartamentos e a obra parou ainda nas bases da edificação.
“Você acha que muita gente comprou os apartamentos da Haut sem nem fazer conta, por quê? Os projetos eram sensacionais. Ele cobrava o preço de mercado, mas os materiais que ele colocava para esses projetos encareciam muito a obra e não dava para pagar com o que ele cobrava. Havia projetos de apartamentos com piscina na varanda. Não pode ser daquele jeito, a prefeitura não aprova o projeto. Mas ele colocava mesmo assim”, contou o mesmo corretor que mencionou a SUV Porsche. “Teve corretor que mudou de profissão depois de trabalhar para a Haut. Imagina toda a tua carteira de cliente investindo num produto que nunca recebeu?”.
No mercado imobiliário, o burburinho de que a Haut não andava bem das pernas começou ainda em setembro de 2022. A construtora ficou três meses sem pagar aluguel e o empresarial JCPM acionou a Justiça. A sentença de despejo contra a Haut se espalhou em grupos de WhatsApp – o processo foi arquivado após a construtora quitar a dívida e se mudar para o casarão restaurado no mesmo terreno do co-haut 001, na rua do Chacon.
A Haut apresentou pelo menos 11 empreendimentos ao mercado imobiliário. Apenas três foram entregues nesses quase nove anos de existência. Um em João Pessoa, um prédio de esquina em um terreno de 500m2, o condomínio Marée, em Serrambi, e o loft BRMX, que foi finalizado por outra construtora.
A Haut era uma empresa ansiosa, que atropelava etapas. Anunciou pelo menos sete empreendimentos no Recife em um espaço de quatro anos, antes de ter concluído sequer um único prédio na capital. Em 2020, chegou a divulgar no site dela um empreendimento no Recife Antigo usando a foto de um terreno que ainda estava em negociações. Teve que fazer um post se retratando.
Em meados de 2023, a conta do instagram da Haut restringiu os comentários. Havia uma tentativa de ainda manter a imagem da construtora. Ainda hoje, quando há comentários contrários à empresa, várias pessoas aparecem para defender Thiago Monteiro e a Haut. Inclusive dentro do próprio grupo de WhatsApp de compradores da Haut.
Acary Hotelaria tenta recuperar na Justiça imóvel onde seria o co-haut 003
Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero“Existe uma tropa de choque que fica dando sustentabilidade ao Thiago nas redes sociais, dizendo que ele é uma pessoa incrível, que ele é um vanguardista, que ele mudou todo o mercado imobiliário na região Nordeste”, comenta o advogado e mestre em Direito Constitucional Ygor Werner de Oliveira, que atua em processos contra a empresa. “São pessoas vinculadas à Haut, de alguma forma: quando você vai ver os perfis, são sempre arquitetos, pessoas da área comercial, pessoas que trabalham com imóveis”, aponta.
Recentemente, até a possibilidade de execução dos belos projetos da Haut tem sido questionada. Tentando levantar os papéis do condomínio Arbo, a síndica Anna Karla descobriu que o imóvel que havia comprado era menor do que estava no contrato. “O projeto apresentado aos clientes era um, o aprovado na prefeitura era outro e o que efetivamente era levado para o canteiro de obras era ainda diferente. O meu imóvel mesmo perdeu muitos metros quadrados entre esses projetos”, conta. Em outra construção, o co-haut 001, uma estrutura que seria de aço foi trocada por alvenaria, por conta do custo.
Clientes ouvidos pela reportagem estranharam o motivo de nenhuma obra da Haut ter sido adesivada como embargada. A Marco Zero entrou em contato com a prefeitura do Recife para saber sobre a licença de construção de alguns imóveis da Haut e para saber se, ao longo dos anos de funcionamento da construtora, foi aberto algum processo administrativo ou há alguma fiscalização em andamento contra a Haut por irregularidades construtivas ou de licenciamento. Ainda não recebemos resposta.
Há dois anos, uma primeira cliente da Haut procurou o advogado Ygor Werner de Oliveira. “De lá pra cá esse sentimento de desconfiança em relação à Haut foi aumentando e se alastrando”, conta Werner, que chegou a ser contactado por aproximadamente 15 clientes da construtora preocupados com os atrasos nas obras.
