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Mães lésbicas e trans se impõem contra preconceito

Kleber Nunes / 09/05/2021
Layla Sampaio é mãe de Luiza de 9 anos e esposa de Isabel Sampaio que está grávida de Lília_ (2)

Luiza, Isabel e Layla aguardam o nascimento de Lilia para ver a família crescer. Crédito: Duas Tribos Fotografia

Neste domingo (9), as redes sociais serão tomadas por fotos, vídeos e hashtags em homenagem a muitas mulheres. Na televisão e no rádio, peças publicitárias vão explorar famílias felizes, na tentativa de vender seus produtos, afinal de contas é Dia das Mães – historicamente a segunda melhor data para o comércio, só perdendo para o Natal.

Este será o segundo Dia das Mães em meio à pandemia do coronavírus, então boa parte das mensagens, sobretudo as comerciais, deverão trazer em seu contexto as recomendações sanitárias para prevenir a covid-19. Outra certeza são os formatos de famílias e as figuras maternas que tenderão a ser representados nesses comerciais.

O que também ainda é tradição neste domingo é o movimento de invisibilização das mães lésbicas e das mães que são mulheres trans. Umas são críticas à data “por ser mais uma oportunidade de exploração do capitalismo”, já outras acham “importante a comemoração”. O que todas elas concordam, é que o Dia das Mães é uma oportunidade para visibilizar todas as configurações familiares e de “lutar contra a discriminação”.

A professora Layla Pereira Sampaio, 33, engravidou há 9 anos, depois de uma noite com um amigo. Já consciente da sua orientação sexual e tendo após isso apenas relacionamentos com outras mulheres, ela só soube da gestação quando estava no quinto mês, depois de desconfiar do ganho de peso e procurar um ginecologista. Na época, Layla tinha concluído a graduação em matemática e se preparava para a seleção de mestrado fora do Brasil.

“Embora não estivesse nos meus planos, recebi a notícia da gravidez com tranquilidade. No dia seguinte à confirmação, comuniquei ao meu amigo, agora pai da minha filha Luiza, e de imediato começamos a organizar tudo para a chegada dela”, lembra Layla.

Desde então, todas as consultas e demais compromissos que envolvam a pequena Luiza, os dois cumprem juntos, tudo é dividido. “Com Lulu eu percebo que o preconceito aparece quando eu conto nossa história a quem não nos conhece, aí sempre se referem ao pai dela como meu ex-marido ou ex-namorado, mesmo explicando que sempre fomos amigos”, conta.

Há quase três anos, Layla começou a namorar a veterinária Isabel Sampaio, 33. Desde o início da relação, Bel, como é chamada, externou seu desejo de ser mãe estando em um relacionamento ou não. Pouco depois de um ano de casadas resolveram fazer uma inseminação caseira a partir do semen de um doador anônimo. A intervenção deu certo e Lília está para chegar em junho.

Layla Sampaio é mãe de Luiza de 9 anos e esposa de Isabel Sampaio que está grávida de Lília_ (1)_

Para Layla (d), o Dia das Mães tem sido uma data para o consumismo e deveria ser encarado como "mais um dia importante de luta". Crédito: Arquivo Pessoal

“Sofremos discriminação com três obstetras, ou insistiam na pergunta de quem era o pai, mesmo nós explicando que não tinha pai e sim um doador, ou questionando se eu era a amiga que estava acompanhando Bel e não sua esposa. É diferente do que aconteceu com Luiza, mas a raiz é o mesmo preconceito”, afirma Layla.

Para a professora, o Dia das Mães já deveria ter sido substituído oficialmente pelo Dia da Família. Do jeito que é, para ela, não passa de uma data para o consumismo. “Há vários formatos de família, inclusive, sem mãe. Imagine o sofrimento de uma criança na escola, por exemplo, como os filhos do ator Paulo Gustavo? Entendo que esta data precisa ser mais um dia importante de luta”, diz

Reconhecimento

Lutar é um dos verbos que fazem parte do vocabulário da líder comunitária, em Garanhuns (PE), Renata Alexsandra Gonçalves de Souza, 44. “Infelizmente nasci no corpo errado”, afirma a primeira mulher trans da cidade do agreste pernambucano.

