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A horta comunitária Semeando Resistência de Caranguejo Tabaiares, entre a Ilha do Retiro e Afogados, está ameaçada pela construção do conjunto habitacional, iniciada em fevereiro deste ano pela Prefeitura do Recife. A obra transformou a plantação de verduras, legumes e frutas em motivo de tensão entre as organizações e lideranças que atuam na área. A comunidade que, em 2018 e 2019, resistiu e impediu o projeto de urbanização do então prefeito Geraldo Julio (PSB), que pretendia construir uma avenida com três faixas de rolamento de veículos sobre centenas de moradias, hoje está dividida.
De um lado, o movimento Caranguejo Tabaiares Resiste, responsável pela criação do espaço em meio a pandemia do coronavírus, em 2020, argumenta que a horta não foi considerada pela Prefeitura do Recife durante a elaboração do projeto do Conjunto Habitacional, mesmo que a iniciativa tenha recebido assessoria técnica da Secretaria Executiva de Agricultura Urbana (SEAU) de 2021 até fevereiro deste ano, quando as obras iniciaram.
Outras lideranças, no entanto, defendem o posicionamento da prefeitura e não concordam que a construção do habitacional seja paralisada por causa da horta.
Entre os questionamentos do coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste está a falta de transparência e diálogo da gestão municipal. “A gente só foi chamado de fazer um o pedido de informação pela Lei de Acesso à Informação e, chegando lá, já tinha esse projeto pronto. O secretário de Habitação nos apresentou e o projeto já estava em cima da horta e cortando o campo da comunidade”, afirma Sarah Marques, liderança comunitária e fundadora do movimento.
Segundo Sarah, o espaço possui mais de 90 m² com diferentes frutas, verduras, flores e ervas medicinais aos quais alguns moradores não teria acesso. A horta, segundo ela, possibilita que parte da comunidade usufrua das ervas medicinais e aprenda noções sobre agricultura urbana e agroecológica.
“A gente não consegue, com essa horta, alimentar nossa comunidade de sete mil pessoas, mas a gente consegue formar as pessoas e consegue informar. Você vir aqui já é uma educação, já é uma aula. Você chegar aqui e ver que dá pra plantar comida, dá para plantar erva, e dá pra conversar, e dá pra ter um fresquinho”, reforça a liderança.
Marques também avalia que a permanência da horta não impactaria a construção do habitacional. “Na notificação tem dizendo que precisa tirar a horta para dar continuidade ao trabalho do habitacional, que é mentira. O primeiro trabalho do habitacional, de qualquer obra, é preparar o terreno. E está sendo feito. E a gente não tá atrapalhando em nada, mas isso é dito todo dia à comunidade”, afirma Sarah. “Ninguém é contra a construção, só estão fazendo porque nós lutamos e o pessoal (da comunidade) está aqui resistindo”, completa ao relembrar da luta durante a gestão municipal anterior.
Pelo menos 60 pessoas estão envolvidas diretamente na manutenção, entre os integrantes do coletivo, os jovens do coletivo não tem jeito (NTJ) e as integrantes do grupo de mulheres. Sabina Ferreira está no espaço desde o início e enxerga a investida da gestão municipal em não considerar a horta prejudicial para quem está envolvida com o espaço. “A gente trabalhou no solo, replantando, ajeitando o solo, pra ter uma horta aqui dentro da comunidade, pras pessoas virem aqui plantar e interagir com a gente. Aqui é como se fosse um local que todo mundo vem, se senta, conversa, tem diálogo, toma um ventinho” afirma Sabina que se tornou agricultora urbana a partir das vivências na horta.
De acordo com a representante do Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (Prezeis) e integrante da Comissão de Urbanização e Legalização (Comul), Josineide Lopes, a comunidade foi esquecida por anos, dos serviços básicos de manutenção e urbanização até a questão da moradia propriamente dita. Por isso, a chegada do habitacional é vista com bons olhos, pois vai ser destinado às pessoas em situações mais graves de vulnerabilidade.
“A gente tem conseguido esse diálogo com a prefeitura, ela passa pra gente quais são os pontos, o que é que vai ser feito e tudo está sendo alinhado. E a medida que a gente tem maiores novidades, a gente passa para a comunidade, como já foi feita uma reunião, e a gente informa pra comunidade quais são os próximos passos”, relata Josineide em relação à atuação da Comul.
