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Na foto, o governador Paulo Câmara (PSB) em encontro com o Exércio. Crédito: Aluísio Moreira/SEI
O “projeto” da nova Escola de Formação e Graduação de Sargentos havia sido apresentado pelo Exército, em outubro, com direito a maquetes digitais detalhadas em vídeo institucional. Na mesma época, o governo de Pernambuco montou uma apresentação com mapas mostrando a estrutura do empreendimento e os respectivos incentivos e compromissos estaduais para sediar a novidade.
Mas, nesta quinta-feira, 2 de dezembro, o Exército surpreendeu e terminou deixando a gestão Paulo Câmara (PSB) na berlinda ao revelar, durante uma audiência pública, que ainda não há um projeto pronto nem uma localização definida para construção da instituição.Pernambuco disputou com outros estados a sede da Escola de Sargentos, que deve ser construída na Mata do Campo de Instrução Marechal Newton Cavalcanti (Cimnc), dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe.
Espécie de santuário, a Mata do Cimnc é tratada como a “Amazônia da Região Metropolitana do Recife”. Com 7,5 mil hectares de mata atlântica regenerada, é a maior faixa contínua acima do rio São Francisco de um dos biomas mais ameaçados do planeta. A mata também abriga importantes mananciais que abastecem barragens da área metropolitana, com destaque para a de Botafogo, historicamente problemática.
Para assegurar a vinda da instituição, o governador se comprometeu a investir mais de R$ 320 milhões. O dinheiro, segundo Câmara, seria para financiar obras de infraestrutura no entorno da área onde será erguida a estrutura, que prevê a concentração de 10 mil pessoas, entre alunos, professores, pessoal de apoio e familiares.
Estão previstos, além da escola, parque de tiros, vila olímpica, vila militar condominial, com 24 prédios de 24 apartamentos cada um, dez quadras poliesportivas, dois ginásios cobertos e estacionamento com pátio de formaturas.
No entanto, segundo revelou o General Francisco Carlos Machado Silva, durante a audiência, ainda “não há um projeto pronto da nova Escola de Sargentos”. O vídeo que circulou, disse ele, é apenas um “vídeo conceito”, que viabiliza uma ideia inicial do que se pretende fazer. Apesar disso, o militar afirmou que a previsão é utilizar 2% do campo de instrução, o que representa menos de 0,5% da APA.
Durante toda sua fala, ele assegurou que as construções serão ambientalmente sustentáveis, com o que há de mais moderno em termos tecnológicos, e que haverá compensações ambientais. “É possível que se trate do mais importante legado educacional, social, econômico e ambiental a ser construído pelo Exército possivelmente em toda a sua história”, anunciou.
Carlos Machado frisou que a mata só existe hoje graças ao trabalho das Forças Armadas porque antes o local era cana-de-açúcar e pasto. “Nossos campos de instrução são preservados por normas, a preservação é de total interesse para as nossas atividades”, complementou o general.
Uma operação aritmética simples mostra que 2% da Mata do Cimnc equivale a 150 hectares de mata atlântica, algo em torno de 170 mil árvores. A questão, defendem especialistas, vai muito além desse cálculo. Envolve fauna, flora e o abastecimento de água da população, além da previsão que já existe de não se construir prédios dentro da APA.
Mas o cálculo por si só já se mostra preocupante. Isso porque estima-se que 95% dos fragmentos residuais de mata atlântica em Pernambuco não atingem nem 5 ha.
A professora e presidente do Conselho Gestor da APA Aldeia-Beberibe, Cinthia Lima, chamou a atenção para o fato de um plantio de compensação ambiental levar cerca de 50 anos para atingir o estágio sucessional de uma floresta madura. “A floresta em pé cria água, todo mundo sabe”, protestou, preocupada com os rios, riachos e nascentes na região.
O evento desta quinta (2) foi puxado pela Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), presidida pelo deputado Wanderson Florêncio (PSC), e só aconteceu depois de muita pressão da sociedade civil e de ambientalistas. Organizações e o próprio Conselho Gestor da APA Aldeia-Beberibe reclamam que não foram consultados previamente sobre o projeto da Escola de Sargentos.
A audiência terminou com mais perguntas do que respostas. A principal delas é, se não há projeto, então em que se baseou o governo de Pernambuco para se comprometer em investir R$ 320 milhões?
