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Haut: incorporadora de luxo “quebrada” foi vendida para engenheiro por apenas R$ 200 mil

Maria Carolina Santos / 19/06/2025
A imagem mostra uma vista aérea de parte de um prédio abandonado e degradado, com aparência de concreto cru e sem acabamento. O edifício tem pelo menos três andares visíveis, com redes de proteção penduradas nas estruturas abertas, sugerindo que o local já foi usado mas está atualmente desativado. Na parte inferior da imagem, há uma cobertura metálica curva, parcialmente enferrujada, sobre a qual estão espalhadas várias letras brancas grandes que caíram ou foram removidas de uma antiga sinalização. As letras parecem formar a palavra HAUT, embora estejam desordenadas. À esquerda, uma grande árvore verde preenche boa parte da imagem com sua copa densa, oferecendo um forte contraste com o cinza e a deterioração do edifício. A cena transmite abandono e descaso, sugerindo que o local já teve alguma importância ou uso anterior.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Durante os quase nove anos em que esteve à frente da Haut, Thiago Monteiro teve alguns sócios – um deles, Raphael Freitas, saiu em 2022 e colocou a empresa na Justiça para receber cinco meses de um salário de R$ 30 mil –, mas ele era oficialmente o único dono quando a empresa foi vendida. O capital social declarado era de R$ 2,7 milhões e a Haut foi inteiramente comprada por uma única empresa por apenas R$ 200 mil, no dia 10 de março de 2025, de acordo com o documento de alteração do contrato social da Haut, ao qual a Marco Zero teve acesso.

A empresa que comprou a Haut é a Engebrand Construções e Serviços Ltda, que tem como endereço um coworking na rua do Futuro, nas Graças. A principal atividade da empresa é a “construção de obras de arte especiais”. Aberta em fevereiro de 2019, a Engebrand tem um capital social de R$ 104.500 e um único sócio: o engenheiro Marcelo Jorge Fernandes Brandão Filho.

Para clientes e para a Marco Zero, Thiago Monteiro apresentou Marcelo Brandão, que tem 41 anos, como um ótimo gestor, um engenheiro com ampla experiência. A pessoa que finalmente vai destravar as obras da Haut.

Clientes que entraram em contato com Marcelo recentemente têm recebido uma mensagem padrão: “primeiramente estou me ambientando e pediria que você enviasse para [e-mail do escritório de advocacia que defende a Haut] os contratos e comprovantes da sua aquisição para eu ja conversar com mais informações” (sic).

Mas, ao contrário do que a mensagem faz pensar, a Haut não é uma desconhecida para Marcelo Brandão.

A imagem mostra uma construção inacabada, com estrutura de concreto e vergalhões expostos, indicando que a obra foi interrompida antes de avançar. Há muito entulho, madeiras e ferros espalhados pelo canteiro. Dois trabalhadores com capacetes aparecem na parte superior da laje. O local é cercado por um muro verde com grades e está localizado em uma calçada de paralelepípedos. Um painel fixado na frente exibe o nome HAUT e uma imagem publicitária do prédio planejado. Ao redor, há prédios já concluídos, como um edifício rosa e um galpão cinza. A cena sugere abandono ou paralisação da obra.

Obra onde seria o edifício Haut, no segundo jardim de Boa Viagem

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

No final de 2023, vários clientes receberam uma mensagem da então gerente de relacionamento da Haut, Carol Guimarães, que dizia que “2024 será um ano de concretas realizações” e anunciava dois novos sócios: “Valdemar Bezerra – cliente Haut desse 2018 – que entra muito bem acompanhado e assessorado tecnicamente por seu sócio, Marcelo Brandão, engenheiro civil com vasta experiência no ramo de construções”.

A mesma mensagem dizia que Thiago Monteiro seguia “como sócio, fundador e arquiteto capitão do time Haut, e agora mais do que nunca exclusivamente à frente do desenvolvimento de novos empreendimentos e novas frentes de atuação do grupo”.

