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Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
Nas redes sociais, durante as entrevistas que concedem aos jornalistas e nos protestos de rua, as pessoas que perderam suas casas e estabelecimentos comerciais nos bairros que afundaram em Maceió insistem em pedir a revisão do acordo assinado no final de 2019 entre a mineradora Braskem, os Ministérios Públicos Estadual (MP-AL) e Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU). Mas, finalmente, o que diz esse acordo que voltou às manchetes com a possibilidade de desabamento de uma das minas de salgema e a formação de uma cratera às margens da lagoa Mundaú?
No mundo do Direito, acordo é uma “resolução entre as partes em disputa sobre um caso legal”. Nos dicionários, uma das definições possíveis é o “entendimento recíproco” sobre determinado tema. Sendo assim, imaginamos que os quase 60 mil moradores do Mutange, Bebedouro, Pinheiro, Bom Parto, Farol e, agora, também dos Flexais, teriam participado das negociações que definiram os valores das indenizações e medidas que a empresa teria de adotar. Não foi bem isso que aconteceu. As vítimas não foram representadas por alguma entidade da sociedade civil nem por seus advogados. O acordo, como dito acima, foi apenas entre os Ministérios Públicos e a DPU. E sancionada pela Justiça Federal.
Para entender os pontos mais questionados do acordo é preciso dar um salto na leitura e começar pelo capítulo X, cujo título é autoexplicativo: “Da inexistência da responsabilidade”.
A cláusula 32 diz exatamente assim: “Todas as obrigações assumidas pelas partes neste termo não importam em reconhecimento de responsabilidade da Braskem pela desocupação das pessoas das áreas de risco ou pelos impactos e não poderão ser interpretadas neste sentido”. Na cláusula seguinte, a Braskem garantiu o direito de ser ressarcida caso fique constatado que o responsável pelo afundamentos dos bairros tenha sido outra pessoa, empresa ou instituição.
No entanto, a cláusula 35 é apontada pelos integrantes do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB) e a Associação de Empreendedores Vítimas da Mineração em Maceió. Este item assegura que, se ficar provada a responsabilidade da Braskem, “os pagamentos feitos aos moradores e demais pessoas com fundamento neste termo serão considerados como quitação integral de todos os prejuízos materiais e morais sofridos por esses proprietários e moradores”.
Colocar no papel que não é a responsável pela destruição dos bairros foi vantajoso para a Braskem. Não por acaso, o texto do capítulo IV do acordo, por exemplo, inicia fazendo referência a tal “inexistência de responsabilidade”. Com base nisso, a cláusula 13 estabelece que os valores pagos “pressupõem a transferência do direito sobre o bem à Braskem”. É isso mesmo que você leu: a Braskem virou dona dos imóveis que 55 mil pessoas foram obrigadas a deixar para trás.
De acordo com o site da empresa, até 31 de julho deste ano, “mais de 14,4 mil imóveis foram desocupados e apresentadas mais de 19 mil propostas de compensação a moradores, empresários e comerciantes. Mais de 17,4 mil indenizações já foram pagas”. Naquela altura, “o valor pago pela Braskem em indenizações e auxílios financeiros chega a cerca de R$ 3,7 bilhões”. Segundo os moradores, esse teria sido o custo para a empresa aumentar seu patrimônio imobiliário.
Questionada sobre a responsabilidade pela tragédia pela equipe de reportagem do UOL no dia 3 de dezembro, a Braskem afirmou apenas que “sua prioridade é a segurança das pessoas”.
Em agosto, em entrevista para a Mídia Caeté, veículo independente de Alagoas que também integra a Redação Nordeste junto com a Marco Zero, o procurador do trabalho, Cássio Araújo, ex-morador do bairro do Pinheiro e integrante o Movimento Unificado de Vítimas da Braskem (MUVB), afirma que a Braskem segue se beneficiando pela destruição que causou: “É juridicamente um absurdo e mostra que o crime compensa. Cometo um crime e me aproprio do que causei. Outra questão é a reparação integral. Quem cometeu um dano precisa reparar integralmente, não só do ponto de vista financeiro, como moral, psicológico e simbólico. Ela ficou com uma terra que pode explorar como quiser e o Acordo com a Prefeitura só reforça isso, porque até das áreas públicas ela vai ser dona”, critica.
Na mesma reportagem, a urbanista e pesquisadora Isadora Padilha, coordenadora do Instituto para o Desenvolvimento de Alagoas e uma das autoras do livro Rasgando a Cortina de Silêncios: o lado b da exploração da salgema em Maceió., afirmou que “é preciso deixar ratificado que só o que ela ainda não conseguiu foi a venda, que estava tentando, mas de resto, em relação ao desastre mineral vem funcionando como um acordo de investimento imobiliário”.
O procurador Cássio Araújo acredita que os termos do acordo vão assegurar mais lucros para a Braskem, sob as bençãos do Ministério Público e da Justiça: “Fizemos uma conta por baixo, envolvendo a questão dos moradores, daria no mínimo de R$ 40 a R$ 50 bilhões de reais. Por menos de R$ 5 bilhões no total, a Braskem não só vai resolver já 80% dos problemas, como ainda vai virar dona. Daqui a 10, 20 anos, tendo tempo para a terra se acomodar, e tirando todo desgaste da imagem com o advento de novas gerações, a empresa vai recuperar e acrescer até dez ou vinte vezes mais o que gastou, e olhe lá. Foram negócios”.
Pela Defensoria Pública de Alagoas, assinaram o acordo o Defensor Público Geral Ricardo Antunes Melro e os defensores públicos Carlos Eduardo de Paula Monteiro, Fabrício Leão Souto e Fernando Rebouças.
Pela Defensoria Pública da União, quem assinou foi o defensor federal Diego Bruno Martins Alves.
Pelo Ministério Público Estadual de Alagoas, foram signatários o procurador-geral de Justiça, Alfredo Gaspar de Mendonça Neto e os promotores Jomar Amorim de Moraes, Jorge José Tavares Dória, José Antônio Malta Marques, Max Martins de Oliveira e Silva e Vicente José Cavalcanti Porciúncula.
Finalmente, pelo Ministério Público Federal constam as assinaturas das procuradoras da República Cinara Bueno Santos Pricladnitzky, Niedja Gorete de Almeida Rocha Kaspary, Raquel de Melo Teixeira e Roberta Lima Barbosa Bonfim.
O juiz que homologou o acordo foi Frederico Wildson da Silva Dantas, da 3ª Vara da Justiça Federal em Alagoas.
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Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.