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Até a Campanha da Fraternidade é alvo da extrema-direita

Grupos católicos de extrema-direita veem "ideologia de gênero" e aborto no tema baseado no evangelho de Mateus

Giovanna Carneiro / 12/03/2024
Nesta foto, vê-se um evento ao ar livre com várias pessoas, incluindo o arcebispo de Olinda e Recife, dom Paulo Jackson, vestido com vestes religiosas. O ambiente parece ser tranquilo e pacífico, com árvores verdes visíveis ao fundo. Algumas pessoas estão tirando fotos ou gravando o evento com seus telefones celulares. Há uma tenda branca ao fundo com a palavra “CAMPANHA” visível e outras palavras não legíveis.

Crédito: Reprodução

“A campanha da fraternidade mais escandalosa de todos os tempos”. É assim que um integrante do grupo católico extremista Centro Dom Bosco caracteriza a Campanha da Fraternidade 2024, realizada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em um vídeo publicado no canal do Youtube no dia 28 de fevereiro, usando trechos de uma pregação do arcebispo de Olinda e Recife e vice-presidente da CNBB, Dom Paulo Jackson, o coletivo pede que os fiéis boicotem a campanha e não realizem doações à igreja Católica durante o período da quaresma.

De acordo com o homem que aparece no vídeo, que não foi identificado durante a gravação, a Campanha da Fraternidade estaria trazendo à tona questões de “ideologia de gênero e ações contra os bebês não nascidos”, e por isso não estaria em comunhão com as verdadeiras diretrizes da bíblia e da igreja Católica.

A Campanha da Fraternidade de 2024 tem como lema “Fraternidade e amizade social”. E se baseia no capítulo 23, versículo 8 do evangelho de Mateus, que afirma “Vós sois todos irmãos e irmãs”. A arte de divulgação da campanha tem o desenho de um grupo de diversas pessoas com características e fenótipos diferentes – mulheres e homens negros e brancos, indígena, criança, pessoa com deficiência, mulher grávida e até um cachorro – que estão dispostas ao redor de uma mesa junto com um padre. Não há qualquer referência ao universo LGBTQIA+ no cartaz.

No entanto, o Centro Dom Bosco, a campanha não condiz com a ordem do cristianismo por ser progressista demais. “É preciso que as paróquias dominadas pelo progressismo e pela teologia da libertação percam as suas fontes de renda, não coopere com a revolução e nem doe coletas e dízimos para padres progressistas e, além de tudo, rezemos para que Dom Paulo se arrependa da sua defesa apaixonada por pautas anticatólicas e se volte para a tradição”, afirma o representante do Centro Dom Bosco no vídeo do YouTube.

Procuramos a Arquidiocese de Recife e Olinda para saber qual é o posicionamento da Igreja Católica diante das acusações contra a Campanha da Fraternidade 2024 e o arcebispo Dom Paulo Jackson, mas até o momento não obtivemos resposta.

Na Câmara Municipal do Recife, os ataques dos fundamentalistas católicos rendeu um voto de repúdio da vereadora Cida Pedrosa (PCdoB), aprovado com um único voto contrário.

Extrema-direita religiosa

Com 493 mil inscritos no canal do YouTube e 182 mil seguidores no Instagram, o Centro Dom Bosco se define como “uma escola do serviço do Senhor”. Nas redes sociais do grupo é possível encontrar diversas postagens contra a “perversão sexual” e com convites para aulas, encontros e cursos sobre santos e padres da igreja católica e contra os “modernos e degenerados”.

Outras organizações, guiadas por diretrizes parecidas com as do Centro Dom Bosco, se espalham nas redes sociais, e se somaram ao boicote, entre elas, o grupo pernambucano Confraria Dom Vital. Além de utilizar as redes sociais, o coletivo está custeando peças de publicidade veiculadas nos ônibus do Recife. O encarte da propaganda traz o apelo: “Não doe no Domingo de Ramos, à Teologia da Libertação, à Campanha da Fraternidade 2024. Prefira esmola, penitência, oração”.

Entramos em contato com a Confraria Dom Vital para saber mais detalhes sobre as propagandas contra a campanha da fraternidade. O grupo respondeu à reportagem com a seguinte mensagem: “Paz e bem, peço que reze por nós, pelo nosso bispo e o papa Francisco”.

Extrema-direita usaria qualquer pretexto para atacar, diz teólogo Marcelo Barros. Crédito: Reprodução

De acordo com o monge benedito e teólogo, Marcelo Barros, o ataque à campanha da fraternidade é característico de um movimento de ultraconservadorismo e, independente do tema proposto pela CNBB, o discurso de hostilidade seria utilizado por integrantes destes grupos.

“No Brasil, a extrema-direita política e também religiosa usa as redes sociais para fazer a sua cruzada contra os adversários e inimigos que eles criam. No vídeo em que eles criticam a Campanha da Fraternidade e o atual arcebispo do Recife eles falam mesmo em guerra. Espalham essa praga para contaminar. O melhor é não entrar em contato para não ser contaminado. Não entrar no jogo deles. Estamos abertos a dialogar e até a rever nossas posições, mas com quem quer dialogar e procura a verdade com honestidade. Com quem usa as redes para somar algoritmos e vencer pela repetição de fake news não vale a pena responder”, disse o teólogo.

“Reunir os cristãos é o tema da Campanha da Fraternidade que eles estão atacando. Incitar a ideologia de gênero e a permissão de aborto é apenas pretexto para atacar. O que é ideologia de gênero, esse mito que a direita inventou? É como um moinho de vento a atacar. O mesmo sobre permissão do aborto, não é um debate sério”, concluiu Barros.

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.