A servidora pública Renata Ferraz conta que em janeiro de 2024 foi até a sede da Haut acompanhada de um advogado para saber quando seu apartamento iria ser entregue. Ela havia comprado uma unidade no co-haut 003, no Pina, o prédio que seria construído no esqueleto do hotel. “Marcelo Brandão se apresentou como sócio da Haut e me atendeu. Perguntei porque haviam tirado o elevador de carga das obras do prédio e ele disse que estavam enxugando custos. Ele não entrou agora na Haut, não está de “gaiato no navio”. Ele já sabe da situação da empresa há muito tempo”, argumenta Renata, lembrando que, na época, não saiu confiante da reunião com Brandão. “Ele era muito informal e falava cheio de gíria. Tanto que, após a reunião, meu advogado já me alertou que o prédio não iria sair”.

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Foi pelo instagram que Eduardo* (nome fictício, o comprador da Haut não quis se identificar nesta reportagem) conheceu a Haut. Em janeiro de 2021, fechou a compra de um flat no co-haut 003, no escritório da Haut no JCMP. “Custava uns R$ 300 mil. Paguei metade à vista. Pela proposta que eles tinham, eu achei que era um preço atraente”, lembra. 

“Era um prédio bem moderno, com uma arquitetura super diferenciada. Ia ter uma parte embaixo, que ia ser uma área aberta e a Haut até ia entregar dois carros elétricos da BMW”, relata Eduardo. “Era prometido para junho de 2023. Ou seja, fez dois anos de atraso agora”, lamenta. 

Eduardo conta que a comunicação da empresa com os clientes sempre foi ruim e funcionários eram trocados rotineiramente. “Os relatórios de acompanhamento da obra eram muito inconstantes. E se via muito pouco progresso. Começou a atrasar, atrasar, atrasar. Aí, eles já mal respondiam. Para vender, fizeram a proposição de atrair, de fazer um negócio super diferenciado. Depois, era tudo muito amador”, lembra. “Teve uma época que anunciaram um diretor do mercado de engenharia, que era da Moura Dubeux. Mas, no final do dia, a Haut nunca pagou ninguém. E nada foi entregue”. 

Ao longo dos anos, Eduardo teve contato telefônico algumas vezes com Thiago Monteiro. No mais recente, ele contou que havia vendido a Haut para Marcelo Brandão. “Disse também  que estava vendo um grupo de investidores que ia bancar essa continuação das obras e honrar os compromissos. Essa é a última conversa dele. Também disse que estava colocando a cobertura dele em Boa Viagem nos ativos da Haut”, conta Eduardo, que não colocou a construtora na Justiça. “Vou esperar mais um pouco para ver se tem alguma boa notícia nesse contexto, se destrava as obras com os investidores. A Justiça demora muito”.

Empresa de um homem só

Marcelo Brandão conversou com a Marco Zero. Primeiramente, voltou a dizer que está se inteirando do que é a Haut e afirmou que não havia sido sócio da empresa anteriormente.

Quando a reportagem informou sobre o depoimento da cliente, Brandão disse que naquela época passou menos de um mês na construtora. “A gente estava em negociações, mas não avançou. Aí essas negociações voltaram agora em 2025, entendeu? E foi a que eu concretizei, entendeu?”, disse.

Por várias vezes reforçou que está sozinho nessa empreitada da Haut e que vai “assumir as consequências”. Quando Marcelo Brandão diz que está sozinho, não significa apenas que ele é o único dono. Significa também que a empresa – com dezenas de ações na Justiça e vários prédios para entregar aos clientes – não tem nenhum funcionário.

Para a Marco Zero, Thiago Monteiro disse que Marcelo Brandão fez uma “análise profunda nos empreendimentos (da Haut). Ele analisou não só do ponto de vista técnico, mas do ponto de vista de passivos, ativos, os compromissos assumidos”.

Quando a MZ perguntou à Brandão se ele fez as contas e a Haut tinha mais ativos que passivos, ele respondeu: “Rapaz, fiz. Entendeu? É desafiador. O desafio é a quantidade de pessoas envolvidas no negócio, entendeu? Se fosse uma pessoa só, uma conta de mais e de menos… mas tem muita gente envolvida. Por exemplo, uma ação [judicial] de um cara pode travar tudo”.

