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Foto: Ildebrando Gutemberg
Com uma diária de trabalho de R$ 33,87 para o corte de três toneladas de cana-de-açúcar, e uma cesta básica de R$ 50 por mês em Pernambuco, trabalhadoras e trabalhadores assalariados do campo, que já enfrentam as consequências da Reforma Trabalhista de 2017, com perdas de conquistas históricas, agora se veem ameaçados também pela Reforma da Previdência. Se aprovada, a PEC 06/2019 irá precarizar ainda mais a vida de quem trabalha no meio rural, sobretudo as mulheres.
A MP 873/2019, por sua vez, “inviabiliza a existência dos sindicatos”, nas palavras do presidente do Senado e do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Ela enfraquece o financiamento e a articulação sindical de uma categoria de atuação historicamente precária – só 11% desse pessoal é formalizado e conta com direitos trabalhistas e previdenciários no Brasil, segundo o IBGE. Além disso, a MP 871/2019 ainda dificulta o acesso à aposentadoria rural porque muda as regras para revisão da concessão de benefícios do INSS – inclusive estimulando gratificações para os servidores que fizerem cortes –, prejudicando a renda e consequentemente a economia no meio rural. Na contramão desse cenário, a produção agrícola local somou R$ 319 bilhões em 2017, de acordo com o IBGE.
[pullquote]“Esse governo quer trazer de volta o trabalho escravo para nosso povo”, avalia Gilvan José Antunis, presidente da Fetaepe (Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariados de Pernambuco).[/pullquote]
É para discutir o atual cenário e manter a articulação que a Fetaepe promove, nos dias 23 e 24 de março, em Carpina, o 1º Congresso Estadual dos Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariados Rurais de PE (Cettar-PE). Na pauta, também estarão discussões sobre informalidade, baixos salários, precarização das condições de trabalho e acordos firmados nas Convenções Coletivas de Trabalho.
Ao todo, o estado soma 130 mil pessoas trabalhando de forma assalariada no campo, sendo 30% mulheres (39 mil). No Agreste, 70% das trabalhadoras e trabalhadores ainda são informais, situação puxada pela avicultura praticada em grandes granjas, onde a categoria não está organizada sindicalmente.
Pernambuco foi o único estado a promover uma greve da categoria depois da eleição de Jair Bolsonaro (PSL). Após 13 anos sem paralisações, canavieiras e canavieiros cruzaram os braços no início de dezembro, em meio à safra 2018/2019, que termina este mês.
Questões como aumento de salário, cesta básica e piso de garantia estavam em negociações avançadas na época, mas dois pontos travaram a mesa de diálogo entre patrões e empregadas e empregados: a retirada do adicional por tempo gasto no transporte de ida e volta ao trabalho (as chamadas horas in intineres) – uma mudança trazida pela Reforma Trabalhista – e a obrigatoriedade de contratação de jovens aprendizes.
Os empresários sucroalcooleiros recorreram ao Tribunal do Trabalho na tentativa de acabar com a greve e, para fechar um acordo, a categoria aceitou excluir da convenção coletiva as horas in intineres, que equivalia a um adicional de 20% do salário. “Perdemos por um lado e ganhamos por outro, pois conseguimos acordar em mesa questões como proposta salarial, piso de garantia e valor da cesta básica e conseguimos nos fortalecer e chamar a atenção da sociedade, do poder público e da mídia”, analisa Gilvan, que será reeleito, durante o congresso deste fim de semana, para mais quatro anos de gestão, numa eleição de chapa única.
“A Reforma Trabalhista veio como um impacto para a gente. Um sistema político de direita, que ameaça a luta do movimento sindical, se mostra como outro desafio, sem contar com a MP 871 e a PEC da Previdência, que vem como uma rasteira na aposentadoria rural”, avalia Gilvan.
LEIA TAMBÉM:
O QUE PODE MUDAR?
PEC 06/2019
>> Aumenta a idade mínima para a aposentadoria das mulheres de 55 para 60 anos, igualando-a a dos homens;
>> Impõe para todos um piso anual de contribuição de R$ 600, independentemente da produção;
>> Eleva a carência de 15 para 20 anos de contribuição – por atuarem em contratos de curta duração, em média cinco meses no ano, na época da safra, cortadoras e cortadores de cana terão, na prática, que contribuir por 48 anos.
MP 871/2019
>> Institui o programa de análise de benefícios com indícios de irregularidade e de revisão por incapacidade;
>> Determina que só valerão, para fins de comprovação da atividade rural, as informações dos segurados especiais cadastradas exclusivamente no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS-Rural, já a partir de janeiro de 2020. A Contag estima que menos de 10% dos segurados especiais estão cadastrados;
>> Quem não tiver o tempo de trabalho rural atualizado ano a ano ficará obrigado a apresentar ao INSS comprovante de recolhimento de contribuição previdenciária sobre a venda da produção rural de cada ano, até o limite dos últimos cinco anos.
MP 873/2019
>> Estabelece que a contribuição sindical está condicionada à autorização “prévia e voluntária do empregado”, e precisa ser “individual, expressa e por escrito”;
>> Proíbe o desconto de contribuição sindical e taxa associativa diretamente na folha salarial dos sindicalizados e obriga o pagamento via boleto bancário encaminhado à residência do empregado;
>> Ao menos sete estados brasileiros já têm liminar contra MP 873, incluindo Pernambuco, além de Bahia, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Sergipe;
>> Atualmente no Congresso, a MP pode ser devolvida à Presidência.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com