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Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
Em uma entrevista coletiva cheia de emoção, a família do adolescente Victor Kawan, assassinado há 10 meses, falou sobre a denúncia do Ministério Público de Pernambuco contra os dois policiais que respondem pelo crime. Em um ato raro, o MPPE solicitou no dia 07 de outubro a prisão preventiva dos cabos José Monteiro Maciel de Lima e Clezia Patrícia de Souza Silva, lotados no 11º Batalhão da Polícia Militar. Ambos foram denunciados à Justiça por homicídio duplamente qualificado: por motivo fútil e por ter dificultado ou impedido a defesa da vítima.
O processo está na 2ª Vara do Tribunal do Júri Capital e não há previsão de quando o pedido de prisão preventiva deverá ser avaliado. “Não temos como nem fazer uma estimativa, porque é a primeira vez que estamos acompanhando um pedido de prisão preventiva de policiais. É muito raro. É um horizonte para que casos como esse não se repitam”, afirmou o advogado Eliel Silva, coordenador do Projeto Oxé, que acompanha o caso.
Os dois polícias militares também foram denunciados por tentativa de homicídio contra Wendel Alves, 18 anos, amigo de Kawan que pilotava a moto no dia do crime. Como não tinha carteira de motorista, Wendel teria hesitado em parar logo a moto ao ver a viatura. A dupla de policiais disparou então dez tiros. As vítimas correram para uma mata ao lado da rua e um dos tiros atingiu e matou Victor Kawan.
O adolescente é lembrado pela família como um rapaz trabalhador e alegre. Estava no fim do ano letivo, concluindo o terceiro ano do Ensino Médio. Ajudava o irmão em um lava jato e trabalhava em uma hamburgueria. ”Meu filho tinha um coração muito bom, ajudou muita gente. Ele tinha um futuro pela frente, poderia ter feito faculdade. Ou ser um pedreiro, um limpador de rua, poderia ser o que quisesse. Mas a vida dele foi tirada de forma covarde. Cada lágrima que desce dos meus olhos é pela impunidade, sentimentos de ódio e de raiva”, falou, emocionado, o pai de Victor Kawan, José Luiz Amâncio.
Sem direito a um luto em recolhimento, a família tem brigado por justiça nesses dez meses, organizando protestos e homenagens, para que o caso não seja esquecido ou escanteado. Em falas emocionadas, a mãe e a irmã lamentaram a saudade do adolescente e clamaram por justiça. “Era um menino que gostava de dar grau na bicicleta, trabalhar, comer, dançar”, contou a irmã, Mickaelly Rayane. “Muitas pessoas acharam que não ia dar em nada, porque era um crime com envolvimento de policiais. Mas não é assim. Existe justiça. Tivemos um apoio muito grande do projeto Oxé, do Gajop. Eu luto rastejando por ele. De joelho, rastejando, estou aqui por ele. E vou estar aqui até o final”, disse a irmã.
“É muito difícil para quem é mãe não ter mais o filho dentro de casa. Meu filho era um anjo e foi tirado de mim. Eu só conseguia dormir quando ele chegava da hamburgueria, de 1h30, 2h da manhã, ficava esperando por ele”, contou a mãe, a manicure Janaína Souza, às lágrimas. “Fico feliz pela denúncia do Ministério Público, apesar de nada trazer meu filho de volta”.
O advogado Eliel SIlva vê a atuação dos PMs como uma abordagem ilegal, motivada pelo racismo policial. Eliel é coordenador do Projeto Oxé, que é uma parceria entre a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) e a Articulação Negra de Pernambuco (Anepe). O projeto oferece serviços jurídicos e psicossociais para vítimas de racismo. “A abordagem policial não pode ser feita de forma indiscriminada. Existe uma coisa chamada “fundada suspeita”, mas são elementos que a gente, que trabalha com a questão racial, sempre questiona. O que é fundada suspeita? É um adolescente que mora na periferia? Um adolescente muitas vezes negro? Foi robustamente relatado no inquérito policial e na denúncia do MP que os policiais agiram com extrema periculosidade e enorme potencial ofensivo”.