“Tipo assim, eu adquiri uma empresa quebrada. Essa é a realidade, entendeu? A Haut não tem equipe, não tem local, não tem nada”, disse para a Marco Zero. “Foi essa coisa que eu comprei: uma empresa quebrada, certo? E aí eu tô estudando soluções para cada empreendimento. Seja passando pela Haut construir ou outra [construtora] que venha a construir. Mas que se organize o mínimo possível para que valha a pena para alguém vir terminar. Mas a Haut hoje não tem ninguém, só tem eu”.

Para os clientes, Marcelo não deu qualquer expectativa sobre o término das obras, dizendo que não tinha nenhum cronograma para as soluções para a Haut. Nem previsão de quando terá um cronograma.

Disse que fez um acordo diretamente com Thiago Monteiro porque viu uma oportunidade e que não se arrepende da compra. “Eu não sou um cara que é milionário, entendeu? Então, assim, pra quem é do meu padrão, as oportunidades estão nos desafios”, afirmou.

A foto mostra cinco homens posando sorridentes em frente à entrada de um edifício moderno recém-construído. Eles estão lado a lado, vestidos de forma casual, com camisas escuras e calças jeans, exceto um que usa camisa azul clara. Atrás deles, o prédio tem fachada de vidro e concreto com linhas retas e aparência sofisticada. Duas carriolas de obra ainda estão no local, sugerindo que a construção foi recentemente finalizada ou está nos ajustes finais. Ao fundo, vê-se parte do céu com nuvens e edifícios altos residenciais. No canto inferior esquerdo da imagem, há uma legenda escrita: “Um esforço conjunto dos condôminos, da @hautcce e da Habitat.”

Na foto, Thiago Monteiro é ladeado por Marcelo Brandão e Valdemar Bezerra (no canto)

Crédito: Reprodução/Instagram Haut

“Foi uma decisão minha, pessoal, de topar esse desafio. Todo o passivo da Haut hoje está no meu nome, entendeu? Toda a responsabilidade pelo que vier a vir é minha. Porém, não fui eu que fiz chegar nesse momento. Marcelo Brandão não fez nada que fizesse a Haut chegar onde ela chegou. Eu sou uma pessoa que tô pra dar soluções, entendeu? Tem terrenista, tem comprador, tem gente que investiu muito recurso, tem pessoal que comprou os imóveis de boa fé, tem tudo isso. E dentro desse contexto, eu vou estudando e dando soluções para cada empreendimento. Eu sou um cara do mercado, sou um cara acostumado a esses desafios, entendeu?”, explicou. “Eu tô pegando um negócio no vermelho que eu tenho que dar a virada. Então, assim, vão sendo construídas soluções. Estou me debruçando sobre os números, sobre tudo. Mas, assim, vai haver solução para todos, entendeu?”, prometeu.

Quando questionado quais as qualificações que tem para apontar as soluções para os imbróglios da Haut – que não são poucos, são de naturezas diferentes e incluem vários processos – Marcelo confirmou que trabalhou na construtora Habitat, mas não passou 20 anos na construtora Camargo Côrrea, como informaram alguns clientes que tiveram contato com ele. “Vinte anos não, sou novinho”, brincou.

“Rapaz, veja, não tenho diferencial, não tem o que eu dizer sobre mim não, entendeu? Eu me acho um cara que consigo resolver, entendeu? E a prova é que eu botei meu nome, entendeu? Então assim, tô arriscando”, disse. “Pode ser que não dê certo. E eu vou arcar com as consequências, mas tô arriscando, entendeu?”.

O que une a Habitat à Haut

O outro nome citado como sócio da Haut naquela mensagem no final de 2023 é o de Valdemar Bezerra, pecuarista, um dos donos da loja de artigos rurais Supranor e também proprietário da construtora Habitat. Apesar de ter negócios ligados tanto à Haut quanto a Marcelo Brandão, não consta oficialmente como sócio da empresa nem agora, nem quando Thiago Monteiro vendeu a empresa.

Aberta em 2020, a Habitat Construtora tem sede no mesmo endereço da Supranor, na Iputinga. Fundada em 1970 pelo pai e um tio de Valdemar, a empresa é o carro chefe dos negócios do pecuarista. Valdemar e Thiago Monteiro teriam se conhecido por conta do prédio loft BMRX, o único projeto da Haut que foi concretizado no Recife, na Estrada do Encanamento, em Casa Forte. Valdemar comprou um triplex no prédio.