Mas, para o advogado, o cenário mudou e está muito bem delineado: não se trata mais de obras em atraso, mas de contratos não cumpridos. “A inexecução decorreu unicamente de um comportamento negligente, omisso e irresponsável perpetrado pela Haut. Todos os clientes quitaram seus contratos. Incrivelmente, muitos clientes compraram esses imóveis à vista, muitos compraram mais de uma unidade dentro do mesmo prédio. O prejuízo financeiro é altíssimo”, comenta.
O advogado vai além. “É importante que seja dito que Thiago Monteiro já tinha uma noção da inexecução desses contratos há um certo tempo e continuou vendendo esses imóveis. Muitos desses imóveis sequer possuíam os documentos mínimos necessários para que fossem comercializados, como o memorial de incorporação, documentos basilares para que qualquer empreendimento seja devidamente construído ou comercializado”, diz o advogado.
“Thiago Monteiro já sabia que esses dois empreendimentos – o co-haut 002 e o co-haut 003 – não poderiam ser executados. Mas ele continuou se locupletando (enriquecendo) com essas vendas, mesmo sabendo que essas obras não seriam entregues aos compradores”, denuncia. “Por isso, de um tempo pra cá, estamos também considerando a possibilidade de estelionato. Ou seja, não é somente uma situação de inexecução contratual é possivelmente também uma situação de estelionato, porque subjetivamente ele já sabia que não era possível executar essas obras e continuou comercializando unidades e induzindo compradores ao erro”, explica o advogado.
Antiga sede da Haut no Poço da Panela está abandonada
Crédito: Arnaldo Sete/Marco ZeroYgor Werner contou que conversou com pessoas próximas de Thiago Monteiro. “E muitos falaram do estilo de vida nababesco que ele possui, ou possuía. Um altíssimo padrão de vida, com um comportamento de ostentação”, conta. “E muito desse declínio da Haut talvez se deva a isso: uma pessoa que confundiu o patrimônio da pessoa jurídica com o patrimônio pessoal. E que tinha um estilo de vida extremamente, digamos, peculiar”.
Apesar de ter vendido a empresa em março deste ano, Thiago ainda pode ser responsabilizado civilmente e criminalmente pela Haut. “Existe um prazo de responsabilidade prevista pelo Código Civil e ele vai permanecer pelos próximos anos ainda solidariamente responsável por todos os problemas gerados em razão dessas inexecuções contratuais. O patrimônio pessoal dele também pode ser revertido para a quitação dessas dívidas. E não só ele. Se eventualmente a Justiça entender que a Haut faz parte de um grupo econômico, então as outras empresas pertencentes ao grupo também podem responder solidariamente”, diz o advogado.
Para ele, a saída de Thiago Monteiro da Haut foi justamente para evitar a ocorrência da figura de grupo econômico. “Isso geraria um flanco para que outras empresas ligadas a ele pudessem ser também responsabilizadas por essa dívida da Haut. Uma dessas empresas é o Hotel Pedras do Patacho, um patrimônio altamente rentável”, acredita.
Para recuperar o valor investido pelos clientes, Werner de Oliveira aponta não só a judicialização, mas tratativas administrativas. “Haja vista que existe, talvez, a figura de um novo investidor. Estamos vendo como é que ele [o novo dono, Marcelo Brandão] vai proceder em relação a esses adquirentes que foram lesados”, diz.
Em uma decisão de maio deste ano, o juiz Marcos Garcez de Menezes Júnior determinou a indisponibilidade dos bens da Haut. “(…) há claro risco de dilapidação do patrimônio pelos réus. Demais disso, foram apresentados contundentes indícios de que a primeira demandada (Haut) está em situação de franca insolvência, possuindo contra si diversas ações judiciais nas quais se questiona o inadimplemento contratual da Haut em relação a obrigações financeiras assumidas perante sócios da empresa, prestadores de serviços, o Município do Recife, dentre outros”, dizia um trecho da sentença, ainda em primeira instância, assim como quase todos os processos contra a construtora.
