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Alegria e esperança substituíram o medo na Marcha das Margaridas, em Brasília

Giovanna Carneiro / 17/08/2023
Foto colorida, com foco em uma mulher idosa, usando chapéu de palha e blusa azul clara, com sorriso discreto e olhar para cima, com ar sonhador. Ao redor dela, há silhuetas de outras mulheres com chapéu de palha que estão desfocadas.

Crédito: Géssica Amorim/Coletivo Acauã

“Viva a Marcha das Margaridas. Viva o presidente Lula. Viva o povo brasileiro!”. A saudação da coordenadora geral da 7ª Marcha das Margaridas, Maria José Moraes, deu o tom do que foi a edição 2023 da maior mobilização realizada por mulheres na América Latina. Nos dias 15 e 16 de agosto, mulheres dos campos, das florestas, das águas e das periferias deixaram seus territórios em uma jornada até o Distrito Federal para anunciar o que imaginam ser “um novo tempo para o Brasil, um tempo de retomada e reconstrução”.

Com o lema “Pela reconstrução do Brasil e pelo bem-viver”, aproximadamente 100 mil mulheres de todas as regiões do Brasil foram ao encontro do presidente Lula para celebrar a sua volta à presidência e cobrar a efetivação de políticas públicas de valorização da vida de mulheres, sobretudo das agricultoras. No acampamento montado no Parque da Cidade de Brasília, caravanas de ônibus chegavam de todos os lugares, mulheres que viajaram por horas e dias para fortalecer um coro de vozes que desejam a mesma coisa: um país sem fome, com justiça climática e sem desigualdades sociais, raciais e de gênero.

Silvana de Jesus, do Quilombo São Sapé, no Maranhão, saiu de casa no domingo pela manhã e só chegou no acampamento na terça-feira no comecinho da tarde sem demonstrar nenhum cansaço. Ela estava entusiasmada para participar da caminhada e explica o porquê: “o nosso interesse em estar aqui é porque queremos moradia, terra pra trabalhar, educação para os nossos filhos e netos, isso que importa para nós aqui porque nada disso nós temos. A gente quer um poço, uma estrada, uma casa para morar”.

A delegação do Maranhão foi a maior a participar da 7ª Marcha das Margaridas. Nas faixas e camisas, as estampas explicavam o motivo: o grande número de representantes de quilombos. De acordo com o governo do Maranhão, o estado possui 1.500 comunidades quilombolas, e a força da incidência política desses territórios estava presente na mobilização.

Com a segunda maior delegação, o estado onde nasceu o Presidente Lula, Pernambuco, levou à marcha toda “a admiração e amor ao presidente”, nas palavras das camponesas que saíram de Afogados da Ingazeira no mesmo ônibus onde estavam as repórteres da Marco Zero e do Coletivo Acauã. Eram nítidas a ansiedade e a alegria das mulheres de Pernambuco em ver e ouvir o presidente. Durante o discurso de Lula, que aconteceu ao final da marcha, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, na quarta-feira, 16 de agosto, aquelas que estavam abraçadas com a bandeira de Pernambuco ou com as camisas da delegação não seguraram a emoção e a grande maioria caiu no choro.

“É uma satisfação enorme estar aqui, é minha terceira marcha, é uma coisa brilhante lutar pelo direito das mulheres. Lula é o nosso grande nosso mestre e ele traz muita esperança para todas nós, mulheres”, declarou Safira Sipriano, secretaria de Agricultura do município de Solidão, integrantes da comitiva pernambucana.

O ambiente era tão diferente das duas marchas anteriores que, pela primeira vez, a manifestação recebeu uma representante do Congresso norte-americano. Quem estava na plenária de abertura contou foi Alexandria Ocasio-Cortez, deputada norte-americana de origem porto-riquenha, conhecida por ser a mulher mais jovem eleita para o CongressodosEUA.

Repórter da Marco Zero foi carona em ônibus de agricultoras do Pajeú. Crédito: Géssica Amorim/Coletivo Acauã

O Governo Federal e a Marcha

“Esse ano foi muito mais tranquilo”; “Tinha um clima de felicidade mesmo, de esperança”; “Parecia uma grande celebração mesmo”; “Muito diferente da última marcha”. As duas últimas Marcha das Margaridas, ocorreram em contextos sociopoliticos críticos para os movimentos sociais. Uma aconteceu em 2016, duas semanas antes do impeachment da presidenta Dilma Roussef, e a última em 2019, durante o governo Bolsonaro, que a Marco Zero também acompanhou.

