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Furtos, arrombamentos de casas, brigas de rua e tráfico de crack: a nova rotina no Sítio Histórico de Olinda

Samarone Lima / 05/06/2023
Maxuel Macena: homem branco, de cabeça raspada, barba escura e óculos de aro escuro, veste camisa preta com estampas marrons, segurando uma corrente com cadeado quebrado em frente a uma casa, em Olinda.

Maxuel Macena, empresário em Olinda. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

O casal de empresários Maxuel Macena e Arnandes Fernandes apostou tudo no Sítio Histórico de Olinda, para abrir um novo e charmoso café, numa das ruas mais famosas, com seus casarões centenários e imensas árvores – a rua do Bonfim. Alugaram um dos imóveis mais conhecidos, com muitos quartos, um salão imenso e jardim, onde cabem muitas mesas. O local também se tornou a nova morada deles. Nas semanas seguintes, se preparavam para disponibilizar quartos para hospedagem. 

Fizeram um planejamento de um ano, investiram R$ 50 mil. A inauguração  do Morada do Bonfim Cafeteria e Hospedaria, em 14 de abril, teve um ótimo público, muitos amigos, elogios pela iniciativa, o cardápio variado, o excelente atendimento, já que quase não há mais opção de café numa cidade reconhecida como Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco.

Tudo parecia estar muito melhor do que tinham pensado, mas o sonho durou pouco. Menos de duas semanas depois, o pesadelo começou. A violência que vem atormentando os moradores e comerciantes das colinas históricas entrou na vida deles.

A primeira invasão da casa, onde vivem e funciona o café, foi dez dias depois da inauguração, quando uma funcionária chegou para começar o expediente viu que os ventiladores da área de serviço não estavam mais no lugar. Max descobriu que o ladrão tinha simplesmente pulado o portão da frente, ainda sem arames farpados ou cercas elétricas, elementos que tomaram conta da paisagem das casas do Sítio Histórico.

A segunda foi poucos dias depois. Desta vez, a ação foi mais ousada. Foram roubados dois botijões de gás, que tinham acabado de comprar, mas que estavam protegidos por uma grade. 

“Entraram, abriram uma porta do depósito onde temos ferramentas, pegaram um ferro, quebraram o cadeado e levaram nosso gás”, contou o empresário

Max desconfia que o invasor tenha percebido no escritório uma vulnerabilidade na caixa do ar-condicionado. Aproveitou para avançar no roubo. Entrou pela caixa e abriu a porta por dentro. 

Desta vez, foram oito garrafas de champanhe francesa, margarina e Coca-Cola, e dois baldes grandes, onde certamente colocaram o produto do roubo. O ladrão se sentiu tão à vontade, que aproveitou para defecar na área de serviço. 

Max resolveu fazer um reforço na segurança. Comprou correntes e cadeados.

Mas a barra ficou pesada mesmo após a última invasão da casa, faltando dez minutos para uma hora da manhã. O casal dormia, quando Ernandes acordou assustado com um barulho. 

“Estão invadindo a casa!”

Do quarto, através de um vidro, viram um homem arrombando a casa.

“Ladrão! Ladrão!”, gritou Arnandes.

O homem, ao escutar os gritos, saiu caminhando calmamente pela lateral da casa, mas eles não sabiam em qual ponto da casa ele poderia estar.

Tentando acalmar seu companheiro, que estava muito nervoso, pouco antes da uma da manhã, Max ligou para a Ciatur (Companhia Independente de Apoio ao Turista, da Polícia Militar), mas ninguém atendeu. Apelou para o 190, relatou o caso, que tinha um agravante:

Atendimento da Ciatur deixa a desejar, mas PM participou da reunião com moradores Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

“O ladrão pode estar dentro da nossa casa”, alertou.

“Vamos mandar uma viatura” foi a resposta.

Dez minutos depois, ligou de novo. A mesma resposta. À 1h45, a mesma resposta.

Às duas horas da manhã, quase uma hora depois da primeira ligação, Max ligou novamente. A ligação foi passada para um homem que se apresentou como um “comandante da PM”, que deu uma orientação ao empresário:

“Pegue algum objeto contundente e vá para a área externa”.

Ele não acreditou na resposta.

“Comandante, eu não tenho nenhuma habilidade ou aptidão para este tipo de situação”.

“Mas infelizmente eu não tenho viatura disponível, e tenho quase certeza de que ele não está mais aí”.

Mesmo bastante nervoso, Max lembrou ao comandante da invasão ao Centro de Educação Musical de Olinda (Cemo), na qual o assaltante esfaqueou um vigilante diante das câmeras de segurança em meados de maio.

O comandante insistiu.

“E se fosse uma pessoa de sua família, o senhor indicaria esse tipo de conduta?”

A conversa terminou por ali.

Às 3h30, uma viatura da Ciatur chegou. Desde a primeira ligação para a PM, tinham se passado mais de duas horas

“Eles deram o apoio, mas já era muito tarde”, lamenta Max. “Ficamos reféns dentro de nossa própria casa”.

Às 4h30, chegou outra viatura.

“Viemos à mando do Comandante”, informou um policial pelo celular “Estamos aqui na frente da casa, na rampa, para proteger vocês. Vocês estão bem?”

“São 4h30, chamamos a PM meia-noite e cinquenta, senhor…”

“Ok, estamos aqui de prontidão”, foi a resposta.

A reação dos moradores

A história de Max é simbólica do que está acontecendo de forma crescente e sem nenhum tipo de resposta concreta do poder público: o aumento exponencial da violência no Sítio Histórico, com roubo de qualquer coisa que possa ser revendida o mais rápido possível.

Nem mesmo a tradicional feirinha de alimentos orgânicos, que existe há mais de 15 anos, aos sábados, na Praça do Carmo, escapou. Há duas semanas, todos os barraqueiros fizeram um abaixo-assinado pedindo a presença de policiais militares durante a manhã, sob o risco de acabar.

A cada sábado, moradores de rua e usuários de drogas (principalmente crack) têm investido de forma agressiva junto aos feirantes e consumidores, na abordagem em busca  comida, protagonizando cenas violência, com uso de facas e garrafas de vidro entre os próprios pedintes.

O vice-presidente da associação dos feirantes, Moisés Manoel da Silva, um dos idealizadores do abaixo-assinado, comemorou o primeiro dia em que dois policiais fizeram a segurança. A simples presença de policiais fardados ajudou a deixar o clima tranquilo.

“Hoje está tudo bem, mas já semana passada teve briga com caco de vidro aqui na frente. Muitas vezes, a abordagem para pedir as coisas é agressiva”.

Consumo de crack entre moradores de rua acontece a qualquer hora. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Um dos feirantes, que não quis se identificar, disse que estava pensando em desistir. 

“Não dá para trabalhar. Vou desistir. Pedem as coisas de maneira agressiva e já roubaram duas facas que uso para trabalhar”.

“Moro aqui há 37 anos e nunca vi isso. Tem três semanas que não venho”, diz a aposentada Mazoni Suzano. “Aqui era um ambiente confortável, onde tenho amigos. Não é só comprar alimentos. É saber que o encontro, a troca, um lugar que faz bem para a nossa saúde física e mental”.

Na quarta-feira, moradores do Sítio Histórico se reuniram mais uma vez, em audiência pública, convocada pela vereadora Dete Silva, na sede da Sodeca, para discutir o tema da segurança pública na Cidade Alta.

A conversa entrou pela madrugada e definiu os seguintes encaminhamentos: 

Decisões da reunião dos moradores do Sítio Histórico:

1. Pedido de agendamento de reunião com o prefeito e suas principais secretarias. O secretário Alipio, que estava presente na audiência, vai dar retorno sobre a data desta reunião. Essa reunião vai ser importante pois a prefeitura irá apresentar as ações em execução, o planejamento e os dados.

2. Criação de Grupo de Trabalho (GT SHO) com representantes dos moradores, prefeitura, governo estadual e policias. A Sodeca vai encaminhar a mobilização e articulação deste GT.  É necessário definição de representantes por Rua e/ou Logradouro para construir esse GT SHO, para além dos representantes da Sodeca.

3. Reunião na Sodeca na próxima quarta-feira (07/06) às 19h.

Em seu instagram, o artista plástico Luciano Pinheiro, que mora há décadas em Olinda, desabafou: 

“Olinda vive verdadeira pandemia de assaltos à mão armada, arrombamentos e invasões de moradias que vêm apavorando moradores e afastando turistas da cidade, de dia e de noite. Relatos dramáticos foram feitos pelas recentes vítimas que salientaram o clima de nova tragédia anunciada, como foi o caso da saudosa Maria Alice dos Anjos em 2018, brutalmente assassinada em sua residência na rua 13 de Maio”.

Ele contou a realidade vivida diariamente pelos moradores:

“Nunca antes se viu tantos pedintes, excluídos, noiados, dormindo ao relento nas calçadas, arrombamento de casas e roubos de equipamentos públicos. A praça João Lapa, a praça do Carmo, e outras, são locais visíveis onde se concentram estes ‘excluídos’ da sociedade”. 

Ele encerrou a postagem citando um aspecto que é citado por dezenas de pessoas que vivem, trabalham e querem mudar a realidade violenta que não para de crescer: a ausência do prefeito nas discussões e ações.

“Afirmo que não é um problema apenas policial, mas principalmente social, que precisa ser enfrentado pelos poderes públicos, prefeitura, governo do estado e governo federal. Afinal, Olinda é Patrimônio Mundial inserido no circuito turístico”.

“Existem meios para isto, mas o atual prefeito professor Lupércio é omisso e nem ao menos atende às solicitações da população do Sítio Histórico para estar presente nesta audiência e em outros encontros solicitados”. 

“Esse problema começou a crescer há uns dois anos e vai demorar”, analisa o jornalista Almir Cunha, secretário executivo do Conselho de Preservação dos Sítios Históricos de Olinda, que vem se posicionando nas redes sociais sobre o assunto.

“A prefeitura devia ser protagonista, mas não é. Aqui está bem pior que o Recife Antigo. Ela não atua. As coisas em Olinda são muito turvas. O próprio prefeito tem uma clínica para reabilitação de drogados, a Libertas, em Paulista”.

Sítio Histórico “apenas como vitrine”

O médico Carlos Marinho foi um dos líderes de um movimento, ano passado, pela segurança no Sítio Histórico. Ou, como ele diz, “um grito desesperado por segurança”. Lembra de tudo o que foi feito, de forma coletiva. 

“Enlutamos a cidade, fizemos reunião com a Ciatur, fizemos carta-denúncia da situação que estávamos passando e distribuímos aos moradores e encaminhamos a autoridades em todos os níveis, sensibilizamos a imprensa falada, escrita e televisiva com diversas entrevistas, fizemos um ato contra a violência em frente à Igreja do Bonfim, fizemos reunião na Câmara de Vereadores sobre os problemas do Sítio Histórico e a violência”.

Após quatro tentativas de reunião como prefeito sem resposta, Carlos percebeu que o Sítio Histórico só serve mesmo como “vitrine” para o Carnaval.

“Após o Carnaval, ele anunciou que o Carnaval deu lucro de R$ 435 milhões. Depois do Carnaval, a tensão voltou a aumentar”.

Marinho é vizinho do Café que foi invadido quatro vezes.

Há três meses, sua casa foi invadida, após 45 anos morando na cidade.

“Pularam o portão, levaram um botijão de gás e uma escada”

Quanto a Maxuel e Arnandes, o café segue com muitos clientes, mas o tempo é para observação e reflexão sobre os impactos da violência.

“O Arnandes está dormindo mal e acorda assustado. Não é fácil passar pelo que passamos. Se for pra continuar assim, com medo, prefiro a gente devolver a casa e ir pra outro canto, pra viver em paz”.

Feira de orgânicos foi palco de briga entre usuários de drogas que assediavam clientes e feirantes. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

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AUTOR
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Samarone Lima

Samarone Lima, jornalista e escritor, publicou livros-reportagens e de poesia, entre eles "O aquário desenterrado" (2013), Prêmio Alphonsus de Guimarães da Fundação Biblioteca Nacional e da Bienal do Livro de Brasília, em 2014. Em 2023, seu primeiro livro, "Zé", foi adaptado para o cinema.