O BMRX era um dos projetos mais deslumbrantes da Haut. Dez unidades de 219 a 311 m2 (ou 340 m2, a depender da fonte) com piscinas na varanda – uma das constantes nos projetos de luxo da Haut – e um pé direito duplo, com seis metros de altura. No topo, o prédio se abria em uma curva revestida por um metal de cor vermelho ferrugem. Não haveria muro e o jardim era integrado com a calçada. Plantas em cascatas desceriam de canteiros nas janelas.

E, claro, não seria a Haut se o projeto também não tivesse carros elétricos da BMW para uso compartilhado.

A imagem mostra um prédio moderno e estreito de vários andares, com um design arquitetônico marcante: cada andar parece levemente deslocado em relação ao anterior, criando uma aparência de blocos empilhados de forma irregular. A fachada tem janelas amplas e sacadas envidraçadas com detalhes coloridos em tons de azul, vermelho e verde. Na frente do prédio há um muro de obra ainda em pé, pintado com arte urbana nas cores laranja e preto, com linhas abstratas. No centro do muro, há um pequeno símbolo com a letra “H” estilizada. À esquerda, vê-se uma loja chamada “OCLOV Ótica”, com fachada branca e preta, e à direita, outra loja de nome “ELYSIUM”. Ao fundo, há diversos prédios altos residenciais, compondo um cenário urbano verticalizado. O céu está parcialmente nublado

Obra sem placas visíveis da obra do BMRX, em foto de maio de 2024

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Assim que o BMRX começou a ser construído, havia bancos na calçada, debaixo de uma árvore. Era uma das gentilezas urbanas tão propaladas pela Haut. Foi nessa época que esta repórter da Marco Zero começou a ficar atenta à construtora, já que a nossa redação fica próxima do BMRX. O edifício, aliás, chegou a se chamar loft Burle Marx, antes de levar um processo por direitos autorais da empresa que gerencia o espólio do célebre paisagista, falecido em 1994.

Como a Haut paralisou as obras, os condôminos se juntaram em 2024 e decidiram continuar a construção a um custo de R$ 10 milhões. Condômino, Valdemar convenceu os demais compradores a contratar sua própria construtora, a Habitat. A obra foi entregue no começo desse ano – ainda que nenhuma placa de construção estivesse visível durante o período em que a Habitat assumiu (nem da Haut) e que não conste nenhum registro no site de licenciamento urbano da prefeitura do Recife para o endereço (Estrada do Encanamento, 827).

Parte da arrojada beleza das imagens renderizadas se perdeu: não há a curva no topo, as piscinas na varanda deram lugar a tanques e o revestimento vermelho não se concretizou. As gentilezas urbanas também foram retiradas, não há jardim na calçada e uma grade fecha o prédio. Ainda assim, é um prédio que se sobressai na paisagem. Um apartamento no primeiro andar está à venda por R$ 4,5 milhões.

Há uma ligação mais antiga de Valdemar com a Haut do que a mensagem do final de 2023: um processo judicial iniciado em julho de 2023 movido pela Haut sobre a compra de um apartamento de luxo em Casa Amarela tem como parte interessada a empresa Rural Shop. Essa empresa tem como sede o endereço da Supranor e como único sócio um funcionário da loja de Valdemar.

A ligação mais recente entre Habitat e Haut está no fato da construtora de Valdemar ter sido contratada para terminar as obras do condomínio Arbo, no Poço da Panela, após distrato do condomínio com a Haut neste ano. “Foi a construtora que aceitou continuar a obra. Outras que procuramos disseram que era uma obra muito difícil, que ia levar muito tempo para fazer levantamento da estrutura e finalizar, e que não valia a pena pelas complicações do projeto. Também escolhemos a Habitat porque foi quem terminou o BMRX”, explicou a síndica Anna Karla. Ao que tudo indica, a Haut também deve ter unidades no Arbo, como tinha em todos os outros empreendimentos que lançou.