De acordo com várias particiapantes que foram minhas companheiras de viagem desde o sertão do Pajeú, em 2019, havia uma estratégia de segurança reforçado por medo de confronto e represália policial. Medo e tensão tomavam conta, mas as margaridas não deixaram de marchar. Já neste ano, o que testemunhamos foi uma verdadeira festa em celebração repleta de esperança na recuperação de políticas voltadas para mulheres e agricultoras, que já haviam sido implantadas nos governos petistas anteriores.

“Essa é a marcha de reconstrução, é a marcha que a gente vai ter condição de recuperar tudo aquilo que a gente perdeu em sete anos de descaso. Após o golpe contra a presidenta Dilma, já começaram a destruir as politicas públicas para as mulheres, em especial as mulheres rurais, então, o governo Lula é o de caminhar para o bem viver das mulheres do campo, das águas e das florestas e da cidade”, afirmou a diretora de Política para as Mulheres da Fetape, Adriana do Nascimento.

Para esta edição, as organizadoras travaram diálogo com o Governo Federal, culminando na presença de Lula no desfecho da Marcha. De acordo com a diretora da Fetape, antes do presidente subir no palanque, no entanto, foram fundamentais as atuações da ministra da Mulher, Aparecida Gonçalves, e do ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, que entregaram o plano de ação formulado pelas mulheres da Marcha das Margaridas a Lula, o que resultou na criação de politicas públicas sancionadas pelo presidente durante a cerimônia de encerramento.

Já na plenária de abertura da Marcha das Margaridas, que aconteceu no Parque da Cidade, na noite da terça-feita, 15 de agosto, ministros e ministras se fizeram presentes no palanque e em meio às mulheres. Estavam lá Anielle Franco, Marina Silva, Margareth Menezes e Sônia Guajajara.

Ovacionada pelo público, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, fez uma das fala mais celebradas ao agradecer as mulheres por serem protagonistas na campanha de eleição do presidente Lula e na derrota de Bolsonaro. “Vocês vieram de longe, de muitos lugares desse Brasil profundo, trazendo a alma profunda das mulheres do Brasil. Nós só estamos aqui porque fomos capazes de colocar em seu devido lugar aquele que afrontou a nossa democracia, porque sem democracia não há como marchar”, declarou a ministra.

Emocionada, Anielle Franco agradeceu pelo carinho com sua irmã, Marielle, que teve seu rosto e suas frases estampados nas faixas que espalhadas pela manifestação. A ministra da Igualdade Racial reforçou a importância de garantir a vida e a segurança de mulheres que atuam na política e que, assim como Marielle Franco e Margarida Maria Alves, podem ser assassinadas.

Lula escuta Margarida Alves discursar em Alagoas Grande, nos anos 1980

Retomada da reforma agrária e outras conquistas

Durante a sua participação no encerramento na Marcha das Margaridas, Lula assinou oito decretos e anunciou que outras dez políticas com foco nas mulheres agricultoras que serão assinadas ao longo da semana nos diversos ministérios.

Decretos assinados por Lula na Marcha:

  • Retomada da reforma agrária: Programa Nacional para Reforma Agrária priorizando famílias chefiadas por mulheres;
  • Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar financiará criação de 10 mil quintais produtivos;
  • Programa Nacional de Cidadania e bem viver para mulheres rurais- tetomada do programa de documentação para a trabalhadora real;
  • Criação da comissão de enfrentamento a violência ao campo;
  • Criação do Grupo de Trabalho interministerial de juventude e sucessão rural;
  • Pacto Nacional de prevenção aos feminicídios;
  • Retomada da política Nacional para trabalhadores rurais empregados, com Programa Nacional de Crédito Fundiário, que vai beneficiar mais de 1,5 mil famílias ainda sem acesso à terra. O programa oferece condições facilitadas de financiamento a agricultores sem ou com pouca terra para que possam comprar imóvel rural;
  • Comissão de trabalhadores rurais empregados;
  • Retomada do programa Bolsa Verde, de apoio à Conservação Ambiental, que prevê um pagamento a famílias de baixa renda, moradoras de áreas a serem protegidas ambientalmente. O pagamento por família, que era de R$ 300, passa a ser de R$ 600.

Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.

A tensão da era Bolsonaro passou longe da Marcha das Margaridas deste ano. Crédito: Géssica Amorim/Coletivo Acauã

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AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.