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Desembargador nega pedido de liberdade provisória da ativista grávida Sara Rodrigues

Raíssa Ebrahim / 22/06/2020

Ato pede liberdade da ativista grávida Sara Rodrigues em frente ao TJPE

A Justiça negou o pedido de liminar de habeas corpus à ativista dos direitos humanos Sara Rodrigues. Grávida e mãe de uma criança de 5 anos, ela foi presa, na semana passada, após a Polícia Militar de Pernambuco (PMPE) invadir e revirar – sem mandado, segundo a defesa – a casa onde dormia e vive junto com o companheiro em Água Fria, bairro da periferia da Zona Norte do Recife.

Sem antecedentes criminais, com residência fixa e trabalhadora de carteira assinada, Sara segue na Colônia Penal Feminina do Recife – Bom Pastor, em meio à pandemia do novo coronavírus, onde, no início deste mês, havia ao menos nove casos oficialmente confirmados da doença.

Sara, que também é educadora popular e mobilizadora social, foi presa acusada de tráfico e associação ao tráfico, supostos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça. O coletivo de advogadas que esteve com ela na delegacia, na última terça-feira (16), alega que a PMPE forjou drogas para incriminar a jovem, o companheiro dela e uma amiga que saía da residência após uma reunião para planejar a distribuição de cestas básicas e kits de limpeza para famílias em situação de vulnerabilidade na comunidade.

A negativa da liberdade provisória de Sara, argumentam as advogadas, mostra que todos os pontos da lei que deveriam estar a favor dela não foram levados em consideração (saiba mais abaixo o que diz a legislação) e por isso a prisão, além de arbitrária, tem um forte peso político.

Elas chamam a atenção para a seletividade da Justiça, a criminalização da periferia e a política de encarceramento por conta da “guerra às drogas” fazendo um paralelo entre o caso e o homicídio do garoto Miguel, que caiu do nono andar das Torres Gêmeas, e a liberdade concedida a Sari Corte Real após pagamento de R$ 20 mil de fiança.

Ato em frente ao TJPE pede liberdade de Sara Rodrigues

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Ato em frente ao TJPE pede liberdade de Sara Rodrigues

Nesta segunda (22), um grupo da sociedade civil juntamente com as amigas de Sara realizaram um ato simbólico em frente ao Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) para pedir a liberdade da ativista. O objetivo foi chamar a atenção dando visibilidade pública ao caso.

Vídeo: Barbara Pereira/Renfa

O caso chegou à Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). O jurídico da Comissão de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular, presidida pelas Juntas (Psol), oficiou formalmente a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco e o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Estado dando ciência do caso e requerendo providências para a liberdade imediata de Sara.

A reportagem entrou em contato com a secretaria, que enviou a seguinte nota: ” A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH) informa que foi oficiada sobre o caso Sara Rodrigues, que teve sua integridade física preservada e recebeu atendimento psicológico após seu ingresso na Colônia Penal Feminina do Recife, no último dia 17 de junho.”

Justiça alega não ter provas de que Sara corre riscos

No julgamento do pedido de habeas corpus, o desembargador Antônio Carlos Alves da Silva diz não haver provas suficientes que ensejem medidas de urgência na soltura de Sara, mesmo a defesa tendo anexado documentos provando a maternidade e a gestação.

Ele também alega que nos autos há a presença de indícios suficientes da autoria e da materialidade do crime, por conta da apreensão de grandes quantidades de drogas, balanças de precisão e sacos plásticos na casa do casal. O pedido agora segue para a Câmara Criminal.

A versão dos policiais do 13º Batalhão da Polícia Militar diz que, após diligências na residência, apreenderam 345g de crack, 22g de cocaína, 22g de maconha, 11 petecas de cocaína, R$ 211 em espécie, três balanças de precisão e três aparelhos celulares.

A defesa inicial de Sara reitera que, além da violência psicológica, houve substâncias forjadas e que, na Central de Plantões, não foi possível depor sobre isso por conta da presença dos PMs que realizaram o flagrante, o que é bastante comum, deixando depoentes acuados e com medo.

Inicialmente as advogadas encaminharam pedido de revogação da prisão de Sara à juíza de plantão Roberta Vasconcelos Franco Rafael Nogueira, mas ela disse não ter competência para julgar a questão e remeteu o caso para a 3ª Vara Criminal da Capital, cujo juiz só volta às atividades em julho por causa do recesso.

Com a demora de dois dias para a distribuição do pedido, a defesa de Sara decidiu entrar com o habeas corpus no segundo grau, que foi negado pelo desembargador Antônio Carlos Alves da Silva.

A família de Sara optou por dar continuidade ao processo com outro advogado, Amaro Rodrigues. A reportagem conversou com ele na noite desta segunda (22), quando a nova defesa reforçou a questão da supressão da instância e disse que agora aguarda a decisão na Vara Criminal para avaliar os próximos passos da defesa.

Rodrigues avaliou as negativas como “total falta de respeito a pessoa humana, assim como ao ordenamento jurídico brasileiro, pois sabemos que, na situação de nossa cliente, é direito da mesma responder em liberdade, mesmo que tenha cometido o fato, que não é o caso”.

Audiências de custódia sem defesa e sem acusados

A prisão preventiva de Sara foi decretada pela juíza Blanche Maymone Pontes Matos em audiência de custódia, na quarta-feira (17). Acontece que as audiências estão acontecendo de forma remota neste período de pandemia, sem a presença dos acusados nem da defesa. Não é possível sequer acompanhar o momento através de videoconferência.

A situação tem desvirtuado a condução das audiências de custódia, momento em que os juízes analisam os casos na presença dos acusados e da defesa e que serve justamente para que também se faça um levantamento sobre possíveis práticas de tortura durante abordagens policiais.

Segundo explicou a assessoria de imprensa do TJPE à Marco Zero Conteúdo em nota enviada por e-mail, “as audiências de custódia no Estado estão sendo realizadas de forma virtual, através da manifestação prévia da defesa e do Ministério Público sobre o autuado em flagrante pela Secretaria de Defesa Social – por meio de e-mails previamente cadastrados no Judiciário.

Após as manifestações das partes por e-mail, os juízes decidem se convertem a prisão em flagrante em prisão preventiva ou se concedem a liberdade provisória por meio de alvará de soltura”.

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Legislação admite liberdade provisória de Sara

A prisão de Sara Rodrigues é arbitrária, defende o coletivo de advogadas, por contrariar o que está previsto no Código de Processo Penal brasileiro, pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal.

A Lei da Primeira Infância também determina que devem ser colocadas em liberdade provisória ou em prisão domiciliar as gestantes, lactantes ou mães de criança com deficiência ou até 12 anos que não respondam por crime violento ou praticado sob forte ameaça. Em 2018, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu conceder prisão domiciliar a todas as detentas grávidas ou mães de crianças de até 12 anos.

Além disso, o Art. 318-A do Código de Processo Penal diz que a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, caso a mulher não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça nem contra seu filho ou dependente.

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com