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À espera do STF, povos indígenas lutam por regularização de terras

Raíssa Ebrahim / 26/08/2021
Vigília indígena vista do alto, em frente ao STF contra o Marco Temporal

Crédito: Ian Coelho

A quarta-feira 25 de agosto foi marcada pelas imagens de mais de seis mil indígenas mobilizados em Brasília na luta por seus direitos. Os mais de 170 povos, de todas as regiões do Brasil, protagonizaram a maior manifestação dos povos originários pós-constituinte. Na pauta, está a rejeição às propostas anti-indígenas que tramitam no Congresso Nacional, com destaque para a legalização dos garimpos, e um ponto central na vida dessas populações: o julgamento do chamado Marco Temporal

Caso ele seja aprovado no Supremo Tribunal Federal (STF), haverá uma base legal para que os povos só possam reivindicar a demarcação de terras em que já estavam estabelecidos antes da Constituição de 1988. Ou caso consigam comprovar que a população foi removida do território à força, sob resistência persistente, processo conhecido como “esbulho renitente”.

A previsão era que o STF retomasse a votação na própria quarta-feira, quando os milhares de indígenas marcharam até o STF. Porém, a Corte Superior adiou o início do julgamento para hoje, 26 de agosto. Esse é o quarto adiamento em dois meses.

“Estamos realizando a maior mobilização de nossas vidas, em Brasília, porque é o nosso futuro e de toda humanidade que está em jogo. Falar de demarcação de terras indígenas, no Brasil, é falar da garantia do futuro do planeta com as soluções para a crise climática”, disse a coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, em publicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Indígenas contra o Marco Temporal

Crédito: Gabriel Paiva

O acampamento Luta pela Vida começou no dia 22 de agosto e seguirá até o dia 27. São sete dias de mobilizações, plenárias, vigílias e manifestações contra o processo considerado o mais importante do século para os povos indígenas. Em apoio aos indígenas, famosos como DJ Alok, Vitão e Maria Gadú marcaram presença no acampamento montado a dois quilômetros da Praça dos Três Poderes, na capital federal. Nas redes sociais, Daniela Mercury e Gisele Bündchen também expressaram apoio.

O marco temporal é um prato cheio para barrar de vez o processo de demarcação de terras, já paralisado no Brasil, e ainda beneficiar produtores rurais que veem nas terras indígenas oportunidades de lucro. O argumento deles é que, da forma como as coisas estão, não há segurança jurídica sobre o assunto. A categoria tem total apoio da presidência. Antes e depois das eleições de 2018, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) repetiu várias vezes a frase “No que depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena”.

Entenda o que é o Marco Temporal

A questão do Marco Temporal é o desdobramento de um caso que foi parar no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em 2013, referente a uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, na Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ. No território, também estão indígenas dos povos Guarani e Kaingang.

Naquele ano, o TRF-4 manteve a decisão de 2009 da Justiça Federal em Santa Catarina ao conceder ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (antiga Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente – Fatma) a reintegração de posse de uma área da Reserva Biológica do Sassafrás. 

O tribunal, na época, não reconheceu a posse indígena e ainda alegou que haveria incompatibilidade entre a presença dos povos ali e a preservação do meio ambiente. O que o STF julgará agora é um recurso interposto pela Fundação Nacional do Índio (Funai), que questionou a decisão do tribunal.

O Ministério Público Federal (MPF) já se colocou contra a tese do marco temporal. “O art. 231 da Constituição Federal reconhece aos índios direitos originários sobre as terras de ocupação tradicional, cuja identificação e delimitação há de ser feita à luz da legislação vigente à época da ocupação”, se posicionou o procurador-geral da República, Augusto Aras.

Indígenas protestam em Brasília contra Marco Temporal

Crédito: Ororubá Filmes

Associação monitora mais de 200 terras

Em meio às ameaças e amplas discussões do momento, a Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí) tornou público o Monitoramento Terras Indígenas no Leste e Nordeste. Ao todo, vêm sendo monitorados povos em dez estados brasileiros: todos do Nordeste, com exceção do Maranhão, que faz parte da Amazônia Legal, Minas Gerais e Espírito Santo.

Chama a atenção o alto quantitativo de terras sem qualquer medida de regularização, o que fragiliza bastante os povos indígenas e a preservação do meio ambiente. Por outro lado, os dados permitem ver a forte mobilização dos povos na última década, reforçada na conquista das pautas indígenas como um tema de urgência nacional. Nos anos 1970 e 1980, havia algumas dezenas de povos fazendo reivindicações. Hoje são mais de 200.

A Anaí construiu uma tabela reunindo informações sobre as terras indígenas, seus povos, área e respectiva situação fundiária. Também construiu mapas georreferenciados em que cada uma das terras indígenas pode ser localizada por seu número de identificação na tabela. Das 224 terras indígenas levantadas, apenas uma conta como homologada (Wassu-Cocal, do povo wassú, em Alagoas) e 43 como regularizadas.

O antropólogo e professor universitário José Augusto Sampaio, associado à Anaí, destaca os prejuízos em função da paralisação dos processos de regulamentação das terras indígenas. “Cada vez que se consegue demarcar uma terra, essa terra de uso coletivo sai do mercado”, comenta José Augusto, sobre o interesse de exploração de mineradores e produtores agropecuários.

E mais: na avaliação de especialista, caso o Marco Temporal seja aprovado até mesmo os povos com situação de terras regularizadas ficarão indiretamente ameaçados e também mais fragilizados.

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com