Antes de completar 18 anos e tomar a decisão de fazer o processo de transição para o gênero que sempre se identificou, Renata foi casada com uma mulher, desde os 14 anos, com quem teve quatro filhos. “Por preconceito do meu pai e da minha família tradicional do município, ele colocava na minha cabeça que eu tinha que ser homem”, relembra.

Por quase 30 anos, Renata viveu se apresentando como era, uma mulher, mas oficialmente nos documentos os dados eram masculinos. A retificação dos registros oficiais é mais um dos problemas enfrentados por pessoas trans e que muitas vezes serve de instrumento para a discriminação.

Renata Alexsandra Gonçalves de Souza, mulher trans mãe de quatro filhos_

Renata diz que ser mãe independe do sexo biológico: "é muito forte, não é pra qualquer uma". Crédito: Arquivo Pessoal

Renata é chamada de pai pelos dois casais que são seus filhos e têm entre 24 e 28 anos. Além deles, ela já é avó de seis crianças.

“O Dia das Mães é uma data muito importante para nós mulheres trans e para todas as outras mulheres que também são mães. Ser mãe é algo muito forte, não é para qualquer uma e isso não depende do sexo biológico. É também uma data de reconhecimento para todas nós que assumimos a maternidade”, declara.

Espaço e visibilidade

É numa casa, na cidade de Salgueiro, sertão de Pernambuco, que o Dia das Mães também ganha o sentido de resistência. A autônoma Adriana Gomes da Silva, 38, nunca pensou em gerar uma criança, mas sonhava em ser mãe por adoção. Quis o destino que ela não tivesse um, mas quatro filhos.

Adriana foi casada por 17 anos com outra mulher com quem criou o filho Davi, adotado de uma família do mesmo município. O casal participou de todo processo gestacional, consultas de pré-natal, compra de enxoval, preparação de quarto e até levou a mãe biológica à maternidade.

“Costumo dizer que Daniel é um presente de Deus. Aqui, por ser interior, é muito mais complicado para a pessoa homossexual assumir, não sofremos violência física, mas já fomos vítimas de muito preconceito. Uma vez na escola, um colega disse que ao meu filho que era para ele se afastar porque ele tinha duas mães. Conversamos com a professora e a família do menino e resolvemos a questão, hoje temos uma boa relação. Mas sabemos que nem sempre é assim”, conta.

Adriana Gomes da Silva e a esposa Cristiane

Cristiane e Adriana estão casadas há 5 anos e juntaram os quatro filhos. Crédito: Arquivo Pessoal

Adriana ficou viúva e casou novamente há cinco anos com Cristiane, que já tinha três filhos, hoje com 18, 21 e 23 anos. “Não vemos a mídia mostrar família como a nossa e é importante que a gente apareça também no Dia das Mães porque as pessoas ainda julgam muito quem é homossexual. A partir do momento que as pessoas passam a conhecer, entender, acaba o preconceito. Aqui conquistamos o nosso espaço e podemos andar pela rua de mãos dadas, mas sei que na maioria dos lugares não, por isso é muito importante essa visibilidade”, explica.

Esta reportagem é uma produção do Programa de Diversidade nas Redações, realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo Representativo, com o apoio do Google News Initiative”.

AUTOR
Foto Kleber Nunes
Kleber Nunes

Jornalista formado pela Unicap e mestrando em jornalismo pela UFPB. Atuou como repórter no Diario de Pernambuco e Folha de Pernambuco. Foi trainee e correspondente da Folha de S.Paulo, correspondente do Estadão, colaborador do UOL e da Veja, além de assessor de imprensa. Vamos contar novas histórias? Manda a tua para klebernunes.marcozero@gmail.com