A MZ tentou contato com Valdemar Bezerra e enviou algumas perguntas para ele sobre a relação dele com a Haut, se o prédio BMRX tem o Habite-se (documento que atesta que o imóvel foi construído ou reformado conforme a legislação e está apto a ser habitado), porque não tinha placa na obra e se a Habitat deve entrar em outra obra da Haut, mas o empresário não respondeu.

Denúncia anônima ligou Habitat à associação condenada pelo TCU 

Em 2023, a Habitat foi alvo de uma matéria do Brasil de Fato sobre uma suposta fraude em um programa de crédito habitacional em Pernambuco. A matéria informava que uma denúncia havia sido feito ao Ministério Público Federal (MPF) por pessoas não identificadas no texto. 

“(…) a acusação recente é de que os convênios (com o Incra) seriam executados pela Habitat Construtora E Incorporadora LTDA., empresa supostamente ligada a um amigo do presidente da associação. Para além da terceirização da execução do Crédito Habitacional para uma empresa não habilitada a realizar o programa, os associados afirmam que várias casas nunca chegaram a ser construídas. As que tiveram a construção finalizada, segundo a denúncia, apresentam uma qualidade de construção inferior aos valores que deveriam ser empregados”, diz trecho da matéria, que traz a denúncia que a Associação de Orientação às Cooperativas do Nordeste (Assocene) havia se mudado para o endereço da Supranor. À MZ, o MPF confirmou que a denúncia foi registrada, mas não deu detalhes sobre a investigação.

Em fevereiro deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) julgou irregulares as contas da Associação de Orientação às Cooperativas do Nordeste e de Mônica Barbosa Correia e de Valter de Carvalho, sócios da ong, em outro programa desenvolvido pela Caixa Econômica, “Fortalecer e Aperfeiçoar as Ações de Dinamização Econômica dos Territórios Rurais no Nordeste, Norte de Minas Gerais e Norte do Espírito Santo”. Foram condenados a pagar R$ 1.735.279,41, atualizada “monetariamente e acrescida dos juros de mora, calculados a partir de 30/12/2014 até a data da efetiva quitação do débito”. 

Outro projeto da Assocene, de 2021, também com o Incra, previa a construção de 17 unidades habitacionais no município de Ceará-Mirim, no Rio Grande do Norte. O responsável técnico e “representante por procuração do presidente da Associação” era o engenheiro Marcelo Brandão, o mesmo que é o dono da Haut. 

 

Os negócios da Haut no mercado de capitais

Há ainda um outro fator complicador para as finanças da Haut e para os compradores dos imóveis. É que a empresa entrou em uma parceria com o fundo de investimentos CVPar para vender quotas dos empreendimentos da Haut, como investimentos imobiliários. No Reclame Aqui, algumas pessoas que fizeram investimentos na empresa afirmam que não receberam os lucros prometidos – de 14,03% ao ano.

Em março de 2022, quando a Haut já apresentava atraso em algumas obras, a parceria com a CVPar Business Capital foi anunciada como a primeira vez que uma construtora nordestina ia para o mercado de capitais. Mesmo sem nada entregue no Recife, a Haut anunciou que havia recebido o registro da CVM para emissão do seu primeiro CRI, no valor inicial de R$ 15 milhões, que seria parte de um total de R$ 91 milhões que estariam disponíveis para investimentos exclusivamente na Haut.

A foto mostra dois homens sentados lado a lado em uma mesa branca, sorrindo para a câmera enquanto assinam um documento. Ambos estão bem vestidos, com camisas sociais brancas de mangas dobradas. O homem à esquerda é Irapuã Dantas, ele tem barba cheia, cabelo escuro na altura do pescoço e segura uma caneta sobre os papéis. O homem à direita é Thiago Monteiro, ele também tem barba, usa óculos de aro redondo e um relógio metálico no pulso esquerdo; ele também está assinando o documento. Ao fundo, há um ambiente de escritório moderno com divisórias de vidro, mesas organizadas e pessoas trabalhando em computadores. A cena transmite um momento de formalização, como a assinatura de um contrato ou parceria.