“O que ficou evidenciado é que o governo do estado se comprometeu com algumas contrapartidas para o projeto, principalmente de acesso rodoviário e outras infraestruturas na área de saneamento e abastecimento, e se retirou de campo”, criticou o engenheiro e presidente do Fórum Socioambiental de Aldeia, Herbert Tejo, em conversa com a Marco Zero no pós-evento.
Ele se refere ao fato de a audiência não ter tido nenhum secretário de estado ou respectivos representantes. Em outras palavras, não havia como debater com o governo de Pernambuco pelo simples fato de não haver representantes. Não havia ninguém do alto escalão executivo.
O único membro do governo presente foi o presidente da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), Djalma Paes, que disse entender que ainda não há uma definição sobre quem será o órgão ambiental responsável pelas licenças, se a CPRH ou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
“Nós não tínhamos o que hoje a gente ouviu aqui do Gal Carlos Machado, que ainda não existe projeto de escola, não existe projeto arquitetônico. Existe, sim, a meu ver, uma definição com relação à locação”, comentou Paes.
A codeputada das Juntas (Psol) Carol Vergolino, presente na audiência, provocou a gestão estadual: “O governo que lançou, na COP26, o ‘PE Carbono Zero’, reafirmando o compromisso com a redução das emissões de gases, está investindo milhões na Escola de Sargentos que vai suprimir vegetação da unidade de conservação”.
“O Sr. Djalma Paes, da CPRH, reconhece que não conhece o projeto, no entanto o governo de Pernambuco já sinalizou que vai investir mais de R$ 300 milhões. Vai colocar milhões no que nem sabe o que vai ser?”, questionou.
A audiência na Alepe seria para debater também alternativas locacionais. Segundo o Fórum Socioambiental de Aldeia, há pelo menos outros dois locais que poderiam abrigar a Escola de Sargentos sem tanto impacto ao meio ambiente, sendo um em Paudalho e outro em Araçoiaba. Porém, sem a presença de representantes do estado, isso não foi possível. “Ontem não houve debate sobre alternativas locacionais, não havia com quem debater”, conclui Herbert.
A Marco Zero procurou a Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag), responsável pelo assunto. A pasta enviou uma nota que, em partes, é semelhante ao material enviado à reportagem quando publicamos a primeira matéria sobre o empreendimento.
Confira a nota da Seplag na íntegra:
A Secretaria de Planejamento e Gestão informa que a etapa concluída para a instalação da nova Escola de Sargentos foi a escolha de Pernambuco por parte do Exército, entre diversos outros Estados que também pleiteavam referido investimento. A viabilização desse complexo militar irá gerar significativo impacto econômico e social positivo para o Estado, a partir da geração de novos empregos diretos e indiretos, desenvolvimento econômico e social e fortalecimento do nosso polo educacional. O detalhamento do projeto e respectivos cronogramas são as etapas que começarão a ser elaboradas a partir de agora, em reuniões entre o Governo e Exército, para o desenvolvimento e execução do melhor projeto para nosso Estado.
A Marco Zero também enviou alguns questionamentos à Secretaria de Meio Ambiente. Sobre a ausência de representantes no evento da Alepe, a pasta disse que a assembleia convidou o Conselho Estadual de Meio Ambiente. “Por tratar-se de discussão acerca do licenciamento, ficou definido que a CPRH seria de maior utilidade no esclarecimento das dúvidas”.
“É importante esclarecer que o Exército não apresentou o projeto, apenas a intenção de realizar o empreendimento. Nós informamos que, a partir do projeto protocolado na CPRH, é que seria submetido a avaliação e licenciamento de acordo com a legislação vigente”, diz a secretaria.
“O Exército não definiu a área onde será instalada, pois essa área ainda não foi solicitada através de licenciamento, que é o documento que dá partida a análise do licenciamento à luz da legislação”, afirmou também, dizendo que a pasta “segue a legislação que define que supressão de mata atlântica só pode ser autorizada se não existir alternativa locacional”.
A Marco Zero também entrou em contato com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que repassou a demanda para a Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (Adepe). Fizemos contato, mas não recebemos qualquer retorno até o fechamento desta publicação.
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Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com