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Coletivos lançam campanhas de apoio a grupos e territórios mais ameaçados pela pandemia

Laércio Portela / 25/03/2020

Em tempos de coronavírus, grupos da sociedade civil organizada e coletivos periféricos que atuam na garantia de direitos nos territórios estão se mobilizando para apoiar as comunidades e populações mais afetadas social e economicamente pela pandemia. Vaquinhas digitais, arrecadação de alimentos, de materiais de limpeza e higiene e estratégias locais de disseminação de informação são as prioridades neste momento.

Marisqueiras de Maracaípe

Depois de terem sido afetadas pelo vazamento de óleo, que poluiu mares e mangues e afetou bastante sua renda, as marisqueiras da baía de Maracaípe, no município de Ipojuca, com o confinamento por questões sanitárias, veem ainda mais comprometida sua segurança alimentar. Para fazer frente a mais essa ameaça, o coletivo feminista TPM Todas para o Mar lançou campanha online de doação em favor das marisqueiras.

“A venda de
marisco e aratu já tinha caído em 80% com o óleo e estávamos
preocupadas em fazer uma campanha para ajudá-las na compra de
freezer e organização da cooperativa e aí vem o coronavírus. Elas
agora não podem nem sair para pescar. Nenhuma delas tem reservas. O
que vai pegar é a fome. Cada uma dessas mulheres tem quatro, cinco,
seis filhos…”, explica Nuala Costa, integrante do Todas para o
Mar, grupo formado por 12 mulheres moradoras de Maracaípe.

O Todas para o Mar trabalha há quatro anos na região com as mulheres e com as crianças. Promovem atividades na área de esportes, levando por exemplo as crianças a praticar surf e também acompanhamento escolar, social e familiar, com oficinas e reforço nos estudos. Com as mães, marisqueiras e artesãs, realizam feiras de artesanato e divulgação dos produtos para gerar renda. “Conhecemos cada uma dessas mulheres pelo nome, sobrenome e profissão. Por isso sabemos exatamente a gravidade de sua situação”.

Mensagem no instagram do coletivo Todas para o Mar reforça importância da doação

O coletivo pesquisou e encontrou uma empresa que produz cestas básicas por R$ 55,00 cada uma. Selecionaram as 150 famílias em pior situação e decidiram arrecadar R$ 33,3 mil para fornecer 2 cestas básicas para as famílias no período de dois meses. “Esperamos que tudo isso dure esses dois meses. Muita gente pode ser afetada. E se começar a fome, as pessoas vão para a rua sobreviver. Podemos ter saques. Então temos que retardar isso. Ver até que ponto esse governo, que diz que tudo é só uma gripizinha, vai nos ajudar, e também as prefeituras”, critica Nuala.

PARA DOAR ACESSE: Campanha de alimentos para as marisqueiras

No Recife, a organização comunitária Caranguejo Uçá, da Ilha de Deus, também lançou uma campanha de arrecadação de recursos para apoiar famílias que vivem da pesca nas comunidades de Ilha de Deus, Bode, Brasília Teimosa, Vila Imbiribeira e Ilha do Maruim.

São em torno de 400 famílias que, assim como as marisqueiras de Maracaípe, foram prejudicadas com o vazamento de óleo no ano passado e, agora, sofrem com a impossibilidade de buscar no rio e no mar o seu sustento. “É uma pancada atrás da outra. Mais de 50% dos pescadores não tiveram acesso à compensação financeira do governo por conta do vazamento e, na sequência, quando um assunto ainda não está resolvido, vem o coronavírus”, afirma o comunicador social e ativista Edson Fly, do Caranguejo Uçá.

Na Ilha de Deus, a organização tem tido um papel importante no trabalho de orientação à comunidade sobre prevenção, utilizando inclusive a rádio local para disseminação de informação. “A gente está muito ligado na campanha da quarentena, para as pessoas ficarem em casa e não serem vetores da contaminação. Garantir o alimento dessas pessoas é uma forma de mantê-las em casa”, explica Fly.

Os recursos doados serão revertidos em alimentos e produtos de limpeza e higiene. Fly explica que a campanha do Caranguejo vai se somar às campanhas movidas por outros grupos que atuam nas cinco comunidades pesqueiras, numa “iniciativa sem protagonismo, mas de ação solidária em rede”.

