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PRÓPRIO VENENO // Acordo bilionário com caminhoneiros deixa Temer refém da regra do “teto de gastos” no Orçamento

Mariama Correia / 30/05/2018

A conta que o Governo Federal vai pagar para subsidiar o preço do diesel, atendendo ao pleito dos caminhoneiros, é de R$ 13,5 bilhões. Mas essa não é uma fatura fechada. Como o preço dos combustíveis varia de acordo com as oscilações do petróleo e do dólar, de acordo com a política de preços adotada atualmente pela Petrobras, o montante pode subir nos próximos 60 dias, período no qual a União prometeu uma redução do preço do diesel de R$ 0,46 por litro, e deve continuar crescendo até o final do ano, quando os reajustes do diesel continuarão sendo controlados mensalmente.

A verdade é que o Governo Federal ainda não sabe ao certo qual será o custo final do acordo com os caminhoneiros, alerta o assessor técnico da Câmara dos Deputados, formado em direito e especialista em Orçamentos Públicos,  Flávio Tonelli Vaz. Por outro lado, o rombo fiscal é certo. Acontece que para garantir a redução de R$ 0,46 no diesel o Governo Federal decidiu subsidiar o desconto para não onerar a Petrobras. Além de subsidiar o diesel da Petrobras, o governo também vai subsidiar o importado. Se o preço do produto estrangeiro cair, os importadores pagarão mais imposto de importação para não prejudicar a petrolífera.

A matemática é a seguinte: R$ 0,16 virão da redução da Cide e das alíquotas do PIS e da Cofins, o que equivale a R$ 4 bilhões nas contas da União. Para recuperar parte desse valor, o governo depende da reoneração da folha de pagamento, já aprovada pelo Senado. Os outros R$ 0,30 serão subsidiados por meio de um programa que será criado pela União. Até o fim do ano, esse subsídio totalizará R$ 9,5 bilhões (daí os R$ 13,5 bilhões). Acontece que, desse total, apenas R$ 5,7 bilhões de uma reserva de contingência já estão garantidos. Os outros quase R$ 4 bilhões ainda permanecem em aberto, um sinal de que o governo terá que fazer cortes em outras áreas para compensar o gasto extra. Isso significa um novo arrocho em um Orçamento que já está apertado.

A questão é que o Orçamento está amarrado por uma regra chamada de Teto dos Gastos.  Desde a criação da norma em 2016, o Orçamento está limitado à despesa do exercício anterior mais a inflação por 20 anos. Com isso, Tonelli Vaz explica que  governo Temer se tornou refém da própria regra que criou.  “A regra deixou o governo amarrado. Mesmo que haja um aumento de receita (pelo incremento da arrecadação, por exemplo, puxado por um maior dinamismo econômico), não seria possível ampliar os investimentos. Entre tantos outros exemplos de impactos para a população, isso significa dizer que, se quiser aumentar o investimento na merenda escolar ele precisa tirar de outro gasto previsto”, esclarece Tonelli Vaz.

Os efeitos nefastos da regra ficaram evidentes no ano passado, quando o nível de investimentos públicos caiu ao menor patamar em 50 anos, para 1,16% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, segundo levantamento do Ipea. Os impactos são sentidos em várias áreas como educação e saúde.  “O encerramento de programas de pesquisa científica como o Ciência sem Fronteiras, o sucateamento de universidades públicas ou mesmo cortes em programas sociais como o Bolsa Família, são alguns exemplos”, argumenta o especialista.  Agora, com a conta do acordo com os caminhoneiros -que ainda pode escalonar- a situação deve ficar ainda mais grave no  próximo ano.

“A menos que o governo decida voltar atrás e suspenda os subsídios após os 60 dias do acordo inicial, o que faria os preços  diesel subirem novamente, com o governo assumindo a conta para não onerar a Petrobras podemos esperar novos contingenciamentos no Orçamento da União e cortes ainda maiores no próximo ano, porque a conta atual é proporcional aos meses que faltam até o fim do ano”, avalia.

Além disso, a mudança da regra de cobrança do pedágio por eixos do caminhão pode custar o reequilíbrio de concessões rodoviárias por todo o país e, novamente, a conta pode cair  no colo do Tesouro. Acontece que, atualmente, um caminhoneiro paga o pedágio pela quantidade de eixos do veículo, mesmo que alguns estejam suspensos, o que ocorre quando eles não estão transportando cargas. “A mudança de regra, ou seja, o não pagamento por eixos suspensos vai impactar diretamente nas receitas das concessões, que já estão previstas nos contratos com União, estados e municípios. Então, das duas, uma. Ou teremos um aumento generalizado dos pedágios ou o governo assumirá novamente a conta”, antevê Flávio Tonelli Vaz.

Ginástica econômica

A redução de subsídios e a reoneração de setores econômicos são algumas das alternativas apresentadas pelo Governo Federal para cobrir a despesa extra que será gerada pela sua decisão de assumir a conta da redução do diesel, e evitar o desgaste político. O aumento de impostos, que chegou a ser cogitado em uma primeira fala do ministro da Fazenda Eduardo Guardia, foi rapidamente descartado por ele depois de sucessivas críticas, incluindo falas de representantes da indústria e do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM).

“Se não vai aumentar impostos, ainda há margem para algumas ações como gerar recursos por meio da emissão de títulos públicos”, considera o economista e conselheiro do Conselho Federal de Economia (Cofecon)  “Mas o comprometimento de políticas sociais em andamento não está fora de cogitação porque a saúde a educação já estão com orçamentos congelados e deixando a desejar”, aponta.

O X da questão

A crise dos combustíveis que encurralou o Governo Federal tem origens em 2017, quando a Petrobras decidiu adotar uma nova política de preços que acompanha as oscilações internacionais do petróleo e que podem ser ajustados a qualquer momento. No governo Dilma, os reajustes eram controlados, evitando o aumento generalizado dos preços dos derivados de petróleo e da inflação geral. “Essa política, no entanto, foi apontada como a responsável por prejuízos milionários da Petrobras e de seus acionistas”, lembra o economista e professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Luis Maia.

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Mas ajustes em tempo real, acompanhando movimentos das commodities e do câmbio seriam a solução ideal? Na avaliação do consultor de petróleo Jean Paul Prates a fórmula não é bem essa. “Precisa considerar o mercado internacional, que não deixe o preço daqui muito diferente do petróleo internacional, mas com maior previsibilidade”, argumenta. Luis Maia considera que o governo poderia fazer usos de “reservas de combustíveis, como as reservas de grãos que mantém para controlar o preço no mercado interno, em caso de altas”. Tonelli Vaz é mais crítico. “O governo está assumindo o ônus de um uso equivocado da Petrobras. A questão é que a política de preços da companhia é equivocada, é uma política feita para beneficiar apenas os acionistas, que se sentiram prejudicados durante o governo Dilma. Mas é preciso considerar que a Petrobras é uma empresa estratégica para toda a economia do país”.

AUTOR
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Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).