Após a denúncia de um dos compradores de um apartamento da Haut, o Ministério Público de Pernambuco (MPP) instaurou no dia 27 de maio um inquérito civil contra a empresa. O objetivo é investigar supostas práticas abusivas e ilícitos relacionados à paralisação de obras, a falta de comunicação com consumidores e a não devolução de valores. A investigação busca apurar a responsabilidade da empresa e dos sócios, antigos e atuais, além de verificar a regularidade dos empreendimentos e a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
O MPPE busca esclarecer a regularidade dos empreendimentos, seus licenciamentos e possíveis implicações criminais envolvendo a Haut. O MPPE também intimou Thiago Monteiro e o novo dono Marcelo Brandão a prestarem esclarecimentos sobre a venda da empresa e suas condições contratuais.
Como parte das diligências iniciais, o Ministério Público notificou a Haut para que a empresa detalhe os motivos da paralisação das obras, indique os empreendimentos e seus estágios atuais, e apresente um cronograma atualizado para retomada e conclusão. A empresa também deve apresentar um plano concreto de devolução de valores aos consumidores que não desejarem a continuidade do contrato, caso a conclusão das obras se mostre inviável.
Além disso, o MPPE solicitou as seguintes informações aos órgãos abaixo:
A apuração está sendo conduzida pelo promotor de Justiça Maviael de Souza Silva, da 16ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital.
Era a tarde de uma terça-feira quando a Marco Zero entrou em contato com Thiago Monteiro. Ele respondeu de pronto e já agendou a entrevista para o dia seguinte, online. Estava em São Paulo, onde está morando. Na entrevista por vídeo, Thiago foi assertivo ao admitir erros e fracassos. Disse que não houve má fé, mas má gestão.
“Não é fácil dentro da confusão você parar e melhorar a comunicação com os clientes, por exemplo. Foi um erro nosso”, disse.
Antes de fundar a Haut em outubro de 2016 com apenas R$ 500 mil e três funcionários, Thiago era sócio da construtora MaxPlural. Diz que saiu porque sentia que seus projetos eram tolhidos para ficarem mais comerciais. “E eu queria ir para o mercado de luxo porque eu enxergava nele uma vitrine necessária para que as pessoas pudessem entender do que a arquitetura é capaz. O luxo nunca foi uma intenção. Sempre foi um meio para que os projetos e empreendimentos da Haut tivessem visibilidade”, conta.
Pela câmara, Thiago mostrou na mão uma pequena tatuagem com o logo da Haut. Diz que a empresa era mais que um sonho, era seu filho. Para Thiago, não tinha quem passasse sem reação pelos projetos da Haut. “Tem quem não gosta. Detona. Acha legal. Acha importante. Acha estranho. Acha ruim. Acha improvável. Seja lá o que for, as pessoas conhecem a Haut”, acredita. “A arquitetura do Recife perdeu a autoralidade. Tudo é muito padronizado. Tanto do alto luxo, quanto do Minha Casa, Minha Vida. Recife foi muito doutrinada na cartilha da Encol, um modelo industrializado de construção”, critica.
A médica Anna Sady comprou um apartamento de 31,3 metros quadrados no prédio Co-haut 001, no Poço da Panela. Pagou à vista R$239.760,00. “Comprei para morar, quando estiver mais velha. O projeto é de um flat, mas com muitas áreas coletivas. Tive a impressão que não iria ficar muito tempo sozinha”, afirmou para MZ.
Na época, o valor não era diferente das concorrentes, mas a Haut tinha várias vantagens. “A proposta era diferente, para mim. Era uma área integrada ao meio ambiente. Vai de uma rua a outra sem muros, com lojas, coworking, etc. E em cada andar tem uma área comum: lavanderia, ginástica, cozinha, TV, etc”, relembra.
Em 2023, ela notou que nada ia bem. “Mas Thiago Monteiro em nenhum momento falou ou notificou que não estava bem financeiramente. Diz na imprensa que vendeu a Haut, mas para mim isso não está claro. No (CNPJ) do prédio ele ainda é sócio. Ele vendeu só a incorporadora e continua sócio nos empreendimentos individuais? Não sei. Nada foi dito por ele e muito menos pelo Marcelo Brandão. O projeto é bom, mas são péssimos executores e extremamente desrespeitosos e descompromissados”, diz.
A precificação dos imóveis abaixo do que deveria cobrir todos os custos e a pandemia são apontadas por ele como fatores de desestabilização da Haut. “O aço aumentou em 86% na pandemia. O Arbo e o Co-haut 001 eram obras em estrutura metálica. Tem todo aquele trauma (dos compradores), mas no contrato tem uma cláusula também que fala de força maior, uma tempestade, um furacão, um terremoto. Não tem como achar que acabou o lockdown e a vida voltou ao normal”, justifica.