PARA DOAR: Banco do Brasil. Agência: 1245-9. Conta corrente: 152495-0. Enviar comprovante por Whatsapp: (81) 99113-9712

Marmita solidária para população de rua

No bairro de Santo Antônio, Centro do Recife, teve início nesta quarta-feira (25) a ação batizada de Marmita Solidária, uma colaboração da Frente Brasil Popular, com os movimentos sociais, partidos, sindicatos filiados à CUT (Sintepe, Bancários, Metalúrgicos, Químicos e Petroleiros) junto com o movimento Unificados pelo Povo de Rua, iniciativa da Arquidiocese de Olinda e Recife, e pessoas voluntárias. Foram distribuídas 330 marmitas de café da manhã para a população de rua.

As refeições estão sendo produzidas por uma equipe de cozinheiros montada no Armazém do Campo, espaço sob gestão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A ideia é distribuir alimentação duas vezes ao dia, pela manhã – entre 7h e 8h30 – e no final da tarde/início da noite – das 17h30 até as 19h. Tudo está sendo feito com o apoio da Guarda Municipal para evitar aglomeração. As marmitas são distribuídas por senha.

“Percebemos que houve um refluxo na movimentação de alguns grupos organizados, muito religiosos, que atuavam na região distribuindo alimentos entre a população de rua. Natural isso, com o medo de contaminação. Vimos a necessidade de agir. É uma ação assistencial, mas que precisa ser feita nesse momento. São pessoas que precisam dessa ajuda, pessoas que realmente passam fome”, conta Paulo Mansan, da coordenação do MST-PE e da Frente Brasil Popular, informando que o grupo conta com o apoio também da ong Bom Samaritano e está em diálogo para fechar parceria com o MTST e a Frente Brasil Sem Medo.

A maior parte dos
alimentos produzidos no Marmita Solidária vem de áreas de reforma
agrária, agricultura familiar com apoio do MST, Fetape, ASA e Centro
Sabiá. “Todo mundo junto se ajudando um pouco”, diz Mansan.

Num outro front, um grupo de costureiras do MST de Caruaru está produzindo máscaras de proteção para serem distribuídas nas ações da Marmita Solidária entre os moradores de rua e a equipe de apoio à iniciativa. No primeiro momento são máscaras de TNT, que não protegem totalmente do vírus, mas que podem minimizar o contato. Mansan explica que a Frente está em contato com a UPE e o Instituto Oswaldo Cruz para desenvolvimento de máscaras que garantam mais proteção.

“Se conseguirmos avançar nas doações e termos uma coleta maior de alimentos. desejamos montar também cestas básicas para enviarmos a acampamentos tanto urbanos quanto rurais da Região Metropolitana do Recife e também para outras populações vulneráveis”, informa Mansan. As doações são importantes para garantir que a Marmita Solidária funcione também durante os finais de semana.

PARA DOAR: Banco do Brasil. Agência: 0697-1. Conta: 58892-X CNPJ 09.423.270/0001-80 – Associação da Juventude Camponesa Nordestina – Terra Livre

Ocupação Carolina de Jesus

Na semana passada, o Movimento de Trabalhadores Sem Teto de Pernambuco (MTST), em parceria com a ONG Fase, fez um mutirão para entregar kits de limpeza na ocupação Carolina de Jesus, no Barro, onde funciona a creche Marielle Franco. As famílias que têm crianças na creche – que está fechada por medida preventiva – receberam as doações dos produtos e também alimentos.

Foram distribuídos ao todo 700 litros de detergente e desinfetante, 840 litros de água sanitária, 1.260 sabonetes e sabões em barra e 140 rolos de papel toalha. Cada família também recebeu material informativo com orientações sobre como agir para prevenir o coronavírus.

Distribuição de cestas básicas na ocupação Carolina de Jesus

Além da ocupação Carolina de Jesus, outras 80 famílias das comunidades de Pocotó, em Boa Viagem, e do Sítio dos Pescadores, no Pina, também receberam doações, contabilizando mais de 3.600 itens entregues.

O MTST criou um fundo de emergência para sem tetos afetados pelo coronavírus que será mantido com doações online, “uma campanha de arrecadação de recursos para serem utilizados na compra de cestas básicas, com verduras e frutas, medicamentos e outros itens essenciais para o momento, como álcool em gel, para milhares de sem-teto espalhados em todo Brasil”.

PARA DOAR ACESSE: Fundo de Emergência para os Sem-tetos afetados pelo coronavírus

Trabalhadores do comércio informal

Outro grupo que está em situação vulnerável são os trabalhadores do comércio informal. Só em Recife, são 10 mil pessoas. Para minimizar os efeitos da pandemia para as famílias com maior dificuldade, o Sindicato dos Trabalhadores Informais do Recife – Sintraci abriu uma vaquinha online, contando também com o apoio da Associação de Ambulantes da Boa Vista.