O diretor da CVPar Irapuã Dantas e Thiago Monteiro na divulgação da parceria

Crédito: Reprodução/Instagram Haut

“Uma captação como essa exige uma pesada diligência por parte do fundo e um mínimo de governança da nossa parte. Por isso, além do capital aportado, ficamos super felizes e orgulhosos com essa chancela”, falou Thiago Monteiro à época, em texto postado no site da Haut.

O mesmo texto dizia que a primeira captação seria destinada à conclusão de quatro empreendimentos no Recife e que a Haut já tinha vendido R$ 241 milhões dos R$ 411 milhões em valor geral de vendas.

Em entrevista à Marco Zero, Thiago Monteiro disse que a parceria incluía o investimento em uma obra como compromisso, com a promessa de mais outras duas obras. “Isso não aconteceu. Inclusive, nenhuma dessas obras era uma operação de um CRI”, ressalta. “Dos R$ 15 milhões (que a Haut esperava), a gente só recebeu cerca de R$ 9,5 milhões. Mas não por culpa deles, mas por uma dificuldade de captação no próprio mercado, que era um ano eleitoral. A Faria Lima travou, o juros já estavam muito altos, 14% ao ano, com a promessa de que iria baixar e até agora não baixou. Então, acho que o investidor deixa o dinheiro aplicado e não coloca no real estate (bens imóveis)”, disse o fundador da Haut.

Em meados do ano passado, o banco BTG Pactual emitiu um comunicado de fato relevante retirando 76% do fundo do co-haut 001 da CVPar para um um outro fundo, de maior risco. A securitazadora Habitasec mostra três títulos da Haut no seu portfólio, dos quais um já se encontra inadimplente. São títulos de risco, sem garantias do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) ou mesmo de quem vendeu. Mas entre as garantias oferecidas para quem comprava o CRI estava a alienação fiduciária do co-haut 001.

Glossário

1. Mercado de capitais – Sistema financeiro que permite a captação de recursos através da emissão de títulos, como ações e debêntures. Nesse mercado, os investidores compram títulos com o objetivo de obter lucros a partir dos juros ou da valorização desses ativos.

2. Alienação fiduciária – Transferência de um bem do devedor para o credor, como garantia de pagamento.

3. Securitizadora – Empresa que compra dívidas de outras empresas para depois transformar esses direitos em títulos negociáveis no mercado de capitais.

4. CRI – É um título que representa um direito de crédito sobre recebíveis imobiliários.Ou seja, o investidor recebe pagamentos futuros relacionados a esses recebíveis, como parcelas de financiamentos imobiliários, aluguéis ou vendas de empreendimentos.

5. CVPar – Empresa ligada ao banco BTG Pactual, com sedes em Fortaleza e São Paulo. A Cvpar se diz especialista em buscar as “melhores alternativas de investimentos e soluções financeiras” e atua com a venda de títulos imobiliários, entre outros.

6. Stakeholders – Partes interessadas em uma organização ou projeto, como investidores, acionistas e clientes

Na entrevista à Marco Zero, Marcelo Brandão disse que a CVPar investiu dinheiro em “algumas das obras da Haut” e que “tem as garantias lá dele”. Brandão não quis detalhar como é a participação da CVPar nos empreendimentos da Haut afirmando que são assuntos internos e complexos.

“A CVPar consta no contrato de alguns compradores, mas não no meu”, diz a compradora de uma unidade do co-haut 001, Anna Sady. A MZ não conseguiu falar com nenhum cliente que tivesse também a CVPar no contrato.

Um dos poucos clientes que já conseguiu falar com Brandão repassou em um grupo que o novo dono da Haut disse que a CVPar é a “dona” do Co-haut 001 e que a negociação será mais burocrática, atrasando o término do prédio na rua do Chacon que é, de longe, a obra mais adiantada da Haut – com 49,4% de avanço da obra, de acordo com um relatório da consultoria Trinus, enviado para a Marco Zero por Thiago Monteiro. O mesmo relatório, feito em julho de 2024, estabelece que, em um cronograma de 12 meses, seriam necessários R$ 13.588.400,00 para terminar a obra.