Outro fator que Thiago Monteiro credita ao abandono das obras é um boicote do mercado imobiliário contra a Haut. “Desde 2023, a Haut não consegue vender um único apartamento”, afirma. “A Haut nunca teve muita facilidade de vender. É uma empresa que já nasceu com sua credibilidade colocada em risco. Será que essa conta fecha? Será que não é inovador demais? Sempre foi difícil vender os empreendimentos, até porque a empresa é muito jovem. A empresa começou sem caixa”, diz.
Para driblar essa credibilidade em risco e a falta de caixa, Thiago Monteiro diz que apostou no escritório do JCPM. O local foi pensado para ser um chamariz para os clientes. “Eu precisava criar um ambiente em que as pessoas entendessem minimamente o que a gente é, colocar um impacto da vista. Eu precisei me apoiar nisso inicialmente para garantir o mínimo de credibilidade. O JCPM não aceita qualquer empreendimento lá. Existe um certo filtro. Então a minha estratégia foi que estar naquele ambiente seria um estimulador nas vendas, passaria essa credibilidade”, confessa.
Diz que os dois chefs de cozinha contratados pela Haut – e que tanto impactou clientes ouvidos nesta reportagem – recebiam um salário mínimo – que depois subiu para um salário e meio – e que vieram do Senac. “A questão não estava nos chefes de cozinha. A questão estava na inovação de criar uma cozinha no lugar da recepção”, diz.
Mas o plano do JCPM foi um fracasso. Thiago diz que a falta de pagamento do aluguel foi por conta de uma troca de funcionários.
“Muitas empresas passam por situações de aperto, mas ninguém fica encaminhando (processo) em grupo de WhatsApp. A Haut sempre foi um objeto de muito olhar, de muita crítica, de muita gente acompanhando de perto. Quando isso veio (o despejo) tornou as coisas mais difíceis”, diz, com certa mágoa.
Outra tentativa de reestruturação que Thiago cita veio em março de 2022 com a entrada da Haut no mercado de capitais em 2022. Também não deu certo (leia aqui).
Sem vender, em 2023 a Haut parou de construir. “Deixamos de ser construtores. Passamos a ser só incorporadores. Nesse intervalo, um investidor novo construiu uma construtora chamada Habitat, muito boa”, diz Thiago, se referindo a Valdemar Bezerra, tema da outra reportagem da MZ sobre a Haut.
Thiago nega que tenha usado dinheiro das obras da Haut em benefício próprio. Sobre o imenso imóvel em que morava na avenida Boa Viagem diz que segue em nome da Haut e que foi levado pelo novo proprietário. Sobre a SUV da Porsche, diz que custou apenas R$ 250 mil e que comprou ainda na época da MaxPlural por meio de um consórcio da Rodobens no qual pagava mensalidades de R$ 3 mil. “Não tive filhos”, disse, justificando a despesa. “E já passei esse carro pra frente”.
Thiago diz que o papel dele na Haut era supervisionar a concepção de produto, a captação de investidores e a estratégia comercial. “Não sou gestor. Mas eu trouxe gestores para dentro do negócio. Meu papel era montar um bom time. Trouxe, na época, os melhores, pelo menos assim eu enxergava. Teve, inclusive, diretor-geral da Moura Dubeux durante 12 anos, que tocava 70 obras simultaneamente no Nordeste. Chegou lá e fez um ótimo trabalho durante dois anos. Mas é aquela história: a empresa é muito jovem e ainda não tinha, talvez, os seus processos muito bem estruturados”, admite.
Quase nada na Hauta era terceirizado e ele conta que, na época da pandemia, chegou a ter mais de 60 funcionários. “Eu não vou culpar o mercado. Se o mercado não tem segurança de comprar o meu produto, a culpa é minha. Ou seja, eu poderia lá atrás de ter melhorado a credibilidade, ter feito sociedade para alguns empreendimentos, ter dividido meu risco”.