Cinco representantes fazem parte da comissão responsável pelo diálogo entre os moradores da comunidade e a prefeitura. Gilka Pereira, liderança comunitária, do Clube de Mães da Madalena, também acompanha o processo e afirmou que a comissão já dialogou com mais de 100 famílias que moram no entorno do terreno em que serão construídas as moradias.“Tabaiares cresceu e desenvolveu muito, então as pessoas começaram a construir suas casas. Mas uma boa parte ainda não tem, então vai favorecer, sim, essa pequena parte em vulnerabilidade”, reforça a liderança.
Obras do habitacional começaram em fevereiro.
Crédito: Arnaldo Sete/Marco ZeroAté o início das obras, a Semeando Resistência recebia assessoria tanto da SEAU quanto da organização não governamental Fase. No entanto, desde o início das obras do habitacional, apenas a Fase permaneceu oferecendo assistência. O arquiteto urbanista da ong, André Araripe, tem acompanhado de perto as negociações e possíveis intervenções para preservar a horta.
De acordo com Araripe, desde o início do ano a organização tem tentado o diálogo com a prefeitura do Recife para que a horta não seja retirada, mas a gestão está irredutível quanto a isso. Como alternativa, a organização sugere que a horta seja transferida para uma área entre o habitacional e as margens do canal do Prado, que corta a comunidade.
Entretanto, para isso acontecer é necessário uma força tarefa para recomposição do solo, transferência de espécies, incluindo uma árvore jurema preta e uma muda de baobá que vieram de um intercâmbio com outras comunidades.
“Tem investimento ali dentro, tem recursos, tem tempo das pessoas, da comunidade, de outros parceiros, de outras instituições, que também já vem apoiando aquele trabalho. Então não pode a Prefeitura agora mandar uma intimação e dizer: saia. Nenhuma condição, concretamente, a Prefeitura não sinalizou até agora com nenhum aporte objetivo para que viabilize essa transferência”, afirma o arquiteto.
A prefeitura do Recife afirmou por meio de nota que “apoia a existência da horta comunitária da comunidade e vai garantir sua realocação para um local próximo, em diálogo com os moradores, já que é impossível mantê-la no terreno onde será construído o habitacional”.
Prefeitura ofereceu outro terreno para a horta, mas sem apontar onde seria
Crédito: Arnaldo Sete/Marco ZeroSem dizer para onde, como e quando vai realocar a horta, completa:
“A gestão apoia a existências de hortas comunitárias através de assessoria técnica, doação de insumos e formações, como o curso de compostagem, a exemplo do que ocorre em diversos territórios da cidade. Essa contribuição integra a política pública da Secretaria Executiva de Agricultura Urbana (SEAU) de incentivo à agricultura urbana de base agroecológica, disponível a qualquer entidade recifense interessada em criar ou fortalecer hortas comunitárias, escolares, em creches, terreiros e outros espaços urbanos. A Secretaria sempre se manteve aberta à construção de soluções coletivas, especialmente diante das intervenções urbanas previstas para a área, propondo alternativas de manejo com todo o cuidado necessário”.
“Todo o processo está sendo amplamente discutido com a comunidade, garantindo a participação popular. Já houve pelo menos cinco reuniões com os representantes da Comul, eleitos pela própria comunidade, além de outros grupos da área. Vale ressaltar que os integrantes da Comul são a favor da obra. O projeto foi apresentado aos moradores no dia 4 de fevereiro, em reunião realizada na Escola Municipal Mércia de Albuquerque Ferreira, garantindo transparência e permitindo que os moradores acompanhem e contribuam diretamente para as melhorias na infraestrutura do território. O grupo Caranguejo Tabaiares Resiste participa do processo”.
De acordo com as informações oficiais da gestão municipal, o conjunto habitacional terá 280 apartamentos, que vão garantir moradia para aproximadamente 1,4 mil pessoas. O empreendimento receberá investimentos de R$ 47,6 milhões e é um dos seis novos conjuntos do programa Minha Casa Minha Vida com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Os moradores contemplados serão aqueles que precisarem ser relocados para a realização das obras de urbanização integrada da comunidade, que incluirão intervenções de pavimentação e saneamento.
Jornalista formada pelo Centro Universitário Aeso Barros Melo – UNIAESO. Contato: jeniffer@marcozero.org.