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Concessionária privada que assumiu gestão do parque pretende construir restaurante e outros equipamentos no local
Não foi bem um protesto, mas também não foi uma despedida. No último dia de gestão pública no Parque da Jaqueira pelos próximos 30 anos, um campeonato de BMX comemorou os 40 anos da pista do parque. Uma faixa escrita “#Não à destruição da pista de BMX” era o único sinal físico de protesto, mas era somente sobre isso que se falava neste domingo (09), durante a competição. A partir de hoje, dia 10 de março, a empresa Viva Parques do Brasil assume a gestão da Jaqueira – e de outros três parques do Recife – e já anunciou que a pista vai ceder espaço para um restaurante – ou dois – e para outros equipamentos.
Morador do bairro da Jaqueira e frequentador diário do parque, Celso Ribeiro estava indignado. “Por que não estão fechando as avenidas contra isso?”, questionava. “Era para se fazer um grande protesto. A Prefeitura faz um projeto desse com uma empresa para administrar o parque e deixa retirar uma pista que tem 40 anos? É um absurdo. Não se precisa de restaurante, nem de lanchonete aqui dentro não. Nunca usei essa pista, mas sei da importância dela. Tantas famílias que frequentam, tantas crianças que usam a pistado parque e, de uma hora pra outra, vai ser retirada. Como se aceita isso?”.
Apesar do protesto ter ficado restrito à faixa mencionada acima, apoiadores e pilotos de BMX estão se mobilizando contra a destruição da pista. Por isso, ainda alimentam esperanças de reverter a decisão da empresa. Um requerimento foi entregue ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE) com base em leis municipais que protegem o parque da Jaqueira e seus equipamentos. Como o requerimento foi entregue na véspera do recesso de carnaval, ainda não houve resposta.
Piloto de BMX e um dos mais envolvidos pela não destruição da pista, Diego Melo, conhecido como Tarta, foi quem levou a bandeira de protesto. “Para mim está sendo uma tristeza imensa, porque meu coração está enraizado neste lugar”, lamentou. “Foi aqui que eu me tornei um cidadão, através do esporte, do lazer, do ensinamento dos mais velhos, dos professores”.
Para Tarta, o argumento da concessionária Viva Parques do Brasil de que a pista do Parque Santana vai centralizar as práticas de BMX não funciona. “Os pilotos frequentam tanto a do Santana quanto a da Jaqueira, porque dá uma diversificada, dá um potencial melhor para os atletas aqui da região metropolitana. Para o desenvolvimento do atleta é necessário sempre treinar em lugares diferentes. A pista da Jaqueira também tem o diferencial de ser uma pista de base, onde as crianças começam”, afirmou.
Tarta também reclamou de como foi feito o processo de concessão, com pouca escuta da população e pouca divulgação. “Houve apenas uma audiência pública, que foi virtual. Tudo foi feito de forma legal, porém, num processo obscuro, para que a população não soubesse. E essa bomba da destruição da pista estourou muito perto do carnaval, quando muitos órgãos públicos estavam fechados”, criticou.
Praticante de parkour, Gustavo José foi se juntar aos pilotos de bicicross na luta contra a destruição da pista. “Eu frequento a Jaqueira há vários anos e também utilizo a pista para praticar parkour. Pelo que eu entendi, vão destruir a pista daqui para criar uma pista menor lá nas escadas [equipamento situado entre um dos playgrounds, junto a Academia da Cidade, próximo à avenida Rui Barbosa]. Sendo que as escadas também são muito utilizadas: a galera caminha, corre, é um equipamento muito utilizado pelos iniciantes no parkour”, reclamou Gustavo, que é da Associação Pernambucana de Parkour e todo sábado dá treinamentos gratuitos no parque.
“Disseram que a empresa nova fez uma pesquisa e que mais de 90% dos usuários falaram que não utilizavam a pista. Eu não vi essa pesquisa em nenhum lugar, mas perguntaram isso a quem? A quem faz caminhada? ora, são públicos diferentes. Se viessem aqui hoje perguntar durante essa competição, eu tenho certeza que ia dar o contrário, que mais de 90% usa. Estou chocado que a mobilização da população e dos usuários da pista não seja maior. Precisamos lutar pelo parque da Jaqueira. Não podemos aceitar essa destruição e dar como martelo batido”, afirmou.
Primeiro presidente da extinta Associação do Parque da Jaqueira, Aroldo Tenório rememorou a história da pista, que foi projetada em 1985. “Era a única pista aqui do estado oficializada pela Federação do Ciclismo. É uma pista que conseguiu unir o pessoal da zona sul e o pessoal da zona norte, tanto o pessoal que era elitizado, como o pessoal da periferia. É uma pista que tem história, que tem um projeto social”, disse.
“Hoje, a pista está sendo destruída por uma questão capitalista. Os políticos do Recife deixaram a desejar mais uma vez porque deixaram de olhar para as pessoas que realmente precisam da prática de esporte aqui. A Jaqueira vai se tornar o quê? Um parque privado para o público só do cooper? Estão tirando a oportunidade daqueles mais necessitados de frequentar o parque da Jaqueira e participar de um esporte”, afirmou Tenório.
Coordenador da Associação Metropolitana de Ciclistas (Ameciclo), Daniel Valença também criticou a concessão dos parques à iniciativa privada. “É um processo de entrega do patrimônio que é mais popular para a exploração mercantil, capitalista, que acaba desfavorecendo quem usa realmente o parque. São classes sociais diferentes entre os frequentadores do parque e os da pista. E é exatamente a pista que vai ser removida para dar lugar a um restaurante, provavelmente de luxo para atender à redondeza, que é o metro quadrado mais caro dessa cidade. É uma entrega do que é do povo para o privado”, criticou Daniel Valença.
Daniel também lembrou que um dos argumentos do prefeito João Campos (PSB) para a concessão era o gasto anual de R$ 12 milhões com a manutenção dos quatro parques (além da Jaqueira, Dona Lindu, Apipucos e Santana). “Enquanto isso, se gasta R$ 140 milhões todo ano com manutenção de asfalto para a classe média andar de carro. Agora, R$ 12 milhões para parques públicos é um gasto para a prefeitura? É um investimento na saúde da população, na educação, no esporte e no lazer, que a população merece”, disse.
Informação sobre o fim da pista vazou às véspera do carnaval
Crédito: Arnaldo Sete/Marco ZeroJornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org