A imagem mostra a estrutura de um edifício em construção ou abandonado, visto de baixo para cima, com vários andares de concreto ainda sem acabamento ou fechamentos nas fachadas. O prédio tem aparência inacabada, com vigas e colunas expostas. Em frente à construção, há dois grandes painéis de publicidade unidos lado a lado, montados sobre um suporte metálico. O painel da esquerda é verde e exibe o logotipo e nome da empresa cvpar, com o texto “inteligência e movimento imobiliário”. O painel da direita é marrom escuro e traz o logotipo da marca Haut. Abaixo dos logotipos estão os respectivos perfis no Instagram: @cvpar.business e @haut.ar. A cena se passa em um dia nublado, com céu cinza, e há árvores ao lado esquerdo e fios elétricos visíveis no alto da imagem, indicando uma área urbana.

“Empreendimento 100% financiado”: co-haut 003 com placa da CVPar e da Haut, em maio de 2024.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

No papel, o co-haut 001 pertence à Haut e a Thiago Monteiro – que diz que está na burocracia para sair da sociedade, deixando apenas a Haut.

A Marco Zero entrou em contato com o departamento jurídico da CVPar para saber qual é a participação dela na Haut, nas obras da empresa e se ela pretende investir no término das obras do co-haut 001, ou de outros imóveis da Haut.

Em nota, a CVPar disse que é importante “esclarecer que a CVPar não possui qualquer envolvimento na gestão ou execução do projeto em questão”. E que atua unicamente como representantes dos investidores. “Assim como outros stakeholders, também fomos surpreendidos pela inadimplência do projeto e atualmente estamos acompanhando as providências adotadas pela Habitasec para recuperação do crédito”, afirmou, em nota. A CVPar não explicou qual seria sua participação no co-haut 003. Na placa que havia na frente da obra, como se vê na foto da Marco Zero, acima do logo da CVPar se lia: “Empreendimento 100% financiado”.

Confira a nota completa da CVPar:

A CVPar é uma gestora de investimentos, e o fundo imobiliário CVPR11 faz alocações em operações de crédito imobiliário residencial sob mandato de seus investidores. Em setembro de 2022, o CVPR11 adquiriu uma participação como cotista em um Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI) estruturado pela Securitizadora  Habitasec, cujo ativo-alvo é o empreendimento “co-haut 001”.

É importante esclarecer que a CVPar não possui qualquer envolvimento na gestão ou execução do projeto em questão. Atuamos unicamente como representantes dos investidores nessa estrutura. Assim como outros stakeholders, também fomos surpreendidos pela inadimplência do projeto e atualmente estamos acompanhando as providências adotadas pela Habitasec para recuperação do crédito.

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Acostumado a comprar imóveis em leilões, em agosto de 2019 o engenheiro eletricista Bruno Guerra comprou seu primeiro imóvel na planta, como um investimento. A expectativa era receber uma das 120 unidades do co-haut 001 em dezembro de 2022. Bruno fez a compra à vista, pagando R$ 205 mil. 

Em 2023, a mais avançada das construções da Haut paralisou de vez. “Tivemos 2024 inteiro sem obras e já estamos na metade de 2025”, reclama o engenheiro. “Eu entendo que pode ter havido um desequilíbrio financeiro do empreendimento face ao aumento de custos da pandemia, mas eles nunca marcaram a reunião com os adquirentes e propuseram um novo acordo. Nunca demonstraram dificuldade. Muitas pessoas compraram apartamentos após o início da pandemia, então a Haut já deveria saber que os custos tinham aumentado”, cobra. 

Depois de muito tentar, Bruno e outros compradores conseguiram uma reunião com Thiago Monteiro em 2024. Foi na praça de alimentação do aeroporto do Recife, antes do ex-sócio da Haut embarcar em uma viagem. “Ele, muito simpático, disse que tinha uma construtora de Goiânia (GO) que estava querendo entrar no mercado pernambucano e poderia fazer uma parceria com a Haut”, lembra. “Ele abriu o computador e mostrou uma planilha. Disse que no co-haut 001 havia não lembro quantas unidades no nome da Haut e que a venda delas pagaria o resto da obra, que estavam sem dinheiro em caixa”, conta.

Bruno ainda não entrou na Justiça, mas pretende. “A falta de comunicação da Haut com a gente nos deixou em um limiar: Quando é que deixa de ser uma obra atrasada pra ser uma obra que não vai ser entregue?”

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org