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Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
* Por Bia Pankararu
Temas como preservação ambiental, uso consciente dos recursos naturais e mudanças climáticas ainda soam com muito distanciamento para a maioria da população e do entendimento de como esses temas afetam diretamente a vida de todos, principalmente, todos aqueles que são marginalizados pelas políticas públicas habitacionais, de saneamento básico e acesso à água, por exemplo. Quando não, a ideia de preservação ambiental fica presa na imagem das florestas e mares, no entanto, tudo ao nosso redor é o meio ambiente em que vivemos.
A população que mais sofre com as mudanças climáticas nas cidades é majoritariamente preta e periférica, como os recentes deslizamentos na RMR que deixaram mais de 90 mortos e 6 mil desabrigados após as chuvas constantes dos últimos meses. População esta que segue esquecida pelo poder público sem condições de refazer suas vidas com segurança e dignidade. Chuvas essas que tiveram um aumento de 20%, dado trazido por reportagem recente da Marco Zero, onde cientistas já apontam que o que estamos vivendo hoje já é sim o reflexo de décadas em que a importância da preservação ambiental nas políticas públicas e sociais foram negligenciadas.
O crescimento das cidades, sem planejamento urbano ou qualquer garantia de segurança habitacional, leva as populações mais carentes a construir suas casas em morros, encostas, adentrando áreas de vegetação. A falta de estrutura gera não só problemas ambientais, mas de saúde pública. Essas áreas geralmente não possuem sistema de esgoto, coleta de lixo adequada, fornecimento de água regular, tudo isso somado traz a esta população riscos maiores de contaminações por doenças que, com certeza, os moradores de Boa Viagem não correm. O nome disso é, sem dúvidas, racismo ambiental.
Segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima), a capital de Pernambuco, Recife, é apontada como a 16° cidade do mundo mais ameaçada pela mudança climática e pelo aumento do nível do mar. Ou seja, uma contagem regressiva e dramática está em curso, mas enquanto isso, os Governos seguem priorizando os grandes projetos em áreas que deveriam ser de preservação, como as matas de restingas e mangues, ao invés de investir nos povos ribeirinhos que têm nesses ecossistemas seus modos de vida, subsistência, cultura, e são melhores agentes de preservação ambiental que qualquer empresa, indústria ou condomínio. Desconsiderar populações locais e a sua importância é o primeiro grande erro, e o mais característico do racismo ambiental, que exclui do debate e tomadas de decisões, afasta e silencia o povo para agradar meia dúzia de investidores e interesses próprios.
A ideia de progresso econômico à custa da natureza não é coisa apenas das grandes cidades. Cidades do Agreste, Sertão e demais regiões do estado sofrem ainda mais com essas investidas de destruição, pois a fiscalização ambiental é menor, as denúncias chegam mais devagar e não repercutem publicamente. A cegueira do desenvolvimento vem de mãos dadas com duas frentes: o concreto, com a construção de grandes empreendimentos, e o agronegócio, que derruba matas virgens para pasto e a monocultura.
Esse tal desenvolvimento vem acabando com uma grande riqueza que é o bioma caatinga. A caatinga ocupa 11% do território nacional, um bioma exclusivamente brasileiro, onde espécies de plantas e animais só existem nele. Cerca de 13% do bioma encontra-se em estado avançado de desertificação e 50% de sua mata nativa já foi desmatada. Apenas 2% do bioma está em área de preservação e proteção integral e a ideia de que a caatinga é um bioma “pobre” é um grande equívoco que se perpetua no imaginário coletivo.
Precisaria de um artigo inteiro só para levantar o recorte indígena sobre esse assunto, e virá, mas por hora digo que, se olharmos hoje imagens de satélites em tempo real é possível observar uma diferença gritante entre territórios rurais vizinhos aos territórios indígenas. Essas imagens mostram melhor que mil palavras como os Povos Tradicionais sabem crescer, se desenvolver, plantar e colher sem destruir tudo ao redor. É uma relação mútua de existência. Assim como os povos indígenas, territórios quilombolas e ribeirinhos têm na natureza a matemática perfeita de tirar o necessário com a sabedoria de não faltar amanhã.
Existem mil e uma formas de desenvolvimento sustentável. O ecoturismo, turismo comunitário, fortalecimento da agricultura familiar, investimento em centros de reciclagem são alguns exemplos. O que precisamos mesmo são de propostas que coloquem as pautas ambientais e climáticas como prioridades, principalmente, as pessoas que são diretamente ligadas a essas pautas. Não adianta defender um ecossistema sem defender também as pessoas que fazem parte integralmente dele.
O homem branco precisa aprender, de uma vez por todas, que hoje vale muito mais uma árvore de pé do que um boi no pasto, uma nascente viva do que um monumento de concreto morto. Não sabemos mais como dizer que nosso planeta está entrando em colapso e ninguém irá escapar dos efeitos catastróficos que estão por vir. Talvez o Elon Musk escape na sua nave para Marte, muito mais inovador gastar bilhões e bilhões buscando formas de colonizar um novo planeta do que tentar regenerar o cambaleante planeta Terra e toda sua humanidade faminta, marginalizada e entregue ao cronômetro climático que não para de diminuir nosso tempo.
Quanto tempo será que nos resta? Segundo a ONU, ahumanidade tem até 2025,apenas três anos, para frear as emissões de gases que provocam o efeito estufa para impedir consequências irreversíveis ao planeta. Isso significa que nessas eleições precisamos eleger quem tenha em seus projetos políticos propostas ambientais, sem mais. Ou temos políticos comprometidos com as questões ambientais, ou nosso tempo correrá muito mais rápido à medida que os recursos naturais se esgotam. Ainda dá tempo, assim espero, por mim, pelo meu filho e todos que virão depois de nós.
* Bia Pankararu tem 28 anos, é mulher indígena, sertaneja, mãe de Otto, LGBT+, técnica em enfermagem e produtora cultural e audiovisual. Ativista pelos direitos humanos e ambientais. Comunicadora da rede @povopankararu.
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