“Mandamos
nota para o prefeito Geraldo Julio para saber quais medidas ele vai
tomar em relação a esses trabalhadores, porque eles estão ficando
em casa e, quando a comida acabar, queremos
saber como esses pais e mães
de famílias vão fazer para
se sustentar sem salário
nenhum, sem nada”, questiona Edvaldo Gomes,
presidente do sindicato.

Segundo ele, o objetivo inicial é arrecadar R$ 5 mil até o final de março para atender às famílias mais necessitadas, com alimentos e materiais de higiene. Já teriam sido cadastradas 61 famílias em situação mais grave, a partir de levantamento nos pontos onde os ambulantes estão mais organizados, como a Conde da Boa Vista e nos hospitais públicos, como o Barão de Lucena, no Cordeiro, e o Agamenon Magalhães, em Casa Amarela. A campanha seguirá na internet também em abril.

PARA DOAR ACESSE: Vaquinha de apoio a trabalhadores informais

Livroteca Brincante do Pina

Na zona sul do Recife, a Livroteca Brincante do Pina lançou uma campanha de doação de materiais de limpeza e higiene pessoal e arrecadação de recursos para apoiar as famílias mais vulneráveis da comunidade do Bode. “Estamos recebendo doações em dinheiro e em material de limpeza e temos organizado essas doações em kits com água sanitária, detergentes, sabão em barra, sabão em pó, máscaras… Fazemos a distribuição na porta de cada família, prioritariamente aquelas com idosos e de mais baixa renda, também as que vivem em palafitas”, explica Bruno Medeiros, morador do Pina e voluntário da Livroteca.

A própria Livroteca – que tem cadastradas 60 crianças da comunidade – se transformou no local de recebimento desses materiais, mas Bruno também tem ido de carro buscar produtos doados por pessoas de outros bairros da cidade. “Hoje mesmo (quarta-feira, dia 25) estou indo pegar 200 litros de produtos de limpeza numa casa lá nas Graças”. A distribuição dos produtos arrecadados se intensificou nos últimos dias. No início, quando as doações ainda eram pequenas, o grupo de voluntários uniu esforços para informar a comunidade sobre o coronavírus e as ações de prevenção, colando panfletos didáticos produzidos pela Prefeitura do Recife e o Governo do Estado nos becos e palafitas.

Bruno Medeiros distribui produtos de limpeza na comunidade do Bode

Para a comunicadora popular e educadora social, Magda Alves, também voluntária da Livroteca do Pina, a informação é uma ferramenta importante. “Fizemos um cortejo com megafone, distribuindo panfletos e colando em lugares públicos. A informação chega por último nas favelas”. Magda tem atendido as demandas de imprensa sobre a ação e é dela também o telefone divulgado nas redes sociais para obter mais informações sobre as doações. “Tem muita gente ajudando, doando. Na comunidade são muitas as carências, de moradia, de renda… esse projeto é muito importante”.

PARA DOAR ACESSE: Campanha de arrecadação

Associação de Moradores de Três Carneiros

Em Três Carneiros, a Associação de Moradores – com o apoio do projeto Favela Brasil – também aposta na divulgação de informações sobre prevenção para reduzir o impacto do novo coronavírus na localidade e também em toda a área do Ibura. Numa região com muitas ladeiras, curvas e caminhos estreitos, a melhor estratégia para atingir o maior número de pessoas tem sido a motosom, motocicleta que circula pelo bairro tocando o jingle informativo da campanha e pedindo às pessoas para permanecerem em casa.

Levi Gomes, da Frente Favela Brasil, e a motosom que roda pelo Ibura divulgando ações preventivas contra o coronavírus

Uma
das lideranças comunitárias à frente do projeto é o
produtor cultural Levi
Costa, morador de Três
Carneiros. “Sabemos
que nossa comunidade está muito vulnerável ao que está acontecendo
e não estamos tendo suporte da prefeitura nem do governo. Então nós
mesmos estamos fazendo o que o poder público devia fazer, informando
a população. Nós por nós
mesmos. Muita gente ainda não
está consciente. Tem muita gente ainda circulando na rua por aqui”,
conta Levi, informando que a
polícia tem feito rondas e exigido que os comerciantes fechem seus
estabelecimentos.

Nesta terça-feira, a associação de moradores colocou faixa na fachada da antiga delegacia local, no terminal de ônibus de Três Carneiros, pedindo para a população se proteger e permanecer em casa. A entidade reduziu o horário de funcionamento de sua sede, aberta agora ao público apenas das 9h às 11h, para evitar aglomerações. E está recebendo doações em dinheiro para pagar a motosom, que sai por R$ 30,00 a hora de circulação, e comprar material de limpeza para distribuir.

