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Em meio ao caos, João Pedro Stédile mantém otimismo

Durante muito tempo, o economista João Pedro Stédile foi a cara do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) para boa parte da sociedade. Apesar de ser uma das principais lideranças do movimento, sua notoriedade na população era desproporcional ao suposto poder que exercia na organização, cuja coordenação é coletiva desde a fundação, em 1984.

Sua fama, na verdade, foi construída por capas de revistas, matérias de TV e manchetes de jornais que, ao longo da década de 1990, descreviam um Stédile ora como um terrorista, ora como um baderneiro. Ou um demônio, como em uma famosa capa da Veja de 1998.

Aos 66 anos, Stédile, admite ser leitor do jornal Valor Econômico e lembra com bom humor do processo de demonização da qual foi alvo – “Me botaram até uns cornos na cabeça” -, mas encara com naturalidade o fato de ter sido tratado como inimigo público. Segundo ele, quem entra na luta contra o poder da burguesia precisa estar preparado emocionalmente para enfrentar reações como aquelas.

Hoje, ele é um dos raros militantes de esquerda a esbanjar otimismo em pleno governo Bolsonaro.

Na entrevista que concedeu aos editores da Marco Zero, Stédile detalhou as razões do seu otimismo. Fizemos um resumo da entrevista:

Brasil não é conservador

João Pedro Stédile explica porque é um otimista com o futuro do Brasil a partir de 35:18 min do vídeo. Para ele, o capitalismo já não consegue gerar emprego e renda para os mais pobres e não vai resolver os problemas das pessoas. “Pessimistas nós podíamos ser na ditadura. Vivi a ditadura militar, senti o peso da ditadura, com a economia crescendo e o povo votando na Arena”.

Pouco antes (aos 26:25 min da entrevista), Stédile afirma que a sociedade brasileira não é conservadora. O Estado brasileiro e suas instituições é que são racistas, o que, em sua percepção, é bem pior do que o conservadorismo. A onda conservadora atual, de acordo com seu entendimento, é resultado da manipulação de informações porque a extrema-direita aprendeu a lidar com a internet. Por isso, “o centro da luta política é ideológico, é a luta pelas ideias”.

O MST nas cidades

Logo no início da entrevista, Stédile foi questionado se as ações solidárias do MST nas comunidades pobres das grandes cidades eram temporárias, impulsionadas apenas pela crise da covid-19 ou se o movimento estará mais presentes nas capitais a partir de agora.

Em resposta, no minuto 10:03, ele revelou planos surpreendentes, como o de defender a desapropriação de terras próximas aos grandes centros urbanos. Essas terras seriam destinadas à produção de alimentos saudáveis para a população das cidades. “Em 200 hectares é possível gerar emprego e renda para mais de 500 pessoas, que podem continuar vivendo onde estão”.

Uma das estratégias de longo prazo do MST é impulsionar a agroecologia para a produção de alimentos diversificados para o mercado interno. O foco do agronegócio são as exportações de poucos tipos de produtos.

Financiamento criativo

Lutar por mais recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) para os assentamentos já não faz parte da agenda do MST. Segundo ele, o Pronaf, mais antiga política de crédito rural do país, endivida o agricultor e gera lucros para as empresas que fornecem maquinário, adubos e agrotóxicos.

Aos 19:02 min do vídeo, o líder do movimento explica como funciona o fundo de financiamento para produção de alimentos, criado com ajuda do empresário e investidor Eduardo Moreira. O fundo, conhecido como Finapop, marcou a estreia do MST como captador de capitais no mercado financeiro. Stédile revelou que que um novo fundo de investimento está prestes a ser lançado pelo movimento.

Partidos de esquerda não dão exemplo

Mesmo em tom moderado, a partir do minuto 46:37 ele faz críticas ao “método de trabalho” dos partidos de esquerda, que estariam mais preocupados com eleições e com a manutenção dos mandatos dos seus parlamentares do que com a organização do povo e a presença nas comunidades. O raciocínio dele é mais ou menos este: a quantidade de pessoas mobilizadas vale mais que o número de deputados da bancada.

Mais à frente (50:03 min), Stédile cita dom Pedro Casaldáliga, que vivia em uma modesta casa de camponês e usava sandálias de dedo. A humildade do recém falecido bispo de São Félix do Araguaia seria um exemplo de referência para o povo. Como contraponto dessa “pedagogia do exemplo”, estaria o estilo de vida dos políticos, incluindo os de esquerda: “Veja como vivem os deputados”.

AUTORES
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.

Foto Sérgio Miguel Buarque
Sérgio Miguel Buarque

Sérgio Miguel Buarque é Coordenador Executivo da Marco Zero Conteúdo. Formado em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco, trabalhou no Diario de Pernambuco entre 1998 e 2014. Começou a carreira como repórter da editoria de Esportes onde, em 2002, passou a ser editor-assistente. Ocupou ainda os cargos de editor-executivo (2007 a 2014) e de editor de Política (2004 a 2007). Em 2011, concluiu o curso Master em Jornalismo Digital pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais.