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Irmã e prima de Jonathas, menino assassinado em Barreiros, prestam depoimento à polícia

Raíssa Ebrahim / 03/03/2022

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Nesta quinta-feira, 3 de março, pela manhã, a irmã e a prima do menino Jonathas de Oliveira dos Santos, de nove anos, assassinado em Barreiros, na Mata Sul de Pernambuco, prestaram depoimento à polícia. As duas são adolescentes, com 15 e 14 anos, respectivamente. As versões e os detalhes repassados por elas têm um peso importante nas investigações, afinal elas presenciaram a invasão dos sete homens encapuzados à casa da família do agricultor Geovane da Silva Santos, liderança rural do Engenho Roncadorzinho, que levou um tiro no ombro e conseguiu sobreviver ao atentado.

As meninas foram acompanhadas pelas advogadas do Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec), Juliana Accioly e Manuela Soler. A Organização Não Governamental, com 32 anos de atuação na defesa e promoção dos direitos humanos, vem prestando assistência jurídica e também psicológica à família de Jonathas desde que aconteceu o crime, em 10 de fevereiro. Na Delegacia de Barreiros, as adolescentes também foram acompanhadas pelo Conselho Tutelar e por uma psicóloga do município. 

A Polícia Civil de Pernambuco tem trabalhado em cima de uma linha de investigação que aponta que traficantes de drogas teriam matado Jonathas porque queriam a terra do pai Geovane para criar cavalos. O líder dos agricultores nega tal interesse. A versão de que a propriedade estaria sendo alvo de proposta de compra sequer apareceu no depoimento de Geovane. 

Tanto ele quanto as organizações sociais que têm acompanhado o caso – com destaque para a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape) – asseguram que o líder da Associação dos(as) agricultores(as) familiares do município não tem nenhum envolvimento com tráfico, dívidas ou qualquer atividade ilícita.

A versão da polícia também é contestada pelas comissões de Direitos Humanos da Câmara Federal e do Senado. O questionamento foi bastante enfatizado durante o ato em Barreiros, em 18 de fevereiro, que pediu justiça pela morte de Jonathas e uma solução definitiva para os conflitos agrários em Pernambuco.

O que vem acontecendo, já há alguns anos, são casos de ameaças e violências contra os trabalhadores de diversos engenhos da Mata Sul, incluindo Roncadorzinho. Os agricultores vêm denunciando a situação e já registraram uma série de Boletins de Ocorrência. Mas, segundo as organizações sociais, nenhum deles foi adiante e a mediação do conflito no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) também não avançou. Por isso a comunidade local e os movimentos não dispensam que o conflito agrário pode ter sido a causa do assassinato de Jonathas.

ONG Cendhec vem dando apoio jurídico e psicológico à família de Jonathas. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

A briga pelas terras na Mata Sul

Para entender o contexto desses conflitos na Mata Sul, é preciso lembrar que, aquilo que antigamente eram usinas de monocultura de cana-de-açúcar para produção de álcool e açúcar hoje são imóveis com dívidas milionárias. Em crise, a maioria dessas usinas faliu e terminou sendo repassada a empresas dos ramos imobiliário e agropecuário.

Famílias agricultoras que, há gerações, viviam e trabalhavam para essas usinas brigam na Justiça para receber indenizações e direitos trabalhistas. Segundo a Fetape, das cerca de 70 famílias, aproximadamente 30 são credoras das terras na Justiça. O cenário é semelhante, por exemplo, no Engenho Batateiras, no município de Maraial, e no Engenho Fervedouro, no município de Jaqueira.

O Engenho Roncadorzinho é um dos imóveis pertencentes à massa falida da Usina Santo André, que decretou falência há 22 anos e foi arrendada, há cerca de 10 anos, pela Agropecuária Javari. Em 2019, a empresa solicitou na Justiça que as famílias fossem retiradas do local através de uma reintegração de possse, alegando que se tratavam de invasoras das terras, uma vez que muita gente tinha chegado depois ao local.

Os agricultores então contestaram. No segundo semestre do ano passado, em sessão realizada pelos desembargadores da 2ª Câmara Cível, foi determinada a intimação do Núcleo de Mediação do TJPE para a tentativa de conciliação entre as partes envolvidas. Mas nenhuma audiência chegou a acontecer.

Motivo do crime ainda não elucidado

Segundo Juliana Accioly, uma das advogadas do Cendhec, com os depoimentos desta quinta (3), algumas questões foram elucidadas e outras ainda não . Ela reforça que a motivação do crime que culminou com a morte de Jonathas ainda não está elucidada. A polícia segue colhendo depoimentos dos homens detidos e outras pessoas mencionadas em depoimentos também serão ouvidas.

Por enquanto, dois homens foram presos e dois adolescentes foram detidos por envolvimento no crime. Em nota, a Polícia civil afirmou que “o caso segue sob investigação”, sem fornecer mais detalhes.

Apesar do medo e do trauma, Geovane e a família decidiram que querem permanecer na comunidade e por isso optaram por não entrar no Programa de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita).

Polícia Civil ainda vai ouvir pessoas citadas nos depoimentos. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

A nova Comissão de Acompanhamento dos Conflitos Agrários

Na quarta-feira, 2 de março, o governador Paulo Câmara (PSB) assinou decreto que cria a Comissão Estadual de Acompanhamento dos Conflitos Agrários de Pernambuco (Ceaca-PE), coordenada pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos. De caráter exclusivamente consultivo, diferente da Comissão Estadual de Mediação de Conflitos Agrários, criada em 2019, o objetivo da nova comissão é contribuir na implementação de medidas de prevenção, mediação e resolução de conflitos, a fim de garantir o direito à terra e a efetivação de sua função social.

O decreto também regulamenta o Programa Estadual de Prevenção de Conflitos Agrários e Coletivos (PPCAC), anunciado em fevereiro, com investimentos de R$ 2 milhões.

“A comissão passa a colocar diversas secretarias e órgãos em uma mesma mesa para tratar individualmente de cada processo de conflito agrário, envolvendo vários órgãos do governo e as defensorias públicas da União e do estado. O grupo vai individualizar as demandas e discutir, de forma articulada, as melhores soluções para pacificar esses conflitos”, explicou o governador em comunicado.

No mesmo comunicado, o secretário de Justiça e Direitos Humanos, Eduardo Figueiredo, informou que a primeira reunião já foi realizada, em 23 de fevereiro. “O Programa de Prevenção de Conflitos Agrários e Coletivos vai dar suporte à comissão. Ao mesmo tempo em que nós vamos discutir alternativas, o programa, por meio da equipe técnica, vai realizar visitas, produzir relatórios técnicos e intervenções e vai subsidiar a comissão, além de fazer a proteção. Se for identificada alguma pessoa envolvida no conflito que esteja precisando da ordem de proteção, o programa já vai atuar, tanto na prevenção do conflito quanto na proteção”, afirmou Figueiredo.

A comissão conta com as participações de representantes titulares e suplentes das secretarias estaduais de Justiça e Direitos Humanos, Desenvolvimento Agrário, Defesa Social, Planejamento e Gestão e Procuradoria Geral do Estado, além do Instituto de Terras e Reforma Agrária (Iterpe), Ministério Público de Pernambuco, Defensoria Pública do Estado, Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Defensoria Pública da União, Tribunal de Justiça de Pernambuco, Comissão de Cidadania de Direitos Humanos e Participação Popular da Assembleia Legislativa do Estado, Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal e entidades da sociedade civil.

Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.

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AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com