“Arrecadamos roupas, mas ainda não começamos a distribuir porque quando a gente divulga que vai rolar o bazar solidário a população vem em massa e não podemos fazer aglomerações agora, porque aí vamos ficar à mercê do vírus. Já distribuímos sabão e água sanitária nas casas. Agora estamos recebendo mais apoio… e investindo na divulgação nas nossas redes sociais”.

PARA DOAR ENTRAR EM CONTATO COM: 98505-2961 (Jhon), 98789-0790 (Karla) e 984241848 (Levi)

Articulação Recife de Luta

Partindo do direito das periferias de se protegerem do coronavírus, a Articulação Recife de Luta, que congrega ongs, movimentos sociais e coletivos de pesquisas, tem pressionado o Governo do Estado a garantir o abastecimento regular de água nessas regiões. Na semana passada divulgaram texto expondo a situação. “Enquanto os bairros ricos da cidade sequer sabem que o racionamento existe, as famílias pobres pelejam todos os dias para guardar água em casa e distribuir seu uso na rotina de lavar prato, roupa, limpar a casa, tomar banho e dar descarga”.

Segundo o texto, há bairros no Grande Recife que ficam até dez dias sem acesso à água. “Paratibe, em Paulista, recebe água uma 1 vez por semana, assim como Ouro Preto, em Olinda. Saramandaia, em Igarassu, passa dez dias sem água. Na Ilha de Deus, no Recife, já faltou água por seis semanas. A UR2 está há 15 dias sem água. O Alto da Boa Vista já registra dois meses sem receber água”. A Articulação de Luta provocou a Defensoria Pública do Estado para se manifestar sobre o tema.

Em paralelo, a Habitat Brasil, ong que atua na proposição e incidência de políticas públicas para o acesso à moradia, e que tem sede no Recife, provocou o Ministério Público Federal para que acompanhe resolução do Ministério Público do Rio que sugeriu medidas de prevenção para periferias, favelas e grupos vulneráveis a serem executadas por algumas prefeituras da Baixada Fluminense. “Estamos sugerindo que as ações preventivas do Rio sejam estendidas a todos os municípios brasileiros, com ações específicas que incluem o acesso à água. O Governo Federal está totalmente na contramão, mas vamos reforçando o que realmente precisa ser feito”, explica Socorro Leite, diretora-executiva da Habitat Brasil.

Pela
primeira vez na sua história de
25 anos, a Habitat Brasil
lançou nesta quarta-feira (25) uma campanha nacional para arrecadar
alimentos e materiais de limpeza para as famílias mais vulneráveis
das periferias das cidades onde atua.

No Recife, a Articulação de Luta
também colocou no ar uma campanha de doação em benefício de oito
comunidades da capital: 27 de
novembro (Ibura), Aliança com Cristo (Jiquiá), Bode (Pina),
Caranguejo Tabaiares, ocupação Caxangá (Cordeiro),
Coque (Joana Bezerra), Santa Luzia (Torre) e Três Carneiros. São
todas comunidade que têm o referencial de resistência na questão
da moradia e cujas famílias foram impactadas na renda por estarem
impedidas de trabalhar.

Na primeira etapa, a Articulação pretende arrecadar R$ 48 mil. Esses recursos serão empregados em kits emergenciais – no valor de R$ 120 cada um – contendo alimentos, material de limpeza e higiene e prevenção pessoal. Serão contempladas 50 famílias por território. A escolha das famílias ficará sob responsabilidade dos coletivos locais, que conhecem a realidade de cada comunidade, a partir de alguns critérios pré-definidos: famílias que estejam sem renda principalmente as que desenvolvem atividades informais; que têm o maior número de crianças; e idosos que precisam se proteger mais porque são o principal grupo de risco.

Os produtos e insumos dos kits serão adquiridos nos mercadinhos e comércio populares de cada região como uma forma de movimentar a economia local, já tão afetada pelo isolamento provocado pela pandemia. “Esse é o tema básico. É uma situação de emergência. Está todo mundo se mobilizando para esses kits em apoio à campanha. A Habitat também movimenta uma campanha nacional e o que conseguirmos arrecadar proporcionalmente para o Recife vai se somar à campanha da Articulação”, conta Socorro.

PARA DOAR ACESSE: kits de emergências para famílias nas periferias do Recife – Articulação de Luta

PARA DOAR ACESSE: cada família que pode, ajuda uma que precisa – Habitat Brasil

AUTOR
Foto Laércio Portela
Laércio Portela

Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República