O então prefeito Geraldo Julio (PSB) e Thiago Monteiro no lançamento do hotel em 2021
Crédito: Foto: Andréa Rego Barros/PCR/ArquivoThiago garante que há mais ativos que passivos na Haut. Segundo ele, a Haut tem hoje entre R$ 110 e R$ 115 milhões em estoque de futuros possíveis apartamentos. “E para terminar as obras, precisaria de R$ 54 milhões. Por exemplo,n o Edifício Haut [em Boa Viagem], dos 15 apartamentos, só um foi vendido. E ainda tinha parcelas a pagar e chaves a receber. No co-haut 001, na rua do Chacon, tem quase 50 apartamentos em estoque. O do Pina [o co-haut 003] tem quase 40 apartamentos que não foram vendidos”, afirma. “O problema era a minha capacidade de resolver isso”, diz.
Para destravar a Haut, Thiago afirma que a única solução que viu foi vender a empresa. E aposta no comprador, Marcelo Brandão, para essa empreitada. “Não é uma questão de opção. Ele tem por obrigação honrar todos os compromissos da empresa, seja com cliente, seja com fornecedor, seja com bancos, seja com [processos] trabalhistas. Ele chegou com essa consciência de que teria que honrar com todos esses compromissos”, garante.
Muitos clientes estranharam que Thiago Monteiro ainda aparece como sócio nos CNPJs dos empreendimentos – por lei, cada edifício tem que ter sua própria pessoa jurídica, para evitar que o dinheiro de uma obra vá para outra. Thiago afirma que, por contrato, saiu de tudo ligado à Haut e que deve ser o tempo de alguma burocracia para retirar o nome dele das obras. “Marcelo assumiu o compromisso com todas as obras”, ratifica.
O arquiteto sabe que ainda passará alguns anos respondendo judicialmente pela Haut. Diz que não vai mais abrir construtora ou incorporadora. Os projetos em São Paulo, como do Artsy Hotel, no Itaim Bibi, foram cancelados. E a Auth, nova aposta dele por lá, vai trabalhar somente com projetos de arquitetura. “Agora, um arquiteto que tem uma experiência de incorporação. Isso tem me ajudado inclusive a fechar contratos porque eu conheço a dor do incorporador. Tudo isso que eu passei veio para eu amadurecer não só como ser humano, mas como profissional”.
Morando fora do Brasil, em 2020 o empresário Rafael* (nome fictício) estava procurando um apartamento no Recife quando um corretor apresentou a Haut para ele. “O corretor falou que a Haut estava crescendo muito em Recife. E, realmente, na época, havia um marketing enorme”, lembra. “Eu estava quase comprando um outro apartamento que estava quase pronto e o corretor me convenceu a comprar o da Haut. Falou que era uma exclusividade: ‘você é o primeiro comprador deste prédio (o co-haut 002), mas ele (Thiago) já tem todos esses outros prédios em obras’.
Rafael foi atraído pelo projeto arquitetônico e pelas promessas da Haut. “O que ele estava criando fez muito sentido para mim: a inovação, a integração com a cidade, a preocupação com o meio ambiente. Seria um prédio bem arborizado”, recorda. “Uma das coisas que eles falavam sempre é que não precisava ter um estacionamento fixo, era rotativo, porque eles deixavam de três a quatro BMWs elétricas lá embaixo, para quem precisasse usar”.
O apartamento, com quase 100 m2, tinha no projeto uma piscina na varanda. “Era como se quase todos os apartamentos do prédio fossem uma cobertura”, diz ele, que entre 2020 e 2021 pagou 80% dos R$ 680 mil do preço do apartamento para a Haut.
A Haut prometeu o prédio para dezembro de 2022. Depois, dezembro de 2023. “Sempre eram falsas promessas. Depois descobri que a prefeitura nem havia aprovado o projeto do prédio e eles estavam vendendo sem ter a autorização real de construção!, conta Rafael, que depois também descobriu que o contrato que tinha com a Haut era de pré-lançamento e não de lançamento. “O mundo imobiliário entende essas diferenças, o cliente não. No meu contrato colocaram uma cláusula que só dariam direitos legais a quem comprou, caso quisesse cancelar, depois do lançamento. Mas o lançamento nunca existiu. O prédio nem chegou a sair do chão. Só ficou lá a placa na frente do terreno. Então, de certa forma, existia uma má fé desde a criação do contrato em 2020”, acredita.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org