O inquérito policial do caso foi conduzido pela 5ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e concluído em junho. No indiciamento, a polícia não pediu a prisão preventiva dos policiais, mas considerou o crime como homicídio doloso. O inquérito também não levou em conta os indícios de fraude processual – quando a cena do crime é manipulada pela polícia. Na denúncia, o MPPE considerou que houve sim fraude processual e isso foi um dos argumentos para embasar o pedido de prisão preventiva dos acusados.
Há vários indícios no que foi relatado pelas testemunhas, registrado em vídeo por moradores e câmeras de segurança e denunciado pelo MPPE. Atingido por uma bala no peito, Victor Kwan morreu na hora. Mesmo assim, foi retirado do local pelos policiais e levado para a UPA da Caxangá, onde foi declarado que já chegou sem vida. O procedimento correto seria ter delimitado o acesso a onde o corpo estava e esperado a perícia da polícia científica.
Houve também a tentativa de colocar um revólver na cena do crime. Ao saber que os dez tiros que foram disparados atingiram e mataram o jovem, a dupla de policiais chamou por reforços. Chegaram três viaturas da PM. Um desses policiais trouxe um revólver calibre 38, que teria sido colocado na cena do crime para incriminar os jovens e sustentar a tese de legítima defesa. Os policiais também recolheram as cápsulas antes da perícia chegar.
Segundo o advogado, essa fraude pode ter repercussão na medida da pena dos cabos José Monteiro Maciel de Lima e Clezia Patrícia de Souza Silva, caso sejam condenados pela Justiça. Como é um crime de homicídio, ambos vão à júri popular. Os demais policiais, que ajudaram os dois, não são alvo deste processo.
“Na denúncia, o Ministério Público fala que uma arma foi plantada na cena do crime. Fala também que os dois policiais receberam ajuda. Essas investigações vão correr na Justiça Militar”, disse o advogado Eliel. “Existe uma discussão grande sobre os crimes militares que têm relação com crimes contra civis. Não faz sentido separar. Mas pela fraude processual, conseguimos dizer que os policiais alteraram a cena do crime, que eles podem atrapalhar o processo ou ameaçar as testemunhas. Isso é concreto, não é de subjetividade”, afirmou Eliel.
Tanto a família quanto os advogados estão confiantes na condenação dos policiais denunciados. “Não é só por se tratar de um caso de repercussão. Mas pelo fato de estarmos tratando de agentes públicos, remunerados pelo estado, que deveriam fazer uma guarda preventiva para além de repressiva. A família ainda não teve o direito de fazer um luto em paz, pois sempre está fazendo protesto. Esperamos que o Judiciário entenda a dor dos familiares de Victor Kawan”, disse Eliel.
Em nota, a Secretaria de Defesa Social (SDS) afirmou que a corregedoria ainda está apurando o caso envolvendo os policiais. “As investigações na esfera disciplinar prosseguem até a completa elucidação dos fatos, dentro da legalidade e da garantia à ampla defesa”, diz trecho da nota.
Confira a nota completa: “Informamos que, na esfera de Polícia Judiciária, a 5ª Delegacia de Polícia de Homicídios/DHPP, responsável pelo caso, concluiu o Inquérito Policial e o remeteu ao MPPE, que ofertou a denúncia à Justiça. Após investigação preliminar, na qual se chegou a indícios de autoria e materialidade, a Corregedoria Geral da SDS instaurou Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) em desfavor dos policiais envolvidos na ocorrência. As investigações na esfera disciplinar prosseguem até a completa elucidação dos fatos, dentro da legalidade e da garantia à ampla defesa. A corregedoria se pronunciará com a conclusão dos trabalhos.
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Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org